Os parlamentares eleitos e reeleitos querem mostrar serviço. Mais de 500 projetos de lei (PL) já foram protocolados na Câmara entre a tarde de segunda-feira (4) e a noite desta quarta-feira (6). Tem de tudo no balaio: da tabela do preço do botijão de gás a pedidos de inscrição de nomes no panteão de heróis da pátria. Mas também há temas urgentes que marcaram o período eleitoral.
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) e a bancada do Partido Novo correram para marcar posição no combate aos privilégios partidários. O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), recordista de protocolos com 51 projetos, apresentou um pacotão anticorrupção inspirado no projeto da Transparência Internacional, o mesmo livreto que o então juiz Sergio Moro levou para sua primeira conversa com o então presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).
As pautas morais não ficaram para trás: há projetos contra o aborto, do deputado Márcio Labre (PSL-RJ), e para aumentar o auxílio a mulheres em situação de vulnerabilidade, dos deputados Diego Garcia (Pode-PR) e Joice Hasselmann (PSL-SP). E também uma disputa no terreno da educação: enquanto a deputada Bia Kicis (PSL-DF) protocolou um projeto “Escola sem Partido”, sua colega Talíria Petrone (Psol-RJ) foi para o lado oposto com o “Escola sem Mordaça”.
Combate aos privilégios
Assinado em conjunto pela bancada do Partido Novo, o PL 14/2019 propõe a extinção do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o fundo eleitoral, que em 2018 destinou R$ 1,7 bilhão para o custeio de candidaturas nas eleições. A maioria dos recursos foi parar na mão de parlamentares que já tinham mandato e concorriam à reeleição.
“Pretendemos contornar o sistema de financiamento hoje em vigor, que impõe ao cidadão o encargo de financiar todos os partidos políticos e todas as campanhas políticas, mesmo os que defendem ideias e valores antagônicos aos seus próprios”, justificam os deputados do Novo.
O PL 40/2019, do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), vai além e propõe também a extinção do fundo partidário, que distribuiu R$ 888 milhões aos partidos políticos em 2018. “Os partidos políticos devem se organizar de forma suficiente a convencer seus filiados a arcarem com os custos de manutenção da agremiação, tal como qualquer outra associação ou empresa”, escreve na justificativa.
“Nas eleições de 2018 ficou evidente que é possível e viável contar exclusivamente com financiamento eleitoral privado, tanto que houve partidos e candidatos que não utilizaram verbas públicas para fazer suas campanhas e, ainda assim, obtiveram resultados positivos”, complementa.
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Kataguiri propõe ainda o fim da propaganda eleitoral na televisão e no rádio. Embora chamada de “gratuito”, o horário eleitoral consume recursos públicos, já que as empresas de comunicação têm direito a uma compensação fiscal pelo espaço cedido, ou seja, pagam menos impostos.
Levantamento exclusivo do blog do jornalista Lúcio Vaz, da Gazeta do Povo, mostrou que, nas eleições de 2010 a 2016, a isenção custou cerca de R$ 3,2 bilhões aos cofres públicos. “Os eleitores brasileiros não precisam mais de nenhuma dessas formas arcaicas de financiamento da democracia”, diz o deputado.
Pacotão anticorrupção
Quem gastou a caneta foi o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP). Ex-prefeito de Bauru, o agora parlamentar já protocolou 51 projetos de lei. A maioria deles forma um pacotão anticorrupção inspirado nas medidas propostas pela Transparência Internacional Brasil, que lançou uma campanha de 70 medidas contra a corrupção no ano passado, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Um dos projetos propõe a criação da Política Nacional de Prevenção à Corrupção nas Contratações Públicas mediante o “uso intensivo da Tecnologia da Informação, por meio da internet, protocolo para plataformas eletrônicas, catálogo padronizado, certificado único de regularidade, acesso a notas fiscais eletrônicas”. Para o parlamentar, a medida cria uma “cultura de transparência” e facilita o monitoramento de compras públicas. Outro projeto prevê tornar obrigatória a exigência de programa de integridade para a contratação com a Administração Pública.
