Se não decepcionou pela expectativa gerada, o aguardado depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quarta-feira (10) passou longe de trazer novidades à ação penal em que o petista é acusado de receber benesses financeiras da construtora OAS na forma do apartamento tríplex no Guarujá (SP). Ao final da audiência em que Lula ficou frente a frente com o juiz Sergio Moro pela primeira vez houve uma certeza: o interrogatório serviu mais para o líder petista alegar oficialmente sua inocência nos autos do que para produzir provas.
GALEIA DE IMAGENS: Veja foto do dia do depoimento de Lula em Curitiba
Certamente, não por falta de esforço do juiz Moro e dos representantes do Ministério Público federal (MPF), que se esforçaram o tempo todo para esclarecer pontos obscuros e dar o direito de defesa ao acusado. A previsão é que a sentença final de Moro no processo seja divulgado até o início de julho.
Aparentando certo nervosismo no início do interrogatório, o ex-presidente foi se soltando aos poucos. Ao longo de quase cinco horas procurou não cair em contradição e manteve-se em silêncio quando se viu contra a parede. Mas também perdeu as estribeiras quando se disse “injustiçado” pelas investigações da Lava Jato e pela cobertura da imprensa.
Em diversos momentos, Lula desafiou o MPF a apresentar provas de que o imóvel realmente pertence a ele. “Nunca solicitei e nunca recebi apartamento. Eu imaginei, ou imagino que o Ministério Público a hora que for falar, vai apresentar as provas. Ele deve ter pelo menos algum documento que prova o direito jurídico de propriedade para poder dizer que é meu o apartamento”, desafiou.
“Nunca houve intenção de comprar um tríplex”
Lula negou enfaticamente que seja proprietário do tríplex alvo do processo e disse que nunca teve a intenção de comprar um apartamento do tipo no Guarujá. Ele afirmou que a compra de um apartamento simples foi fechada pela sua esposa, Marisa Letícia, em 2005.
“Não havia no início e não havia fim [intenção de adquirir um tríplex]”, afirmou o ex-presidente. “Nunca houve a intenção de adquirir um tríplex.”
O ex-presidente confirmou que esteve uma vez no tríplex, em 2014, a convite do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro. Em depoimento, Pinheiro disse que a visita foi para apresentar o apartamento que estava reservado a Lula desde que a empreiteira assumiu a obra. A versão de Lula é outra: “O Léo esteve no escritório dizendo que o apartamento tinha sido vendido e que ele tinha mais um apartamento dos normais e o tríplex, e fui ver o apartamento, coloquei 500 defeitos, voltei e nunca mais conversei com o Léo sobre o apartamento.”
Lula tenta puxar briga com Moro
Em vários embates ríspidos que teve com o juiz Sergio Moro, o ex-presidente disse que a Operação Lava Jato forçou testemunhas a incriminá-lo no processo sobre o tríplex. Nas considerações finais, declarou que é “vitima da maior caçada jurídica que um presidente já teve”.
O ex-presidente disse que é vítima de uma “caçada política”. “Sou julgado pela construção de um Power Point mentiroso, aquilo é ilação pura”, disse, criticando o fato de o procurador Deltan Dallagnol estar ausente da audiência desta quarta-feira. “Ele deveria estar aqui para ele explicar aquele famoso powerpoint.”
Moro perguntou se Lula se achava que existia uma “conspiração” contra ele. O petista respondeu que não, mas disse que estava “atento” à condução do processo.
Silêncio sobre o mensalão e negativa sobre destruição de provas
Uma série de perguntas sobre o esquema de corrupção julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que ficou conhecido como mensalão, ocorrido durante o governo Lula, em 2006, fez Lula ficar calado durante o interrogatório, atendendo a orientação da defesa. E, quase ao final da série de inquisições, Lula, já com outro semblante, resolveu dar sua versão dos fatos e revelou uma “mágoa profunda” com a Lava Jato por causa da divulgação das gravações dele com familiares.
Os questionamentos sobre o mensalão deram lugar para as recentes considerações de Lula sobre as investigações da Lava Jato. O juiz classificou as declarações como “agressivas”. Lembrou que Lula moveu ações contra testemunhas, delegado, procurador da república e até contra o magistrado.
Lula se calou por segundos e não respondeu. Moro continuou: “O senhor não acha que estas medidas podem ser interpretadas como atos de intimidação contra a atuação de agentes públicos?” Citou as seguintes declarações do ex-presidente dadas em 2016: “Preciso brigar com eles porque alguém tem que reagir. Estou disposto a fazer o que é necessário.” O juiz também lembrou trechos da delação premiada de Léo Pinheiro e quis saber se em algum momento houve o pedido para a destruição de provas. Lula negou, mas reconheceu encontros com Pinheiro para tratar de “questões sobre o futuro da economia brasileira”, todas realizadas no Instituto Lula.
Caçada ao “monstro Lula”
Ao fim do depoimento, Moro perguntou se Lula gostaria de dar alguma declaração. Lula disse que sim: “Primeiro, eu gostaria de dizer que eu estou sendo vítima da maior caçada jurídica que um presidente ou um político brasileiro já teve”, afirmou.
Deu a entender que essa “caçada” ocorre porque ele é um representante dos pobres. “Eu dizia para mim todo santo dia [quando era presidente] que não teria direito de errar. Que, se eu errasse, a classe trabalhadora nunca mais iria eleger alguém, alguém do andar de baixo.”
Moro então tentou interromper Lula, argumentando que a oportunidade de se pronunciar livremente ao fim do interrogatório não era um momento para fazer declarações políticas. O ex-presidente argumentou que estava sendo julgado politicamente.
Em coletiva de imprensa após o depoimento, o corpo de defesa do líder petista bateu insistentemente nessa tecla. Disse que Lula é alvo de uma perseguição política e que o depoimento evidenciou a inocência dele no processo.
“Quero ser julgado pelo povo brasileiro”
De nada adiantou Moro não permitir que as considerações finais do depoimento virassem um ato político. Minutos após o encerramento do interrogatório, Lula surgiu na Praça Santos Andrade, no Centro de Curitiba, palco histórico de manifestações políticas, para discursar para uma claque fiel e ansiosa. Pouco mais de 5 mil militantes, trajados com camisetas, faixas e bandeiras vermelhas, prestaram solidariedade ao ex-presidente e ouviram o que todo mundo já sabia que seria dito. Lula será candidato novamente à Presidência da República, em 2018.
Disse que o julgamento dele não deve ser feito somente pela Justiça, mas também nas urnas. “Se eu fiz algo errado, eu quero ser julgado pelo povo brasileiro, antes de ser julgado pela justiça”, afirmou do alto de um palanque em que estavam presentes ainda a ex-presidente Dilma Rousseff, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, parlamentares petistas e líderes de movimento sociais que se deslocaram a Curitiba.
Ao fim do discurso, Lula deixou a manifestação e seguiu direto para o Aeroporto Afonso Pena, de onde decolou de volta para casa, encerrando um dia histórico na trajetória de três anos da Operação Lava Jato.
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