• Carregando...
 | André Rodrigues/Gazeta do Povo
| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

A Receita Federal estuda formas de ampliar a arrecadação com o consumo de energia elétrica. Documento de um órgão interno do Fisco avalia que uma grande fatia da conta de luz paga pelos consumidores (a parte que é recolhida de todos para pagar encargos do setor e que neste ano vai somar R$ 13,9 bilhões) deve passar a ser tributada com Imposto de Renda, Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), PIS/Pasep e Cofins. 

A Coordenação Geral de Tributação, em resposta a questionamento da Coordenação Especial de Maiores Contribuintes (COMA), ambas da Receita, concluiu que as distribuidoras de energia elétrica devem recolher esses tributos sobre o valor da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Os autores do documento avaliam que esses encargos devem compor a base de cálculo para tributação das distribuidoras, o que, em tese, elevaria o valor que elas cobram dos consumidores. 

Procurada pela Gazeta do Povo para explicar se o aumento está em estudo, a Receita respondeu que não iria se manifestar.

A CDE recebe pagamentos de todos os consumidores para arcar com cotas (a depender da quantidade de consumidores de cada distribuidora) de um conjunto de despesas do setor elétrico, que inclui a universalização do acesso à energia por meio do programa Luz para Todos; os descontos da tarifa social de baixa renda; os subsídios para produção de energia termelétrica nos sistemas isolados; indenizações de concessões e subsídios. 

Na Solução de Consulta Interna nº 4, com data de março deste ano, os auditores da Receita concluem que “os valores recebidos em virtude dos encargos integrados às tarifas de energia integram o faturamento e, sendo assim, compõem a receita bruta das distribuidoras”, e por isso devem ser incluídas na base de cálculo da tributação do PIS e Cofins. 

“O montante arrecadado pelas distribuidoras referente aos encargos setoriais integra a base de cálculo da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, uma vez que a exclusão desses valores corresponderia a tributar o lucro da empresa e não a sua receita bruta”, afirma o documento. “A natureza de receita das subvenções correntes para custeio ou operação é inegável, não pairam dúvidas acerca da incidência da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre os valores recebidos pelas distribuidoras, por meio da CDE e da Conta-ACR”, prosseguem. 

Em seguida, os auditores avaliam que também é cabível que esses encargos (que a Receita considera serem “subvenções”) recebidos pelas distribuidoras de energia elétrica devem integrar a base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica e da CSLL.

Parecer sobre aplicabilidade

As soluções de consulta não têm efeito imediato, devendo ser transformadas, por exemplo, em lei para que possam valer. Porém, elas podem ser utilizadas para compor processos e reforçar argumento por maior tributação. Segundo o tributarista e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) Gilberto Amaral, as respostas das consultas feitas à Receita representam um parecer, uma visão da Receita, sobre a aplicabilidade ou não de um tributo. 

Amaral avalia que a princípio o entendimento da Receita parece incorreto, pois as distribuidoras não ficam com os recursos da CDE para usarem como bem compreenderem, devendo obedecer a comandos legais sobre o uso dos valores recolhidos na conta de luz. 

“Parece-me incorreto. A distribuidora não tem o dinheiro disponível para ela e ele não compõe sua receita ou faturamento. Um encargo não é uma receita da empresa”, afirmou Amaral, que também afirma que o IR e CSLL só podem incidir sobre lucros, o que não é o caso.

Em seu site, a Receita afirma que as Soluções de Consulta Cosit têm efeito vinculante no âmbito da Receita e “respaldam o sujeito passivo que as aplicar (mesmo que não seja o consulente), desde que se enquadre na hipótese por elas abrangida, sem prejuízo de que a autoridade fiscal, em procedimento de fiscalização, verifique seu efetivo enquadramento”. 

Críticas

O presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite, criticou a possibilidade de inclusão de novos tributos sobre os encargos. Ele afirmou que já há casos de tributação similar em alguns estados, com o ICMS, incidentes sobre os benefícios sociais concedidos na conta de luz, caso da Tarifa Social. 

“Nós achamos absurdo, pois é um tributo em cima de um benefício social. Se for assim, teremos que cobrar imposto do Bolsa Família. Esse caso é um caso similar”, afirmou o especialista, que destacou que há ainda o risco de que, com novas tributações, a Receita incorra em bitributação, o que é ilegal. 

“Imposto de Renda (sobre a CDE) não tem sentido, pois não temos lucro com isso. É fora de cogitação. Já o PIS/Cofins também não faz sentido pois já é tributado quando a distribuidora cobra na tarifa. Se ele já é cobrado na tarifa, não faz sentido cobrar de novo”, afirmou. 

A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) avaliou que é preciso se aprofundar na análise da Receita, mas que se a tributação for realmente imposta será necessário realizar uma revisão tarifária extraordinária das distribuidoras, ou seja, um aumento extra da conta de luz. Isso porque os contratos de concessão preveem neutralidade para a distribuidora. Se são modificados os tributos, isso é repassado aos consumidores, afirmou a Abrace, que também considera que a medida pode incorrer em bitributação, o que é ilegal.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]