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Agostinho também propõe uma série de mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, padronizando os prazos de prescrição e possibilitando um procedimento abreviado para réus confessos. O deputado sugere ainda responsabilizar partidos políticos por corrupção e a criação do crime de corrupção privada: “exigir, solicitar ou receber vantagem indevida, como sócio, dirigente, administrador, empregado ou representante de pessoa jurídica de direito privado, para beneficiar a si ou a terceiro, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de tal vantagem, a fim de realizar ou omitir ato em violação de seus deveres funcionais”. A pena proposta, além de multa, é de dois a seis anos de reclusão.
“Um número tão grande de propostas é fruto de uma ampla discussão com a sociedade. No caso do pacote de medidas contra a corrupção, hoje são 70 propostas debatidas com mais de 200 especialistas pela Transparência Internacional”, disse Agostinho à Gazeta do Povo. “São propostas que vão na direção do clamor da população”, completou.
Escola sem Partido ou sem Mordaça?
A pauta de costumes não ficou para trás. Enterrado depois de semanas de obstrução na Comissão Especial que o discutia, o “Escola sem Partido” voltou. A deputada Bia Kicis (PSL-DF) apresentou o PL 246/2019, mais detalhado. Ela prevê uma série de princípios para escolas públicas, como “o direito dos pais sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos, conforme assegurado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos”.
A referência é ao artigo 12.4 da Convenção, que diz que “os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções”.
O projeto também combate a ideologia de gênero nas escolas: “o Poder Público não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero”. A ideia vai ao encontro das preocupações de conservadores com a sexualização precoce de crianças e com a disseminação do conjunto de ideias que pretende dissociar o sexo biológico da expressão social de gênero, que não teriam lastro científico. O Projeto Anterior, PL 867/2015, vedava por completo o estudo da temática de gênero nas escolas.
“Quando o projeto fala em fazer proselitismo ou dogmatismo com a questão de gênero, você está tratando o tema de forma ideológica. E tratar de forma ideológica é ideologia de gênero”, explicou à Gazeta do Povo a deputada Bia Kicis. “Nossa estratégia é recriar a Comissão Especial do Escola sem Partido, para debater esse tema. Debatendo, novas provas [de proselitismo] surgirão, novos relatos de pais e alunos. Vamos poder manter o debate vivo”, disse.
De acordo com o PL 246/2019, as escolas particulares terão liberdade para aderir a ideologias específicas, desde que autorizadas “contratualmente pelos pais ou responsáveis pelos estudantes, devendo ser respeitado, no tocante aos demais conteúdos, o direito dos alunos à educação, à liberdade de aprender e ao pluralismo de ideias”. O projeto prevê ainda que os pais deverão receber um material explicativo das escolas. Além disso, o projeto veda “técnicas de manipulação psicológica destinadas a obter a adesão dos alunos a determinada causa” e proíbe a atividade político-partidária de grêmios estudantis”.
Consultado pela Gazeta do Povo, o presidente e fundador do Movimento Escola sem Partido, Miguel Nagib, explicou que o PL 867/2015 correspondia a uma versão antiga de um anteprojeto de lei do Movimento. A versão apresentada pela deputada Bia corresponde a aprimoramentos feitos nos últimos anos.
“As mudanças não foram feitas para facilitar a aprovação do projeto, mas para deixá-lo mais claro e mais apto a promover o respeito à Constituição Federal dentro das escolas e universidades. O que vai facilitar a aprovação do projeto é a composição atual do Congresso e, obviamente, o apoio do Presidente Jair Bolsonaro”, afirmou Nagib.
OPINIÃO: Escola sem Partido: mordaça ou proteção aos vulneráveis?
Do outro lado do espectro político, a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) apresentou o PL 502/2019, que cria o programa “Escola sem Mordaça” na rede pública e privada de todo o território nacional. De acordo com o texto, “todos os professores, estudantes e funcionários são livres para expressar seu pensamento e opinião”.
O ensino deverá seguir, entre outros princípios, “a educação contra o preconceito, a violência, a exclusão social e a estigmatização das pessoas pela cor da pele, origem ou condição social, deficiência, nacionalidade, gênero, orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero ou qualquer outro pretexto discriminatório” e “o fomento, pela comunidade escolar e/ou acadêmica, da organização democrática estudantil em grêmios, centros acadêmicos e similares”.
