O governo Michel Temer anunciou que faria dezenas de concessões e privatizações, mas poucos projetos saíram do papel até agora. A incerteza política e crise econômica, ainda em curso no país, têm levado os investidores a ver com maior risco a aplicação de dinheiro em obras, concessões e ações de empresas endividadas no Brasil. Para fazer negócio, só baixando o preço.
O processo de privatização da Lotex, as “raspadinhas” da Caixa Econômica Federal, sinaliza essa visão do investidor de que os riscos estão muito altos e, portanto, exigem contrapartidas menores. No lançamento do Programa de Parcerias em Investimentos (PPI), o bônus de outorga (pagamento que deve ser feito ao governo no ato de assinatura do contrato de concessão) era previsto em R$ 900 milhões. Após sinalização dos investidores de que o valor estava muito alto, o governo decidiu reformular a proposta e cortou a outorga pela metade, reduzindo o prazo de concessão de 25 para 15 anos. “Falamos para o governo que estava caro”, afirmou um representante de investidores internacionais desse setor à Gazeta do Povo.
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Mesmo com a alteração, o governo ainda não conseguiu realizar o leilão, que já mudou de data algumas vezes. O Tribunal de Contas da União (TCU) somente aprovou o primeiro estágio do processo em 21 de março e, agora, o leilão está previsto para 14 de junho.
De 48 projetos listados no PPI, do governo federal, apenas nove já tiveram edital publicado. Outros 25 projetos ainda aguardam aval do TCU para que o processo siga em frente. E nove são listados como “prorrogados”.
Técnico do governo que participa de reuniões com empresas interessadas em projetos de infraestrutura no país avalia que na visão dos investidores há “contingências subestimadas” pelo governo no processo de precificação. E citam como exemplos passivos judiciais e possíveis “esqueletos nos armários” das empresas, que tornam o investimento mais arriscado, com custos extras no futuro. Também reclamam da demora do processo de privatização, que depende em muitos casos do Congresso, e da dificuldade de obter retorno do investimento.
Leilão das distribuidoras da Eletrobras segue postergado
A mesma desconfiança surge quando o assunto é a compra das distribuidoras da Eletrobras, com sérios problemas financeiros e dívidas bilionárias. A começar pela dificuldade política, com o Congresso travando a aprovação de mudanças na lei necessárias para a privatização, seguida de dúvidas técnicas sobre a possibilidade de aumentos nas tarifas da conta de luz a partir das mudanças. O processo começou em 2016, ainda no governo Dilma Rousseff, e ainda segue, já tendo sido adiado algumas vezes.
O PPI determinou investimento de R$ 2,4 bilhões a ser feito para a melhoria das seis empresas, em estados do Norte e Nordeste. Elas valem juntas R$ 10,2 bilhões, mas detêm dívidas líquidas de R$ 20,8 bilhões.
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Segundo o PPI, o preço mínimo simbólico de cada distribuidora é de R$ 50 mil, um valor irrisório para obter por 30 anos a concessão de uma empresa de distribuição de energia, com receitas garantidas e que atendem 4 milhões de unidades consumidoras cativas. O leilão dessas empresas será ganho pelo investidor que oferecer a menor tarifa para o consumidor de energia.
Não faltam interessados em investir, avalia Juliano Griebeler, diretor de Relações Governamentais da Barral M. Jorge Consultoria, mas a incerteza política e institucional gera riscos que se traduzem em menores retornos no futuro e reflete em preço menor pela concessão ou privatização.
“O investidor quer barganhar, mas eles são conservadores com o risco dos seus investimentos, que são de longo prazo. Há dúvidas sobre quem vai se eleger (presidente da República), se vai manter a agenda de privatizações. Qual garantia o investidor vai ter desse retorno se não sabe se o governo vai continuar? As eleições afetam o interesse por investimentos”, disse.
“O problemas das privatizações no Brasil é taxa de retorno baixa e preço alto. Não é problema só do Brasil, mas tem muita desconfiança, recessão econômica e instabilidade política. O Brasil passou por momento difícil e a política tem volatilidade alta”, afirmou.
A lógica de transferência dos riscos para o preço é simples e direta. O CDS (Credit Default Swaps) é um título negociado no mercado financeiro que é uma espécie de seguro para o risco de calote do Brasil de sua dívida. Quanto maior a percepção de risco de calote, maior é o prêmio que o mercado pede nessas operações, que ficam mais caras. Em janeiro, o CDS de cinco anos estava em nível baixo, perto de 140 pontos. Desde então, eles vêm subindo e na última terça-feira (8) beirava os 200 pontos.
Ricardo Schweitzer, analista de investimentos e colunista do blog Tem Uma Guerra Lá Fora, explica que o investidor internacional que pretende trazer recursos ao Brasil analisa a movimentação do CDS, para medir o risco que devem embutir nos negócios que vão fazer, refletindo em menor pagamento de outorgas ou valor de ações de empresas como as da Eletrobras, que o governo tenta capitalizar ainda este ano.
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“Por que as eleições importam? Porque temos uma série de desafios no front fiscal. E, a depender dos rumos da eleição, o mercado tem mais ou menos intranquilidade com nosso quadro lá na frente. O nosso CDS de 10 anos teve um pico na casa dos 500 pontos durante o governo Dilma e desde o impeachment caiu bastante. Deve estar na faixa dos 200. A tendência é que com a proximidade das eleições e o cenário externo mais difícil ele suba um pouco”, afirma Schweitzer. “Logo, se o retorno exigido pelos títulos públicos aumenta, aumenta também para todo o resto. E o jeito de aumentar o retorno é ajustando via redução nos preços”, explica.
Processos morosos ou travados no Legislativo e no TCU
As dificuldades com o Congresso, e mesmo no campo jurídico, também fazem o investidor querer pagar ainda menos ao comprar empresas no Brasil. Em processos como o da capitalização da Eletrobras é preciso alterar o marco legal, o que depende de aprovação do Congresso.
Com sua base pouco fiel e já desgastada por dois processos para barrar denúncias criminais, o presidente Michel Temer (MDB) tem pouca margem de convencimento dos parlamentares, que também evitam votar projetos polêmicos e que possam retirar votos em ano eleitoral.
“As privatizações envolvem Congresso, estamos em ano eleitoral, e mudanças de marcos legais não avançam como esperado”, afirma Grieleber, que cita esses pontos como outras causas para o aumento da percepção de risco dos investidores e consequente barganha para pagar menos pelas concessões e privatizações.
A burocracia brasileira também é um fator que alarga os cronogramas de investimentos dos países, algo visto com maus olhos pelos investidores internacionais. Antes de serem publicados os editais das concessões, é preciso que sejam realizados estudos, consultas públicas, e que o TCU publique acórdão avalizando o processo. Dos 39 projetos do PPI em andamento, apenas 14 já tiveram aval do tribunal de contas.
O advogado Juliano Rebelo Marques, que tem atuação da área de infraestrutura, não vê novidades na modelagem jurídica dos processos de privatização e concessão que estão em curso, o que poderia resultar em judicialização, mas também cita a incerteza política.
“Ainda experimentamos um momento de incerteza político. Quem vai ser o presidente da República? Isso faz diferença e gera incerteza”, afirmou. “Incertezas fazem o proponente precificar o risco, refletindo no preço de ofertas e de propostas. Blindagem absoluta contra o risco não existe. Sempre tem um risco escondido na operação, principalmente em obras de infraestrutura. Não dá pra ter um risco zero. Sempre pode aparecer uma entidade que pode judicializar, especialmente em concessões longas e esses riscos não se consegue precificar”, completou.
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