Além de negociar com o Congresso e a sociedade, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem de convencer integrantes do próprio governo da necessidade de sua agenda econômica liberal. Os núcleos militar e político têm se mostrado resistentes a alguns dos principais pontos defendidos pela equipe econômica, como uma reforma da Previdência mais dura, que corte privilégios, e uma ampla privatização.
O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, nega que existam duas agendas distintas: uma de Paulo Guedes e outra do governo Bolsonaro. “Não tem duas agendas, a agenda é única. Se for lá no plano de governo, lá está escrito que vai privatizar sim. Nós sabemos que o Brasil precisa desamarrar. Quanto mais o governo for grandão, pesado, mais o cidadão paga”, disse o ministro em entrevista ao programa Canal Livre, da Band, no último domingo (27), após ser questionado sobre o motivo de nenhuma privatização ser mencionada nas 35 metas para os 100 primeiros dias de governo.
Onyx nega divergências, mas alas do governo ‘batem cabeça’
Apesar de negar a existência de duas agendas, o primeiro mês de mandato mostra certa divergência entre o núcleo econômico e demais alas do governo. Um episódio que deixa isso claro foi o “bate-cabeça” sobre o Imposto sobre Movimentações Financeiras (IOF) e o Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas.
Bolsonaro chegou a afirmar que assinou um decreto aumentando o IOF para compensar subsídios fiscais dados às regiões Norte e Nordeste e que Guedes, para diminuir o impacto dessa alta, anunciaria uma redução no IR. A informação foi desmentida horas depois por Onyx, que afirmou que Bolsonaro cometeu um “equívoco” e que o governo não iria subir impostos, uma promessa de campanha. Já o IR não seria uma prioridade no momento e seria discutido depois.
LEIA TAMBÉM: A imersão de Paulo Guedes na política. Vai dar certo?
A situação foi interpretada como um embate entre Onyx, do núcleo político do governo, e de Guedes, da ala econômica. Os dois ministros, porém, negaram o desentendimento e, logo depois, fizeram questão de almoçar juntos no Palácio do Planalto e posar para uma foto lado a lado. Eles também alinharam o discurso sobre a reforma da Previdência.
Até então, Onyx vinha dando declarações sobre o tema que iam contra o que defende Guedes. O chefe da Casa Civil chegou a afirmar que o governo tinha quatro anos para aprovar a reforma e que um texto bom seria aquele que fosse possível de ser aprovado pelo Congresso. Normalmente, os parlamentares tendem a ceder a pressões de grupos organizados, como do funcionalismo e dos trabalhadores rurais.
Já a equipe econômica trata a reforma da Previdência como prioridade número 1 e defende um texto amplo, que corte privilégios. Depois do caso IOF e IR, Onyx alinhou o discurso com Guedes e passou a defender uma reforma ampla, incluindo a adoção de um sistema de capitalização para quem entra no mercado de trabalho.
Reforma da Previdência continua ponto de embate com militares
Mas a Previdência continua sendo ponto de embate com o núcleo militar do governo. A intenção da equipe de Guedes era incluir os militares na reforma, até por uma questão de exemplo. A ideia seria mostrar para a sociedade e o Congresso que todos os setores terão de fazer sacrifícios para salvar as contas públicas. A ala econômica entende que fatiar ou tirar os militares do texto pode enfraquecer as negociações.
Os militares do governo, contudo, apresentam uma posição diferente. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, afirmou durante o Fórum Econômico Mundial que a revisão da Previdência dos militares será feita em uma segunda etapa, e não junto com a proposta que será enviada ao Congresso. “(Isso) já está acertado há muito tempo”, declarou.
LEIA TAMBÉM: Quanto custa a generosa aposentadoria dos militares e todos os seus penduricalhos
Porém, ainda em Davos, na Suíça, Guedes rebateu a declaração de Augusto Heleno e afirmou que “seria estranho” deixar os militares de fora do texto que deve ser enviado ao Congresso, em fevereiro. “Os militares são patriotas, gostam dessa ideia de liderar pelo exemplo”, afirmou o ministro, dando a entender que a categoria deve ser incluída.
