Em julho do ano passado, os Correios foram eleitos pela 15ª vez consecutiva a instituição mais confiável do Brasil em pesquisa realizada pela revista Seleções. A estatal ficou ao lado das Forças Armadas, com 67% dos 2.069 votos coletados pela publicação. Dois meses depois, em setembro, os Correios arrebataram o prêmio “100 Melhores Empresas em Satisfação do Cliente de 2017” na categoria “Entregas”, concedido pelo Instituto MESC.
As premiações, no entanto, estão longe de espelhar o momento atual da estatal, que já foi exemplo de eficiência no país. Com prejuízos acumulados de cerca de R$ 6 bilhões nos últimos três anos, redução de 13,6% do quadro de funcionários desde 2013 e greves seguidas, os Correios enfrentam uma explosão de reclamações de clientes por falhas nos serviços de entregas, além de uma nova paralisação dos funcionários, prevista para começar às 22 horas desta segunda-feira. À esse quadro conturbado soma-se uma queda de braço na Justiça com sites de e-commerce, que contestam o reajuste nas tarifas de entrega de produtos por parte da estatal.
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Os órgãos estaduais de defesa do consumidor e a internet servem de termômetros da insatisfação dos consumidores com os serviços dos Correios. O site Reclame Aqui, por exemplo, registrou um aumento de 28% nas reclamações contra a estatal no ano passado, em comparação com 2016. Foram 37 mil queixas sobre atraso nas entregas. De janeiro de 2016 a janeiro de 2018, foram 82 mil. “A quantidade de vendas é superior à capacidade de entrega da empresa”, avalia Diego Campos, diretor de operações do Reclame Aqui.
Consumidores prejudicados com os atrasos e falhas dos Correios recorrem às redes sociais e até a ações judiciais para pressionar a estatal. Dezenas de páginas no Facebook, como “Eu odeio os Correios”, “Correios - A Minha Encomenda Sumiu”, “Manifesto Correios (chega de atrasos)” e “Correios – Reclamações e Dasabafos”, reúnem clientes que estão insatisfeitos de alguma forma. Novas contas e hashtags no Twitter surgem todos os dias, como @correiosfail, #serviçoruim e #PapaiNoelDosCorreios. Há também canais no Youtube e espaços em outras redes sociais, todos criados para criticar as falhas nos serviços da estatal.
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Grande parte das contestações nos Procons de todo o país se refere a atrasos de meses na entrega de produtos adquiridos pela internet, além de casos de mercadorias que foram enviadas do exterior para o Brasil e nunca chegaram ao destinatário. “A consumidora realizou a compra de vários artigos junto ao fornecedor AliExpress. Ocorre que os artigos não foram entregues pelo Correios até o presente momento e estes já se encontram em Curitiba desde o mês de novembro”, diz uma cliente da ECT em reclamação do último dia 2 de março no Procon em Curitiba. O órgão publica em seu site todas as queixas, mas não expõe os nomes dos reclamantes.
E-commerce reclama
Na última terça-feira (6), entrou em vigor um reajuste sobre as taxas cobradas pelos Correios para realizar entregas. A média de aumento foi de 8% mas, segundo as empresas de e-commerce, em alguns casos o acréscimo pode chegar a 51%. Os menores percentuais dizem respeito a capitais e a entregas feitas em âmbito local ou estadual.
As reações das empresas de comércio pela internet apareceram em duas frentes. No âmbito judicial, o Mercado Livre conseguiu, na segunda-feira (5), uma liminar que suspende o reajuste para itens comprados pelo site. Pela decisão, os Correios também não podem cobrar a taxa emergencial de R$ 3 instituída para as mercadorias que têm como destino o Rio de Janeiro. A estatal recorreu para suspender a liminar.
Para Leandro Soares, diretor de Mercado Envios para a América Latina do Mercado Livre, o aumento pode ser considerado antidemocrático na medida em que penaliza os clientes que estão afastados dos grandes centros. “Como foi apresentado, o reajuste prejudica justamente as pessoas que mais precisam de serviços de e-commerce, por estarem em lugares onde nem todos os produtos são acessíveis. Não achamos que é injusto corrigir os preços, mas os valores estão abusivos”, afirma.
