Quando o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão (PRTB), declarou em 19 de novembro que “metade” dos médicos cubanos do programa Mais Médicos não voltaria ao seu país de origem houve quem avaliasse que não passava de mais uma “bola fora” do militar. Um mês depois da fala de Mourão, a realidade mostra que ele pode não estar totalmente certo quanto ao número de cubanos que ficaram no Brasil, mas tinha razão ao afirmar que muitos dos profissionais da ilha caribenha poderão ser reintegrados ao sistema de saúde brasileiro.
O cruzamento de dados da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), que firmou o contrato com Cuba para a vinda dos médicos, mostra que perto de 1,8 mil profissionais cubanos continuam no Brasil. Em novembro, a organização havia divulgado que cerca de 1,4 mil médicos tinham permissão do governo de Cuba para permanecer no Brasil pelo fato de terem casado com cidadãs e cidadãos brasileiros. Agora em dezembro veio a público que aproximadamente 400 profissionais que deveriam ter embarcado não o fizeram.
A Polícia Federal, órgão encarregado do controle de entrada e saída de estrangeiros no país, até o fechamento desta edição não forneceu informações de quantos médicos cubanos realmente deixaram o país. Independentemente dos dados da PF, autoridades municipais em todas as regiões do país admitem que muitos profissionais cubanos permanecem em suas cidades.
Um levantamento não oficial feito em Ponta Grossa, nos Campos Gerais, revelou que 25 dos 56 cubanos que atuavam no município não deixaram a cidade. Esses profissionais têm evitado contado com a imprensa enquanto aguardam a definição das vagas do Mais Médicos que não forem preenchidas por médicos brasileiros. Após isso, eles esperam ter chance de voltar a trabalhar no programa.
Robson Xavier, secretário adjunto da Saúde de Ponta Grossa, diz não ter o número de cubanos que estão na cidade, mas reconhece que muitos profissionais não voltaram para a ilha caribenha. O secretário confirma que cubanos e outros profissionais que não têm o Revalida – exame exigido para atuação de médicos no Brasil – estão esperando uma chance para serem contratados na nova fase aberta pelo governo, que permite entrar no Mais Médicos sem ter o diploma validado.
LEIA TAMBÉM: O que é o Mais Médicos e por que Cuba decidiu deixar o programa
“Nós temos recebido um grande número de telefonemas de pessoas aqui mesmo de Ponta Grossa e de outras cidades do Paraná que querem vir trabalhar no nosso município, mas não conseguiram num primeiro momento fazer a inscrição”, diz Xavier.
Das 56 vagas abertas com a saída dos cubanos do atendimento em Ponta Grossa, 21 delas não foram preenchidas. “Para todas as vagas tiveram profissionais inscritos. O problema é que o prazo para apresentação dos candidatos expirou na quarta-feira (18) e 21 deles não se apresentaram”, explica Xavier.
O prazo para apresentação dos profissionais a que Xavier se refere era destinado somente a médicos brasileiros com registro nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). Esse prazo terminou na terça-feira (18). Nessa fase houve 36.490 interessados para o preenchimento das 8.517 vagas abertas com a saída dos cubanos – o que deixou o governo otimista – mas findo o prazo de regularização apenas 5.972 dos 8.411 aprovados na seleção se apresentaram. Com isso, 2.439 vagas (29% do total) não foram preenchidas.
Para resolver o problema, o governo decidiu abrir novas fases de inscrição e aceitou a admissão de médicos brasileiros formados no exterior, além de profissionais estrangeiros. Nos dias 27 e 28 de dezembro, os profissionais brasileiros formados no exterior terão acesso ao sistema para escolherem as vagas em aberto. Posteriormente, nos dias 3 e 4 de janeiro de 2019, os médicos estrangeiros terão a mesma oportunidade. É nesta fase destinada aos estrangeiros que os cubanos esperam ter a chance de voltar ao programa.
Dificuldades
Os maiores problemas enfrentados pelo governo para preencher as vagas estão em cidades pequenas do interior do país e localidades remotas, principalmente em estados da Região Norte. São nessas regiões que a presença dos cubanos era maior. Dos médicos que atuam em áreas consideradas de extrema pobreza, 35% eram cubanos.
No Amapá, por exemplo, das 76 vagas ofertadas pelo programa, apenas 34 foram preenchidas por médicos brasileiros com registro nos CRMs. O dado é do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems) do estado. Por esse número, 55% das vagas não foram preenchidas.
Nos distritos sanitários especiais indígenas a situação é ainda mais complicada. Na área do Alto Solimões, no Amazonas, nenhuma das 22 vagas havia sido preenchida até quinta-feira (20).
LEIA TAMBÉM: O ‘Mais Médicos’ de Bolsonaro é ideia antiga e elogiada. Mas nunca foi adiante
Mesmo em cidades com melhor estrutura os gestores enfrentam dificuldades pela falta de médicos. Em Ponta Grossa, a Secretaria da Saúde foi obrigada a improvisar para não deixar parte da população sem atendimento.
“Enquanto não se resolve a questão das contratações nós fizemos um revezamento inicial dos médicos que atuam na rede, que eram cerca de 30 profissionais. Com a chegada dos 35 substitutos dos cubanos, eles também estão nos ajudando no revezamento. Embora todos eles terão lotação em uma unidade básica, neste primeiro momento eles estão atendendo em mais de um local”, diz o secretário adjunto de Robson Xavier.
Juiz suspende revalidação de diplomas em universidade particular
A Justiça Federal concedeu liminar ao Conselho Federal de Medicina (CFM), no último dia 13, suspendendo a revalidação de diplomas médicos obtidos em instituições estrangeiras por universidades brasileiras particulares. Na decisão, o juiz Bruno Valentim Barbosa, da 1.ª Vara Federal de Jales, no interior de São Paulo, considerou a legislação nacional a qual estabelece que a revalidação pode ser realizada apenas junto aos estabelecimentos de ensino públicos (federais, estaduais ou municipais).