Além do general Heleno, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, já deu uma declaração dizendo que os militares ficarão de fora da reforma da Previdência. “Se o nome é reforma da Previdência, não estamos nela”, declarou no início de janeiro ao jornal Valor Econômico. Ele defendeu, ainda, uma revisão da Medida Provisória 2.215, de 2001, mas ainda vigente, que acabou com alguns benefícios da categoria, como auxílio-moradia.
Na visão dos militares, não faz sentido discutir a Previdência deles com a dos civis por causa das especificidades da carreira militar, que tem risco inerente e não conta com FGTS e pagamento de hora-extra, por exemplo. Eles dizem, ainda, que nem se pode falar em aposentadoria para militar, porque eles vão para a reserva e continuam à disposição do país, caso necessário.
Privatização também mostra o tamanho do desafio da equipe econômica
A pauta de privatizações também mostra o tamanho do desafio interno da equipe econômica. Das 138 estatais federais existentes, o ministro Paulo Guedes relatou, em Davos, que cerca de 50 deveriam ser privatizadas ou extintas. O mesmo número era citado por Bolsonaro durante o período de campanha.
Mas, neste primeiro mês, o governo acumula alguns importantes recuos. A EBC, o conglomerado estatal de mídia, e a EPL, conhecida como estatal do trem-bala, seriam fechadas, conforme prometeu Bolsonaro durante a campanha. Ambas, porém, serão mantidas, sendo que a EBC será “racionalizada”, segundo o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Santos Cruz.
ENTENDA: O que se sabe sobre privatizações e concessões no governo Bolsonaro
Outra estatal que não deve ser privatizada é os Correios. A informação foi dita pelo vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão. A EBC, a EPL e os Correios estão debaixo do guarda-chuva de ministérios comandados por generais ou ex-membros das Forças Armadas.
Já o processo de privatização da Eletrobras, um dos mais aguardados pelo mercado e que está parado no Congresso, será continuado, mas o ministro de Minas e Energia, o almirante Bento de Albuquerque Júnior, ainda não definiu o modelo. O processo também não está na lista de prioridade para os 100 dias.
Só quando Congresso começar a trabalhar vamos saber quem vai ‘vencer’
Na visão do cientista político e diretor de Relações Governamentais da Barral M. Jorge Consultoria, Juliano Griebeler, a gente só vai saber quem vai vencer essa disputa interna quando o Congresso começar a trabalhar. Antes disso, o governo não deve apresentar o texto da reforma da Previdência nem detalhar privatizações que dependem da aprovação dos parlamentares.
Griebeler também avalia que o bate-cabeça da equipe é normal e esperado diante de tantos núcleos com interesses distintos, em especial da equipe econômica, que é liberal, versus a ala militar, que historicamente tende a ser mais nacionalista.
LEIA TAMBÉM: Secretário de Previdência de Bolsonaro contratou na Câmara empresa investigada
“Como é um grupo que nunca ocupou essa posição de gestão no poder Executivo, eles ainda estão aprendendo. É normal que eles demorem para redefinir qual o papel de cada um. Porque até isso está sendo redefinido. Com essa mudança ministerial que tivemos, demora até cada um identificar qual papel tem agora.”
Ele acredita que uma reforma da Previdência abrangente e uma agenda de privatização ampla vão depender da “força que o presidente tiver junto à opinião pública para fazer com que os militares cedam nesses pontos”. Para o especialista, Bolsonaro, não necessariamente por vontade pessoal, mas muito por questão de imagem, estaria disposto a implantar a agenda de Paulo Guedes, caso tenha o aval da sociedade.
“Como ele optou por um sistema de governabilidade que não depende da troca de cargos para ter apoio de partidos, ele fica muito refém da opinião pública. Então, quanto mais apoio ele tiver da opinião pública, mais força ele tem para implantar uma reforma da Previdência abrangente e tocar a agenda de privatizações.”
A expectativa, diz Griebeler, é que “uma hora essa sintonia fina seja encontrada e que eles (integrantes do governo) tenha uma governabilidade com menos conflito e falha de comunicação”.