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Outra estratégia da lojas de e-commerce para forçar os Correios a reverem o aumento foi começar uma campanha contra o reajuste. Para mobilizar os clientes, o Mercado Livre e a Netshoes lançaram a hashtag #FreteAbusivoNao, convidando os clientes a postarem sobre o assunto nas redes sociais e escreverem o slogan nas encomendas.
De acordo com Graciela Kumruian, COO da Netshoes, mesmo que o reajuste seja mantido, a intenção é garantir que clientes de todas as regiões possam continuar fazendo negócios por meio do e-commerce. “A ideia é mitigar ao máximo o impacto ao consumidor, mas, caso a decisão seja mantida pelos Correios, será inevitável repassar pelo menos parte disso ao cliente”, afirma.
Apesar dos Correios monopolizarem o mercado somente na entrega de cartas, telegramas e malotes, outros serviços também acabam somente nas mãos da estatal. A COO da Netshoes explica que, mesmo com o estabelecimento de parcerias com mais de 15 empresas no setor de logística, algumas localidades são atendidas somente pelos Correios.
Sucateamento e greves
A Federação Nacional dos Trabalhadores nos Correios (Fentect) e o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Comunicações Postais, Telegráficas e Similares do Paraná (Sinticom) acusam o governo pelos atrasos. “Os atuais, recorrentes e crescentes problemas nas entregas de cartas e encomendas são propositais para manipular a opinião pública contra os Correios, reforçando o apoio a favor da privatização, já em andamento”, diz a direção do Sinticom.
“Falam em reestruturação, mas o que estamos vendo é o sucateamento da empresa e a consequente precarização dos serviços. Não é segredo que o Ministério das Comunicações quer privatizar os Correios e, por isso, não faz mais investimentos”, afirma Suzy da Costa, diretora de imprensa e comunicação da Fentect, ao acrescentar que o número de funcionários caiu de cerca de 130 mil para pouco mais de 108 mil.
A Federação também acusa o governo de interferir, por motivos políticos, na rotina da estatal. “Há trocas constantes de dirigentes. Funcionários de carreira em cargos de direção foram substituídos por novos, sem nenhuma experiência”, critica a diretora.
Além disso, o Sinticom diz que há uma revolta de parte da população com os carteiros. “As pessoas não entendem que os funcionários estão trabalhando no limite, que houve uma redução de mais 20 mil funcionários e os serviços aumentaram”, diz a direção do sindicato.
A categoria realizou duas greves em 2017 por direitos trabalhistas e aprovou, no início deste mês, uma nova paralisação. Prevista para começar nesta segunda-feira (12), a greve pode agravar ainda mais a situação das entregas de encomendas e correspondências. O principal motivo da mobilização é a proposta da empresa de mudança no plano de saúde dos funcionários, que prevê a retirada de pais e mães como beneficiários.
Justificativa
Em nota, a direção nacional dos Correios explica que a empresa registrou expressivo aumento no volume de objetos internacionais nos últimos meses, o que acabou ocasionando acúmulos pontuais de carga e impacto nas entregas. “A empresa está atuando para normalizar as operações o mais breve possível”, diz.
Apesar de admitir acúmulos de carga, a estatal afirma que a entrega de correspondências e encomendas está regular em todo o país. “Situações pontuais podem ocorrer e de imediato são adotadas soluções para cada caso. A entrega de encomendas continua sendo diária, ainda que tenha ocorrido aumento no volume de objetos nos últimos meses”, ressalta.
Em resposta às afirmações das entidades sindicais, a direção dos Correios diz que trabalha para recuperar e fortalecer empresa. “Estão sendo adotadas medidas que visam a sustentabilidade da estatal. O equilíbrio financeiro está sendo buscado por meio de ações como a otimização da gestão, o controle de despesas, a revisão de contratos, a adoção de uma nova política comercial, que permite maior participação dos Correios no segmento de encomendas, e a redução de custos com pessoal e encargos sociais”, afirma, em nota, sem tocar na questão da privatização.
Com relação ao corte de funcionários, os Correios negam que houve uma demissão em massa. “A empresa abriu um Programa de Demissão Incentivada (PDI), ao qual os empregados elegíveis aderiram espontaneamente. O público alvo do último PDI foram os empregados da área administrativa”, diz.
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