O PL veda censura de “natureza política, ideológica, filosófica, artística, religiosa e/ou cultural a estudantes e docentes” e estabelece que professores e alunos só poderão ser gravados mediante expressa autorização. O projeto do Escola sem Partido, por outro lado, assegura aos estudantes o direito de gravar as aulas para ter acesso ao conteúdo para estudar e permitir que os pais tenham conhecimento do que está sendo ensinado.
À Gazeta do Povo, a deputada Talíria afirmou que seu projeto pretende expandir a liberdade que a Constituição já confere às escolas públicas para as escolas privadas e que os pais têm o direito de conduzir a educação dos filhos apenas em casa.
“O Ensino público deve ser para todo mundo. Quando ele segrega alguns debates, ele nega essa ideia de pluralidade porque ele exclui alguns alunos que têm especificidades”, disse. “E nosso posicionamento político acha que qualquer espaço educacional deve ser espaço da diversidade. Nós ampliamos um direito que é garantido nas escolas públicas”, complementou.
Defesa da família e da vida
A defesa da vida e da família também movimentou as eleições e o tema promete movimentar a legislatura. O deputado Diego Garcia (Pode-PR), protocolou na terça-feira o PL 147/2019 de modificação da Lei de Serviço Social para criar um sistema de assistência à gestante e à primeira infância.
O texto prevê a “oferta de apoio, orientação, acompanhamento e encaminhamento multidisciplinar à gestante em situação de vulnerabilidade social e à primeira infância”, com o objetivo de “contribuir para o fortalecimento dos vínculos familiares e sociais e para o desenvolvimento de ações e estratégias que permitam a conciliação entre vida familiar, pessoal, profissional e comunitária”.
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O projeto faz parte de uma agenda positiva de afirmação e defesa da família e da vida e complementa outro projeto que é relatado para o deputado e está parado na Comissão da Mulher, o PL 478/2007, chamado Estatuto do Nascituro. O texto explicita a proteção da vida desde a concepção e garante aos seres humanos não nascidos o atendimento em igualdade de condições com crianças já nascidas e uma série de outros direitos.
Quem também se juntou à pauta da proteção de mulheres em situação de vulnerabilidade foi a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP). Seu PL 11/2019 modifica a Lei Maria da Penha para permitir que os delegados de polícia possam aplicar provisoriamente medidas protetivas a mulheres vítimas de violência doméstica. Segundo a deputada, muitas são mortas no período entre a ida à delegacia e a decisão da Justiça.
O projeto prevê também enquadrar falsas comunicações de violência no crime de denunciação caluniosa, que pode render até oito anos de reclusão. “O que eu quero é proteger a mulher, não fomentar denúncia falsa”, explicou à Gazeta do Povo.
NOSSAS CONVICÇÕES: Defesa da vida desde a concepção
Mas se tem gente que aposta na agenda afirmativa, também tem quem aposte na agenda reativa e querendo fechar o cerco contra o aborto. O deputado Márcio Labre (PSL-RJ) apresentou dois projetos sobre o tema. Pelo PL 261/2019, ficariam proibidos no Brasil métodos “contraceptivos” que impedem a implantação do óvulo já fecundado no útero. O projeto quer combater o que chama de “estelionato contra as mulheres”, que são “iludidas pela falácia de que estariam usando um anticoncepcional, quando na verdade estão usando micro abortivos”.
Após passar o dia rebatendo críticas ao projeto no Twitter, o deputado pediu desculpas, retirou o PL e disse, em nota, que se tratava de um rascunho protocolado por engano, que “não representa milhares de mulheres que confiaram seu voto em mim”.
No entanto, Labre prometeu apresentar no futuro um outro projeto, cujos estudos estão sendo finalizados, para informar sobre os efeitos dos medicamentos permitidos que atuam como abortivos. “Faltam transparência e informação nesta questão”, diz a nota.
Labre também apresentou um projeto para proibir o aborto em caso de gravidez decorrente de estupro, o de número 260/2019. O projeto prevê ainda cassar em definitivo o registro de médicos e enfermeiros que, após processo disciplinar, comprovadamente tenham levado a cabo procedimentos abortivos e multá-los em até 100 salários mínimos.
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