| Foto: Nelson Jr./ STF

A força-tarefa da Lava Jato abriu uma nova frente de batalha na guerra declarada que trava com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, um dos maiores críticos da operação que já mandou para cadeia políticos, doleiros e empresários.

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O Ministério Público Federal de Curitiba encaminhou à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, na quarta-feira (6), informações para subsidiar um eventual pedido de suspeição do ministro em julgamentos relacionados ao ex-diretor da Dersa de São Paulo, Paulo Vieira de Souza, o ‘Paulo Preto’. Os procuradores encontraram mensagens sobre uma suposta proteção de Gilmar Mendes a Vieira de Souza, acusado de ser operador de propinas do PSDB paulista.

A queda de braço entre a força-tarefa e o ministro do Supremo é antiga. Gilmar é alvo constante de críticas da Lava Jato por soltar investigados presos em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Sempre que pode, o ministro troca farpas com o MPF, alegando supostos abusos cometidos pelos procuradores. 

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O confronto reaqueceu com a deflagração da 60.ª fase da Lava Jato, que teve Paulo Preto como alvo e implicou o ex-senador tucano e ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira. Ao prender o ‘homem-bomba do PSDB’, a força-tarefa conseguiu (ou pelo menos achou ter conseguido) driblar Gilmar Mendes ao levar as investigações sobre o tucano para Curitiba. Nas vezes em que Paulo Preto foi preso pela Lava Jato de São Paulo, Gilmar sempre mandou soltar o operador.

Desta vez, segundo o coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, o ministro do Supremo não poderia interferir no caso. "Vejo tweets receando que o ministro Gilmar Mendes solte Paulo Preto mais uma vez em liminar. Isso é impossível debaixo da lei. O relator desse caso no Supremo não é ele e sim o ministro (Edson) Fachin", disse o procurador nas redes sociais. 

A juíza federal Gabriela Hardt, que autorizou a operação, também falou sobre Gilmar Mendes no mandado de prisão de Paulo Preto. Ela citou as duas vezes em que o operador foi solto por ordem do ministro e reforçou que o caso em Curitiba não é de relatoria dele. “O presente caso, respeitosamente, foge ao alcance das decisões do Eminente Ministro”, escreveu a magistrada.

Investigação da Receita Federal 

O episódio recente do vazamento de dados da Receita Federal também virou motivo para ataques de Gilmar Mendes contra a Lava Jato. O ministro foi uma das autoridades que apareceu na lista de investigados do Fisco e pediu esclarecimentos sobre o vazamento. A Receita, por sua vez, negou que tenha encontrado irregularidades relacionadas a Gilmar e o ministro da Justiça, Sergio Moro, determinou que a Polícia Federal investigue o vazamento

Sobre o caso, Deltan foi às redes sociais para defender os auditores fiscais da ofensiva de Gilmar. “Pode o investigado determinar investigação dos investigadores? Era essa inversão de papéis que o projeto de abuso de autoridade proposto contra a Lava Jato fazia, defendido adivinhem por quem… MP e Executivo devem garantir independência da atuação dos auditores, contra quem for”, escreveu o coordenador da Lava Jato. 

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Em entrevista à revista Época, Gilmar Mendes não poupou críticas à Lava Jato – tanto em Curitiba quando no Rio de Janeiro. O ministro disse que auditores do Fisco estavam fazendo “pistolagem” para outras instituições. Segundo o ministro, as investigações contra ele pela Receita Federal havia sido um pedido da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro. Gilmar já mandou soltar cerca de 40 investigados pela operação no Rio de Janeiro, seja de ofício ou por decisões suas confirmadas pela Segunda Turma do STF. 

“Coisa como isso aqui, para começar a venda de informações, para virar uma milícia, é um passo. Tenho certeza de que já há muitos empresários sendo achacados por fiscais que tocam investigações, que não se sabe por que nem para quê”, disse o ministro do STF sobre o episódio da Receita. 

Em resposta, a força-tarefa do Rio de Janeiro disse que as afirmações de Gilmar “são devaneios sem qualquer compromisso com a verdade”. “A afirmação em público de que a Receita Federal presta serviços de “pistolagem” por encomenda de procuradores e juízes demonstra que Sua Excelência continua a ofender gratuitamente a honra de magistrados e servidores porque acredita estar acima do bem e do mal, comportamento que numa República amadurecida não deve ter espaço”, disseram os procuradores fluminenses. 

