Se neste ano os reajustes da conta de luz ficaram acima da inflação, com acionamento frequente da bandeira vermelha devido a chuvas abaixo da média, para o ano que vem o consumidor não deve esperar por um refresco. A tendência é de alta da conta de luz, com o repasse de até R$ 6 bilhões que não foram cobertas pela bandeira tarifária e o pagamento de despesas bilionárias que foram contratadas no passado. Sem falar em outras “surpresas” que podem surgir com a abertura das contas da Eletrobras durante o processo de privatização e a reforma do setor elétrico.
A arrecadação das bandeiras em 2017 não foi suficiente para cobrir os impactos da seca que obriga as distribuidoras a comprar energia cara, gerada pelas usinas térmicas. A bandeira é uma espécie de antecipação do reajuste tarifário anual para evitar que o consumidor seja surpreendido no ano seguinte com um aumento muito maior. Mesmo assim, a previsão feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para cobrir o custo da geração térmica foi insuficiente e em 2018 esse custo será repassado nas tarifas.
Em nove dos últimos 12 meses, o custo da geração térmica superou as receitas com as bandeiras pagas pelo consumidor. Essa conta deve deixar um saldo de R$ 4,2 bilhões a ser pago pelo consumidor nos reajustes do ano que vem, além do aumento já esperado das contas de luz, segundo a Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). Em alguns meses, a arrecadação foi até quatro vezes menor que o necessário.
Esse descasamento entre o que os consumidores pagaram e a necessidade da distribuidora ensejou mudança no método de cálculo da bandeira aprovado em outubro e que promete corrigir o problema a partir de agora. A bandeira vermelha 2, a mais alta, passou de R$ 3,50 para R$ 5,00 a cada 100 kWh consumidos. Também foi aprovada uma mudança no cálculo de acionamento das bandeiras, para considerar o risco de faltar água nos reservatórios no momento de acionamento da tarifa extra amarela e vermelha, e deve trazer maior previsibilidade para a conta em 2019.
“O setor usa dados do passado [sobre o clima] e nem sempre eles se repetem no futuro. Estamos vendo eventos extremos. Com isso, ou o preço da energia desaba ou fica muito caro. Dá para perceber que existe uma distorção. E quando você olha isso dentro de um mês fica mais evidente e faz uma mudança grande no preço”, avalia Cristopher Vlavianos, presidente da comercializadora de energia Comerc.
Até médio prazo, a tarifa elétrica tem uma tendência de maiores reajustes, avalia Fernando Umbria, diretor de Operações da Electra Energy. “De 2012 para cá estamos na média ou abaixo da média de chuvas, e um uso cada vez maior dos reservatórios das hidrelétricas. Isso faz com que tenhamos de operar usinas térmicas sempre que se entra nesses períodos de estresse. O custo das distribuidoras aumenta muito e às vezes esse número acaba ficando muito elevado. Há uma chance de que esse número seja bem importante para as distribuidoras. É um problema de caixa, não econômico. No ano que vem elas serão compensadas. Mas até lá ficam com essa dificuldade”, avalia Umbria.
“Há uma certa insatisfação com os modelos. Eles trazem resultados imprevisíveis. Mas temos um sistema que é naturalmente imprevisível, pois depende de chuva. Podemos melhorar muito os modelos. Acho que isso está sendo feito, mas sempre teremos um grau razoável de incerteza”, afirmou Umbria.
Em outubro, a energia foi o vilão da inflação, com aumento médio de 3,28% na energia elétrica. A inflação subiu de 0,16% em setembro para 0,42% em outubro, segundo o IBGE. Mesmo assim, o total da inflação está acumulado em 2,21% no ano, a menor registrada para este período do ano desde 1998. Nos últimos 12 meses, o índice acumula alta de 2,70%.
Outras surpresas que podem entrar na conta no ano que vem
Com a reforma do setor elétrico e a possível privatização da Eletrobras, podem cair no colo do consumidor outras despesas e aumentos que ainda não estão contabilizados. Uma delas é a restauração do preço de mercado da energia, reduzido artificialmente no governo Dilma Rousseff, que abaixou e fixou o preço da energia de 14 hidrelétricas antigas, produzindo discrepâncias no mercado.
