A aprovação do projeto que afrouxa a vigilância sobre o uso de agrotóxicos – apelidada de “lei do veneno” por opositores – em uma comissão da Câmara foi mais uma vitória da chamada bancada ruralista. Deputados que defendem o setor lideraram as negociações no Parlamento – não sem antes rodadas de conversas com o Palácio do Planalto, garantias à sanção do texto após o término da tramitação no Congresso e o compromisso, claro, com contrapartidas.
O projeto foi desengavetado em abril, quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mandou instalar a Comissão Especial dos Defensivos Agrícolas. Dos 26 integrantes, 20 fazem parte da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPA), cuja presidente, a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), também presidiu o colegiado.
O texto cria um rito para o registro de agrotóxicos e prevê a mudança da nomenclatura do produto para "pesticida". Os registros ficam sob responsabilidade do Ministério da Agricultura. Hoje, além dessa pasta, também há análises do Ibama, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), vinculada ao Ministério da Saúde.
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Passa também a existir um prazo de dois anos para análise de novos produtos pelo governo, período após o qual eles receberão um registro provisório. Atualmente o processo inteiro leva entre quatro e oito anos. É justamente nesse quesito que se detém a maior parte dos argumentos dos ruralistas a favor da mudança. Afirmam que os produtos acabam obsoletos quando chegam ao mercado e que a atual legislação de agrotóxicos está defasada.
Oposicionistas liderados pela Frente Ambientalista classificam a votação como um projeto de “cartas marcadas”. Inúmeros recursos regimentais foram utilizados para tentar atrasar ou derrubar a votação da proposta. Contudo, em menor número, os ruralistas conseguiram fazer passar o texto na comissão e, agora, pressionam Rodrigo Maia para pautar o tema no plenário.
Alta representatividade
O trâmite desse projeto no Congresso é um exemplo claro do poder de pressão que a FPA tem e que exerce como ninguém. A bancada ruralista tem 209 deputados e 26 senadores – um número considerável. Para o governo aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) no Congresso, como a reforma da Previdência, por exemplo, são necessários 308 votos na Câmara e 49, no Senado. O equivalente a 68% e 60% da quantidade de apoiadores necessários em cada Casa, respectivamente.
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É essa representatividade que justifica a importância dada à bancada ruralista, o maior grupo suprapartidário do Congresso Nacional, representante de um dos maiores setores da economia brasileira. Os ruralistas costumam se aliar a outras frentes do Congresso, como a bancada da bala e dos evangélicos, também avaliadas como conservadoras e, juntos, são responsáveis por fazer andar uma série de propostas polêmicas.
É significativo, neste contexto, lembrar que o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, senador licenciado, é um dos maiores empresários do agronegócio do país, dono de imensas áreas de plantações, a maioria de soja, a maioria em Mato Grosso.
“O caminho para o Brasil”
A aprovação da proposta foi comemorada em um badalado – e caro – restaurante em Brasília, à beira do Lago Paranoá, e contou não apenas com parlamentares ligados ao agronegócio, como também com entidades do setor, como Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja) e o Instituto Pensar Agropecuário.
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Chamou a atenção, contudo, mais do que discursos inflamados em torno dos assuntos do setor – e críticas aos ataques ao agronegócio –, os ataques em torno de sexualidade e eleições.
O deputado Marcos Montes (PSD-MG), candidato a vice-governador na chapa do senador Antonio Anastasia (PSDB) em Minas Gerais, foi um dos que discursou no evento. Segundo participantes, exaltou a importância da bancada, lembrou a participação dos parlamentares ruralistas na votação do impeachment de Dilma Rousseff e disse que cabe a eles "apontar um caminho para o Brasil".
Poder de barganha
No dia 2 de agosto de 2017, a Câmara dos Deputados vetou a continuidade da primeira denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer. Um dia antes, o presidente editou uma Medida Provisória que reduziu a alíquota do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e deu descontos para produtores rurais com dívidas na Previdência. As dívidas do setor agrícola somavam mais de R$ 17 bilhões. Com os benefícios concedidos, o retorno aos cofres púbicos será de menos de R$ 9 bilhões.
Levantamento da ONG "de olho no agronegócio" aponta que 50% dos parlamentares da bancada votaram pelo impeachment de Dilma em 2016. E, no ano passado, 51% deles defenderam Temer e ajudaram a rejeitar as denúncias contra o presidente da República.
"De Olho nos Ruralistas atualizou os dados sobre essas votações na Câmara e constatou uma sobreposição até agora inédita: entre 155 deputados dessa frente que votaram tanto no dia 17 de abril de 2016 como na sessão do dia 2 de agosto de 2017, 124 deles votaram contra Dilma Rousseff e a favor de Michel Temer. Ou seja, 80% dos votantes da FPA. A taxa de fidelidade a eles mesmos é alta", destaca texto publicado no site da entidade.
É tal a força da bancada que até mesmo um dos pontos-chave na negociação com os caminhoneiros para colocar fim à greve que parou o país em maio está prejudicado. A medida provisória que fixa preços mínimos para o frete pode acabar caducando ou até mesmo ser rejeitada por pressão da bancada ruralista. Parlamentares dessa frente já avisaram ao governo que não concordam com a medida, porque os novos valores colocaram os preços de fretes nas alturas e já prejudicam o escoamento da safra de grãos.
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