O Conselho de Ética da Câmara, que ganhou fama por ter julgado pelo menos 80 casos de corrupção nos episódios do mensalão, em 2005, e dos sanguessugas – esquema de desvio de dinheiro de compra de ambulâncias –, em 2006, hoje mais parece porta de delegacia, ou tribunal de pequenas causas. O conselho, nos últimos três anos, tem se dedicado a julgar casos de cusparadas, tapas, xingamentos e até empurrões entre deputados.
Os 57 deputados citados e investigados na Lava Jato, enquanto isso, passam ao largo do conselho. Exceto Eduardo Cunha (PMDB-RJ), nenhum deles foi alvo de representação nesse colegiado. O ex-presidente da Câmara, aliás, foi o último parlamentar a ter mandato cassado pelo conselho, em junho de 2016, e o único nesta legislatura. Enroscado na Lava Jato, ele está preso hoje no Paraná.
A culpa nem é do conselho, que só atua se for provocado por partidos políticos ou pela Mesa da Câmara. As últimas 14 representações nesse órgão não guardam qualquer relação com corrupção. Nesses últimos meses o conselho julgou cusparada de Jean Wyllys (PSOL-RJ) em Jair Bolsonaro (PSC-RJ), em 2016; palavrões de Laerte Bessa (PR-DF), que xingou o governador Rodrigo Rollemberg (PSB), do DF, de vagabundo, maconheiro, bandido e bundão, em 2016; empurrão de Roberto Freire (PPS-SP) em Jandira Feghali (PCdoB-RJ), em 2015; exaltação a torturador, caso da homenagem de Bolsonaro ao ex-diretor do DOI-Codi paulista Brilhante Ustra, em 2016; ofensas de Wladimir Costa (SD-PA), que comparou o PT ao Comando Vermelho, em 2016; e até acusações de edição de vídeos para comprometer os colegas.
São casos que não deram em nada. Quase todos foram arquivados por seus colegas no conselho.
Um dos poucos que gerou alguma punição atingiu Jean Wyllys, no caso do cuspe disparado contra Bolsonaro, após provocação do deputado-militar na sessão que cassou o mandato de Dilma Rousseff. O relator Ricardo Izar (PP-SP) entendeu que o comportamento de Wyllys foi "descortês e impolido" e uma tentativa de “humilhar” Bolsonaro e, primeiro, pediu suspensão de quatro meses de seu mandato. Depois, recuou para um mês. Foi derrotado e a suspensão foi substituída por uma censura escrita.
Eduardo Bolsonaro (PSC-RJ), filho de Bolsonaro, cuspiu depois em Wyllys. O relator João Marcelo (PMDB-MA), porém, entendeu que o filho apenas revidou em defesa do pai e, por isso, não incorreu em quebra de decoro. Pediu o arquivamento do caso Bolsonaro filho, mas ainda será apreciado pelo conselho. “Trata-se de uma clara retorsão imediata, em que o representado devolveu a ofensa dirigida a seu pai”, concluiu o relator.
O deputado Bessa, que xingou o governador de muitos palavrões, também se livrou. O relator, Carlos Marun (PMDB-MS), argumentou que os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por suas palavras, discursos e votos. Bessa, em outra representação, chamou Dilma Rousseff de “vagabunda”, caso também arquivado.
Experiente integrante do Conselho de Ética, e ex-relator do caso Cunha, Marcos Rogério (DEM-RO) disse ser lamentável que “questões menores” tenham tomado conta do conselho.
“Conflitos pessoais entre os deputados estão indo parar no conselho e não deveriam. São casos de menor potencial ofensivo e que só afeta aos dois, às partes. Não interessam à sociedade briga entre deputados”, disse Rogério.
Chico Alencar (PSOL-RJ) foi na mesma linha. Integrante de um partido que está acostumado a representar no conselho contra deputados citados em corrupção, disse que há um desestímulo para levar adiante esses casos.
“O Conselho de Ética se transformou numa delegacia de costumes, que são esses casos que envolvem um parlamentar contra o outro. Enquanto isso, casos que agridem a ética de forma mais substantiva, como os que envolvem a Lava Jato, que são tão numerosos que o conselho nem daria conta. E isso desestimula os partidos a apresentá-los lá”, disse Alencar.