Gilmar Mendes também disse à revista que Deltan Dallagnol estaria “acuando” a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e afirmou que um ministro do STF é alvo de chantagem. “A toda hora plantavam e plantaram que esse ministro estava delatado. Qual a intenção? Isso é uma forma de atemorizar, porque essa gente perdeu o limite. Este ministro ficou refém deles”, disse. 

Críticas e trocas de farpas 

Gilmar Mendes é uma das vozes mais ativas contra a operação Lava Jato. No julgamento de um habeas corpus do ex-ministro Antonio Palocci, no ano passado, Gilmar disse que há corrupção no Ministério Público Federal. Gilmar também disse que o “populismo constitucional” e o “autismo institucional” adotado pelo STF podem permitir a criação da “Constituição de Curitiba” e levar o tribunal a ser “cúmplice de grandes patifarias que estão a ocorrer.” 

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A força-tarefa da Lava Jato reagiu. Em nota, os procuradores afirmaram que “a fala do ministro Gilmar Mendes desbordou o equilíbrio e a responsabilidade exigidos pelo seu cargo”. 

O ministro também já criticou a “canonização” da operação. “Em um momento houve a canonização da Lava Jato. Então, qualquer decisão contra a ação do (juiz Sergio) Moro era considerada antirrepublicana, antipatriótica ou ‘antiqualquercoisa’, o que é uma bobagem”, disse o ministro no ano passado, em um evento em Londres. 

“A Lava Jato começou a pensar que era uma entidade, quis legislar, mudar habeas corpus e outras coisas. Depois se viu que eles eram suscetíveis a problemas sérios e que a corrupção estava ali perto, como o caso Miller”, lembrou Mendes. O ex-procurador Marcello Miller foi acusado de fazer “jogo duplo” ao negociar o acordo de delação premiada da JBS. 

Em outra entrevista, desta vez ao SBT, também no ano passado, o ministro criticou o caráter “fascistóide” da operação. “Há uma prática fascistóide quando eles não podem mais ser questionados. Ela tem méritos inegáveis, assim como outras operações. Mas todos nós estamos sujeitos a críticas”, disse. 

Em 2016, Gilmar sugeriu que o ministro Luiz Fux “deveria fechar o Congresso de uma vez e dar a chave ao procurador Deltan Dallagnol”. Gilmar criticava uma decisão de Fux, depois de pressão da Lava Jato, que determinou que a Câmara votasse novamente as 10 Medidas Contra a Corrupção, projeto que havia sido desfigurado na primeira votação na Casa. Dallagnol liderou a coleta de assinaturas para que o projeto fosse apresentado ao Congresso. 

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O ministro já havia dito que algumas das medidas propostas no projeto eram “coisas de cretinos”. “É aquela coisa de delírio. Veja as dez propostas que apresentaram. Uma delas diz que prova ilícita feita de boa fé deve ser validada. Quem faz uma proposta dessa não conhece nada de sistema, é um cretino absoluto. Cretino absoluto! Imagina que amanhã eu posso justificar a tortura porque eu fiz de boa fé”, disse o ministro.

Críticas do lado de lá

A Lava Jato, por sua vez, também tece diversas críticas ao ministro desde que os primeiros casos chegaram ao STF. A maior parte das críticas parte do coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol. 

Deltan reclamou de decisões do ministro que colocaram em liberdade o ex-governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), o empresário do setor de ônibus do Rio de Janeiro Jacob Barata Filho, entre outros investigados. O procurador também criticou a decisão de Gilmar de barrar a transferência do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, para um presídio de segurança máxima. 

Em outubro do ano passado, depois que Gilmar mandou soltar presos da Operação Integração 2, o MPF divulgou uma nota criticando o ministro, na qual sustenta “a necessidade de a sociedade discutir com seriedade os excessos praticados pelo ministro Gilmar Mendes”.

Gilmar já foi alvo de um pedido de suspeição feito pela força-tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro, em 2017, por causa de uma suposta ligação de Gilmar com Jacob Barata – o ministro e sua esposa, Guiomar Mendes, foram padrinhos de casamento da filha do empresário. Na época, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou à solicitação à presidência do STF, mas o caso nunca foi adiante.

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