Contratar uma agência de espionagem para destruir a Lava Jato. Este foi um dos primeiros planos que o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) tentou colocar em prática, assim que assumiu a presidência da Câmara dos Deputados, no início de 2015, segundo detalha o ex-presidente da Odebrecht Ambiental, Fernando Reis, em depoimento na “megadelação” da empresa. O episódio é confirmado por Marcelo Odebrecht.
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Cunha queria contratar a empresa de consultoria Kroll Associates (que atuou em casos com o do impeachment de Fernando Collor) para investigar o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Yousseff, segundo os executivos. A ideia era provar que Costa e Youssef mentiram em seus depoimentos à Justiça. Isso desqualificaria o instrumento da delação premiada (os dois já eram delatores da Lava Jato na época).
O ex-deputado teria demonstrado que sabia o que procurar. “Ele inclusive apontava que o Roberto (SIC) Youssef teria uma conta no Líbano, que devia ser procurada, deveria ser investigada”, conta Fernando Reis. A existência de contas secretas no exterior seriam o gancho para anular a validade das delações e, por consequência, da operação como um todo.
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“Eduardo Cunha expressava uma preocupação, ele não dizia especificamente qual era, do desenvolvimento da Lava Jato”, e dava entender que era um temor pela “instabilidade que isso poderia gerar no novo governo”, conta Reis.
A estratégia teria sido apresentada em jantar na residência oficial da Presidência da Câmara, no dia 11 de fevereiro de 2015. “Deve ter sido um dos primeiros jantares que ele teve na casa”, conta Fernando Reis. Ele, Cunha e Marcelo Odebrecht eram os únicos presentes, segundo relato.
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“A tese que o Eduardo defendia era achar inconsistências que levassem à nulidade da colaboração do Paulo Roberto e do Youssef”, conta Marcelo Odebrecht, que em depoimento curto confirmou a existência da visita. A proposta de contratação da Kroll pela empreiteira não seguiu em frente.
CPI da Petrobras
Meses depois, em abril de 2015, a Kroll foi enfim contratada. Não pela Odebrecht, mas pela CPI da Petrobras na Câmara dos Deputados.
O caso foi polêmico. A começar pela indicação dos 12 nomes a serem investigados, feita pelos deputados Hugo Motta (PMDB/PB) e André Moura (PSC/SE), respectivamente presidente e sub-relator da CPI, sem consultarem os demais membros da comissão. Ambos eram apontados como integrantes da “tropa de choque” de Cunha na Câmara.
O então presidente da Câmara, inclusive, apareceu de surpresa na sessão em que Motta informou a contratação da empresa, quando declarou que a “CPI é o foro em que será debatido, de verdade, tudo o que está acontecendo”.
A Kroll acabou realizando apenas a primeira fase do trabalho, um levantamento preliminar dos bens dos 12 indicados. Nesta etapa, que durou dois meses e custou R$ 1 milhão, a empresa levantou apenas os dados da própria Lava Jato, notícias da imprensa, e levantamentos de dados públicos, como os da Junta Comercial.
O restante do trabalho nunca chegou a acontecer. Em meio a acusações de que o objetivo da investigação era melar a Lava Jato, a empresa optou, unilateralmente, por não seguir com o contrato. Em nota, a Kroll alegou “não ter alcançado um acordo em relação aos termos contratuais”.
Por coincidência, Eduardo Cunha acabou enfrentando um processo de cassação, no ano seguinte, desencadeado pela descoberta de contas suas no exterior. Cunha disse, em depoimento justamente à CPI da Petrobrás, que não tinha contas no exterior, o que foi desmentido por autoridades da Suíça.
A reportagem tentou contato com os deputados André Moura e Hugo Motta, mas ninguém atendeu no gabinete de ambos, em Brasília. A defesa de Eduardo Cunha também não atendeu a ligações. A Kroll, contactada, não se pronunciou à respeito.
Investigação em Curitiba
Relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin atendeu os pedidos do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, e remeteu os depoimentos à Procuradoria da República do Paraná, e à Justiça Federal, em Curitiba.
“Os fatos ora narrados se relacionam com a operação Lava Jato, em Curitiba (...) demonstrando a intenção de embaraçá-la”, justifica Janot, no pedido ao STF.