A liminar foi concedida em ação do CFM referente à iniciativa do Instituto de Ciência e Educação de São Paulo (Universidade Brasil), situado em Fernandopólis (SP), uma instituição de ensino superior particular. Esse estabelecimento publicou edital com objetivo de receber candidatos portadores de diplomas de medicina estrangeiros para iniciar processo de revalidação de seus títulos no país.
A liminar impede o início dos procedimentos para revalidação, porém permite que a escola receba inscrições até o desfecho do caso (ao qual ainda cabe recurso), desde que assuma o risco de devolução de valores pagos, posteriormente, após julgamento de mérito.
O descumprimento da determinação implicará na cobrança de multa de R$ 100 mil ao dia para a instituição de ensino. Em seu despacho, o magistrado justificou a concessão de antecipação de tutela, ou seja, o cumprimento imediato dos termos da liminar, como solicitado pelo CFM.
No entendimento do juiz, a Lei n.º 9.394/96 atribuiu às universidades públicas, regularmente credenciadas, que tenham curso reconhecido do mesmo nível e área ou equivalente, a prerrogativa de revalidar os diplomas de graduação expedidos por universidades estrangeiras.
Há uma proposta em tramitação na Câmara dos Deputados que estende às instituições privadas (Projeto de Lei 3052/11) o direito de fazer a revalidação, no entanto, o juiz alegou que esse texto ainda não foi votado pelo Congresso e nem sancionado pela Presidência da República.
Conselheiro do CFM critica saída brusca de profissionais
Logo após o anúncio do governo cubano de que iria retirar os médicos do Brasil – em reação a declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, contra o acordo entre Brasil e Cuba –, o Conselho Regional de Medicina (CFM) divulgou nota pela qual afirma que “o Brasil possui médicos ativos, com registro nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), em número absoluto suficiente para atender às necessidades da população e, inclusive, para ocupar vagas abertas no Programa Mais Médicos”. Segundo a entidade, em cinco anos, o total de profissionais cresceu 21,03% no país. No entanto, conselheiros do CFM admitem que a saída brusca dos cubanos pode ter consequências ruins no atendimento à saúde de parte da população.
O conselheiro Donizete Giamberardino, coordenador da Comissão Pró-SUS, aponta a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) como responsável pela situação criada no Brasil. “Essa organização [Opas] fez um contrato com uma estatal cubana, a Serviços Médicos Cubanos, para prestação de mão de obra. Um contrato de mais de 8 mil médicos e depois decide retirar todos os profissionais em pouco mais de 30 dias. Essa decisão é uma incivilidade. É impossível para qualquer país do mundo substituir todos esses médicos rapidamente. A substituição é um processo complexo, existem situação de profissionais em regiões remotas. Deveria ter estabelecido um prazo, de pelo menos dois anos para todos saírem”, diz.
LEIA TAMBÉM: Após críticas de Le Pen e Macron, embaixador francês ironiza Bolsonaro
Para Giamberardino, o governo está neste momento tentando apagar incêndio. “Para fazer a colocação de todos esses médicos cubanos foram mais de seis meses de trabalho. As declarações do presidente eleito, que nem tomou posse ainda, não justificam a decisão de retirada brusca dos médicos”, critica.
Na avaliação do conselheiro do CFM, o episódio da retirada brusca dos médicos cubanos vai desorganizar ainda mais o que já era desorganizado. “O cidadão, quando não tem o médico próximo de sua casa, ele procura outros locais onde têm profissionais. Então, as pessoas vão sobrecarregar as UPAs, que ficam nas periferias das grandes cidades. Vão sobrecarregar as emergências com questões que não são de urgência, o que certamente acarretará em piora do atendimento nessas localidades.”
Sobre a decisão do governo de aceitar médicos sem registro nos CRMs para completar as vagas que ficaram abertas no programa, Giamberardino reitera que as entidades médicas não apoiam o modelo do Mais Médicos com contrato temporário e precário, mas reconhece que agora o governo terá de tomar medidas para evitar riscos à saúde da população. “É um médico bolsista, temporário, que não tem vínculo, não tem carreira médica no serviço público. Mas, o que temos no momento são as vagas abertas do Mais Médicos. Então, para proteger a saúde da população, neste momento, o governo tem que fazer as substituições”, diz, ao sugerir que, posteriormente, deve-se encontrar uma solução definitiva.
NÚMEROS
- 18.240 vagas foram abertas no Mais Médicos desde que o programa foi criado, em 2013
- 4 mil municípios e 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) tinham profissionais do programa até o rompimento do contrato com o governo de Cuba
- 63 milhões de brasileiros são atendidos pelo programa, de acordo com o Ministério da Saúde
- 100% da cobertura da atenção básica à saúde em 1.100 municípios do país é feita por profissionais do Mais Médicos
- R$ 13 bilhões foram gastos com o Mais Médicos entre 2013 e 2017, segundo relatório de avaliação do programa entre 2013 e 2017
ETAPAS DO PROGRAMA
- Até 16/12 – Inscrição dos médicos brasileiros e estrangeiros formados no exterior
- Até 18/12 – Apresentação dos médicos com CRM Brasil nos municípios
- De 20/12 a 21/12 – Médicos CRM Brasil escolhem municípios com vagas disponíveis
- De 27/12 a 28/12 – Médicos brasileiros formados no exterior escolhem municípios com vagas disponíveis
- De 3/1 a 4/1/19 – Médicos estrangeiros formados no exterior escolhem municípios com vagas disponíveis