Com direito a “sarrada” do ex-presidente Lula (PT) e de ovada no prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), o Nordeste virou neste mês de agosto o principal campo da batalha pelo Planalto. Os dois pré-candidatos à Presidência em 2018 intensificaram a agenda na região.
O petista, desde a última quinta-feira (17) e até o próximo dia 5 de setembro, vai percorrer quase 30 cidades nordestinas. O tucano já visitou quatro municípios do Nordeste: Salvador (BA), Natal (RN), Fortaleza (CE) e Recife (PE). E vai estar em mais um até o fim do mês: Campina Grande (PB).
Outro concorrente que está bem nas pesquisas, o deputado Jair Bolsonaro (hoje no PSC, mas que irá mudar para o Patriota, novo nome do PEN) não teve agenda pública na região neste mês. Mas já esteve ao menos três vezes no Nordeste ao longo do ano: no Rio Grande do Norte, Paraíba e Piauí.
Sarrada no ar
A passagem de Lula pelo Nordeste tem sido pontuada de polêmicas e de imagens típicas de campanha eleitoral. Lula rotineiramente, na caravana nordestina, tem se vestido com o chapéu de couro típico dos vaqueiros dos sertões – buscando estreitar suas relações com o Nordeste.
Já no domingo (20), em Cruz das Almas, no interior da Bahia, o ex-presidente fez uma “sarrada” em encontro com a juventude do PT – imagem que logo viralizou nas redes sociais. “Sarrada no ar” é um passo de funk.
No primeiro dia da visita ao Nordeste, na Bahia, Lula reencontrou Everton Conceição Santos – um menino, à época, que virou personagem de uma emblemático foto da campanha em que o petista se reelegeu presidente, em 2006. Agora, a foto foi reeditada 11 anos depois. E Everton, hoje com 18 anos, também deu depoimento gravado e divulgado no site do PT, em que fez elogios ao petista e gritou “Fora Temer”.
Mas o giro nordestino de Lula pela região também tem tido um lado negativo para ele. O primeiro dia da visita de Lula teve até tiros da Polícia Militar e confusão entre petistas e adversários do ex-presidente. E até mesmo a entrega de títulos de doutor honoris causa por universidades da região tem sido motivo de confusão – a crítica principal é que um condenado não pode ser homenageado. A Justiça Federal, por exemplo, cancelou a concessão do diploma que seria feito pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano.
Fazer do ovo uma omelete
O paulista João Doria tem buscado estreitar relações com o Nordeste. E tenta passar a imagem que também tem o Nordeste “no coração”. Na recente visita a Salvador, onde foi recebeu o título de cidadão honorário do município, lembrou que seu pai era da Bahia. E disse se sentir um pouco baiano.
Foi em Salvador, porém, que Doria recebeu uma ovada de movimentos de esquerda. Mas ele aproveitou o episódio para fazer do ovo uma omelete. E acusou o PT: “Não é esse o caminho que desejamos para o Brasil. Esse é o caminho do Lula, o caminho do PT, das esquerdas que querem isso. A intransigência, a agressividade e a tentativa de amedrontar. A mim não intimida”, disse. E, nas redes sociais, até mesmo usou o bom-humor. Publicou uma foto de um grande barracão cheio de caixas de ovos com os seguintes dizeres: “Polícia da Bahia encontra depósito clandestino de armamento pesado”.
Ao mesmo tempo em que circula pelo Nordeste com desenvoltura, Doria começou a ser criticado por não estar em São Paulo – a cidade que administra. E a estratégia de comunicação já está na ponta da língua. O presidente nacional do PSDB, o senador cearense Tasso Jereissati, na visita de Doria a Fortaleza, na sexta-feira passada (18), destacou que São Paulo é a maior cidade nordestina fora do Nordeste – em função dos milhares de migrantes que a capital paulista recebeu vindos da região.