Representantes da Aneel afirmam que esse impacto na conta pode variar entre 2,3% e 16,7%, a depender da velocidade da mudança e do preço da energia no mercado na ocasião. Já o Ministério de Minas e Energia estima que esse impacto será de no máximo 7%, no pior cenário, mas reforça que mesmo esse aumento será compensado por outros pontos da reforma.
A reforma do setor elétrico deve permitir que os operadores de usinas hidrelétricas que estão enquadradas nesse caso paguem ao governo um bônus em dinheiro para terem direito de voltar a comercializar essa energia pelos preços de mercado. Isso pode implicar em um aumento da energia em momentos de maior demanda. Enquanto a energia em cota hoje custa R$ 60 o MWhora, a energia vendida às distribuidoras não é menor do que R$ 150 o MWhora.
"A proposta do governo para a reforma do setor elétrico exige dos consumidores de energia muita atenção e desperta preocupação. O cenário desfavorável das usinas hidrelétricas ainda será o grande motivador do aumento nos custos de energia para o consumidor no próximo ano, pois a geração hidrelétrica ainda é a principal fonte de energia no país”, avalia Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace).
O governo sustenta que o possível aumento da tarifa de luz com a mudança da regra de venda da energia de hidrelétricas antigas será compensado. Pela proposta de reforma apresentada pelo Ministério de Minas e Energia, o valor que seria pago como bônus pelos donos da usina como prêmio pela liberdade de vender sua energia a preço de mercado será parcialmente devolvido aos consumidores, para abater da conta de luz.
Outro ponto positivo do processo é a redução do risco de faltar água, que também tem um peso na conta de luz. Com a energia em cotas, todo esse risco fica com o consumidor, que paga mais caro se as chuvas se reduzem. Com a reforma, parte do risco é distribuída entre todos os consumidores, não apenas o que recebe aquelas cotas. O Ministério exemplifica que esse custo do risco pago pelos consumidores já tem tornado nula a economia com as cotas.
“Entre janeiro e setembro de 2017, por exemplo, ao se considerar a despesa com a geração complementar, o custo real das cotas passa de aproximadamente R$ 68/MWh para R$136/MWh. Em agosto, o consumidor pagou R$ 234/MWh pela energia em cota, que, originalmente, foi concebida para trazer redução das tarifas de energia elétrica”, afirma o MME, em nota enviada à Eletrobras.
A mudança das cotas ainda depende de aval do Congresso e será uma batalha para o governo, o que pode até mesmo fazer com que o processo não ocorra, o que dificultaria a privatização da Eletrobras.
Esqueletos no armário e pagamentos pela ineficiência
Mas há ainda outras contas que já foram contratadas em nome do consumidor de energia no passado e ainda precisam ser pagas, algumas delas com vencimentos até 2026. Neste ano, foi iniciado o pagamento pelos consumidores de R$ 62 bilhões de indenizações das transmissoras de energia a serem pagas entre 2017 e 2025. Também estão sendo pagas anualmente parcelas finais de empréstimos contratados pelas distribuidoras em 2014, da ordem de R$ 21,5 bilhões (cerca de R$ 30 bilhões considerando os juros), que será pago até 2019.
Cálculos da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace) ainda incluem nessas contas o pagamento rateado entre os consumidores para arcar com o combustível das geradoras térmicas nos estados da região Norte, que não estão interligados ao sistema nacional de eletricidade, e incluem ineficiência na operação e até furtos de combustível.
A estimativa é que a diferença que seria agregada a mais na CCC é de R$ 500 milhões, calcula Fernando Umbria. “É o pagamento da ineficiência. É o preço da má gestão das empresas”, diz. “É ruim que isso tenha sido aprovado e colocado na conta do consumidor de energia. Teria de ser o contribuinte. Mas de uma forma ou de outra acaba caindo no colo do contribuinte”, afirma.
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