Dois anos após uma crise energética causada pela seca, o Brasil vê a mesma história se repetir. A falta de chuva esvaziou os reservatórios, as usinas termelétricas foram acionadas e o preço da energia está subindo. E tudo isso apesar de uma recessão que já dura três anos e manteve o consumo estagnado.
A culpa não é só do clima. Modificar, ainda que em parte, a matriz energética do país exige planejamento – e isso ainda não foi feito. Por isso, essa dependência da aleatoriedade do clima não será resolvida a curto prazo.
Infográfico: Entenda a situação dos reservatórios do país
A partir de abril, a conta de luz do brasileiro fica mais cara com a volta da cobrança da bandeira vermelha, no patamar 1. A tendência é de que o custo extra dure pelo menos até novembro, quando se encerra o período seco. Até lá, há chances de um novo aumento, para o nível 2 da bandeira. No mercado livre, restrito a grandes consumidores de energia, os preços já aumentaram e devem permanecer elevados até o próximo ano.
A alta nos preços é reflexo de um período muito ruim para o setor elétrico, com chuvas aquém do esperado, e de um cenário que indica um novo período crítico. A previsão é de um outono “livre” dos fenômenos La Niña e El Niño, que até pode voltar no segundo semestre, com indicativo de que chova menos que o normal na maior parte do Brasil.
“A bandeira é um mecanismo rudimentar, mas você está sinalizando ao consumidor que a situação está difícil e é preciso reduzir o consumo”, pondera Renato Mendes, consultor Sênior da Thymos Energia. No mercado livre, as empresas que fecharam contratos para o segundo semestre em diante já enfrentam a alta nos preços – de janeiro até abril, o preço médio para quem precisa de energia no curto prazo triplicou.
Paulo Cunha, consultor da FGV Energia, lembra que a estrutura da nossa matriz energética, baseada em fontes renováveis, exige uma complementação. E o alto custo é resposta ao modelo térmico adotado nos últimos leilões de energia. A médio prazo, a solução é baratear o custo de operação das termelétricas.
Uma opção é o uso do gás natural, como substituto de óleo combustível, carvão ou diesel. “Nosso parque térmico é capaz de atender às necessidades, sem desabastecimento, mas a um custo muito alto. É necessário que a gente consiga fazer a convergência entre as indústrias do gás e energia, para baratear as fontes térmicas, que sempre vão ser necessárias”, pondera Cunha. Para ele, a forma mais óbvia para baixar o custo com a tecnologia disponível é investir no gás.
Mendes concorda. Para ele, o próximo plano nacional de energia deve ser focado em alternativas que fornecessem energia de base, mas otimizassem os recursos que já existem – reservatórios de hidrelétricas e as termelétricas –, além de estudos para fomentar o mercado de gás. E isso tudo é necessário para corrigir falhas de planejamento. Até lá, o jeito é torcer para um 2018 de mais chuvas.
Estagnação e consumo
A economia estagnada provocou uma redução no consumo que acabou sendo providencial, já que a relação entre oferta e demanda de energia está apertada e já provoca uma alta nos preços neste 2017. O consumo está “baixo” e depreciado em relação ao que seria se não fosse a crise. O consumo no Sistema Interligado Nacional (SIN) fechou 2016 com decréscimo de 0,8% em relação a 2015. Com a retomada da economia, a expectativa é de crescimento de 2,1% em 2017.
Sem alívio: reservatórios já estão mais vazios. A situação ainda pode piorar
Ficar na dependência de São Pedro tem sido a tônica do setor de energia brasileiro dos últimos anos. A região Nordeste, por exemplo, tem capacidade para produzir até 18% da energia do país, mas enfrenta um cenário de seca extrema há cinco anos e que não dá sinais de arrefecer esse ano. O alívio para a região pode vir no segundo semestre, com a produção de energia eólica.
E não é só: os reservatórios de todas as regiões do Brasil estão mais esvaziados nesse ano. Se o verão já não teve chuva suficiente, as estações mais frias não devem amenizar o problema. “O Sul pode ser um fator de volatilidade. Caso haja uma boa quantidade de chuva, os reservatórios da região são de rápido enchimento”, pondera Renato Mendes, consultor sênior da Thymos Energia. O problema é que a capacidade de armazenamento da região é pequena: 7% do total nacional.
A previsão é que o nível dos reservatórios das regiões Sudeste/Centro-Oeste, responsáveis por cerca de 70% do armazenamento no país, passe dos atuais 41% para cerca de 20% em novembro, quando acaba o chamado período seco (com poucas chuvas). O patamar será menor que o de 2001, ano de racionamento de energia, quando estava em 37%.
Apesar da situação preocupante, o Operador Nacional do Sistema Elétrico descarta qualquer risco de racionamento. O problema é o custo –e se acostumar com a conta de energia mais cara daqui para frente. (FT, com Agência O Globo)
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