O próprio Doria também tem uma resposta pronta para suas viagens pelo país – não apenas pelo Nordeste. Afirma trabalhar de 16 a 18 horas por dia e que compensa o tempo das viagens fazendo um segundo expediente na prefeitura. Também diz pagar as despesas do próprio bolso. Argumenta ainda que é vice-presidente de relações institucionais da Frente Nacional dos Prefeitos e que, portanto, tem a missão de defender os prefeitos. Isso, segundo ele, exige que ele conheça prefeituras Brasil afora.
Juntar o rebanho e ficar conhecido
O cientista político Malco Camargos, professor da PUC de Minas Gerais, afirma que os motivos que levam Lula e os demais concorrentes ao Nordeste são distintos, mas no fundo tem o mesmo pano de fundo: as eleições de 2018. “Lula quer ‘juntar seu rebanho’. Fortalecer os laços onde ele já tem votos. Os outros precisam se tornar conhecidos onde ainda não são”, diz Camargos.
As pesquisas eleitorais indicam que o Nordeste é o território de Lula e do PT por excelência. E, por outro lado, revelam o “prejuízo” que os demais concorrentes podem impor ao petista se conseguirem tirar votos dele entre os nordestinos.
Nas últimas eleições, em 2016, o Nordeste concentrava 26,9% dos eleitores brasileiros, atrás apenas do Sudeste (43,3%) e bem à frente do Sul (14,5%), Norte (7,8%) e Centro-Oeste (7,2%). O Nordeste, por sua vez, é a região em que Lula mais tem intenções de voto neste momento – e a que seus principais adversários, conforme as atuais pesquisas, têm pior desempenho.
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Levantamento do Instituto Paraná Pesquisas, realizado no fim de julho, apontou Lula com 25,8% em todo o país num cenário em que Doria é o candidato tucano. No Nordeste, Lula teria 41,2% se a eleição fosse agora. A pesquisa juntou no mesmo levantamento o Norte e Centro-Oeste – e essa megarregião é a segunda mais propensa a votar em Lula: 24,6%. Já o porcentual de eleitores do petista no Sudeste é a metade da do Nordeste: 20,5%. Lula é menos popular no Sul: apenas 14,2% dos moradores da região dizem que votariam em Lula.
Doria, que tem 12,3% de intenções de voto em todo o país, no Nordeste seria o escolhido por apenas 6,4%. Bolsonaro ficou com 18,7% no Brasil inteiro. O desempenho dele no Nordeste, embora menor que a média do deputado no país, não é tão diferente, o que talvez explique porque ele ainda não tem investido muito na região. O deputado teria o voto de 14,8% dos nordestinos, segundo a pesquisa.
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Histórico eleitoral
Os resultados das eleições presidenciais desde 2002, quando Lula chegou ao Planalto, também mostram quanto o eleitorado nordestino foi importante para a ascensão e consolidação do PT. Tirando o primeiro turno da eleição presidencial de 2002, nas seguintes a vantagem dos petistas em relação aos demais concorrentes foi amplamente maior na região em comparação com o resultado deles em todo o país.
Em 2002, Lula teve apenas 19,20% dos votos válidos no Nordeste no primeiro turno. No segundo turno, o petista saltou para 60%. E, a partir daí, o patamar de votação de quem era o candidato do PT à Presidência sempre girou em torno disso ou bem acima.
Na reeleição, em 2006, Lula teve no Nordeste 66,78% dos votos no primeiro turno e 77,13% no segundo. Dilma Rousseff se elegeu em 2010 com 61,62% dos votos nordestinos no primeiro e 70,58% no segundo turno. E, em 2014, ela se reelegeu com 59,69% e 71,69% dos votos da região, respectivamente.
Metodologia da pesquisa
O levantamento do Instituto Paraná Pesquisas ouviu, entre os dias 24 e 27 de julho, 2.020 eleitores com 16 anos ou mais em 156 municípios de 25 estados . A margem de erro é de dois pontos porcentuais para mais ou para menos. Nos dados regionais, a margem de erro é de 3,5% no Sudeste; 4,5% no Nordeste; e 6,0% nas regiões Norte/Centro-Oeste e Sul. O grau de confiança de toda a pesquisa é 95% – o que significa que, se o levantamento for realizado 100 vezes, em 95 os resultados estarão dentro das margens de erro.