Com a tragédia em Brumadinho (MG), que deixou pelo menos 60 mortos após o rompimento de uma barragem de rejeitos da Vale, um decreto assinado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2015, viralizou nas redes sociais neste fim de semana. O texto classifica como “desastre natural” episódios como o de Mariana (MG), que provocou 19 mortes há cerca de três anos.
O decreto descreve como natural “desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais”. Os internautas, claro, despejaram críticas contra a ex-presidente petista. O efeito do decreto de Dilma, na prática, foi o de permitir que atingidos pela tragédia em Mariana pudessem sacar o dinheiro das suas contas de FGTS.
LEIA AQUI: A íntegra do decreto assinado por Dilma Rousseff em 2015
A Lei do FGTS traz uma série de critérios para que o trabalhador movimente a conta. Entre os critérios estão a demissão sem justa causa, extinção da empresa, aposentadoria, falecimento do trabalhador, financiamento imobiliário, entre outros requisitos. O que a ex-presidente petista fez, em 2015, foi acrescentar desastres como o ocorrido em Mariana como um dos critérios para que o trabalhador que possua saldo no FGTS possa sacar os recursos.
O decreto de Dilma alterava outro, de 2004, que regulamenta a Lei do FGTS. A medida adotada por Dilma em 2015, inclusive, vai permitir que, agora, os atingidos pelo desastre em Brumadinho que tenham recursos do FGTS para sacar utilizem os recursos antes de receber eventuais indenizações, que podem levar anos para serem pagas, já que dependem do andamento da Justiça.
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Para se ter uma ideia, a tragédia em Mariana, que deixou 19 pessoas mortas em novembro de 2015, ainda não chegou a um desfecho na Justiça, mais de três anos depois. Até agora, ninguém foi preso ou responsabilizado pela tragédia em Mariana. O processo nem sequer tem data marcada para o julgamento.
Das 68 multas aplicadas por órgãos ambientais, apenas uma está sendo paga – em 59 parcelas. Os atingidos pelo desastre em 2015 conseguiram na Justiça o direito a um aluguel, auxílio financeiro mensal e assessoria técnica, mas nenhuma vítima recebeu indenização da empresa até agora.
Críticas do MPF
Na época, a medida de Dilma foi criticada pelo Ministério Público Federal (MPF). Para o órgão, o decreto poderia abrir brecha para que os advogados da Vale tentassem diminuir a responsabilidade da empresa na tragédia em Mariana.
Para o advogado especialista em Direito Econômico, Bernardo Strobel Guimarães, há uma leitura tendenciosa dos efeitos do decreto assinado por Dilma em 2015. “O que o decreto possibilitou foi a liberação do FGTS, isso nada impacta na qualificação jurídica do evento pelo Judiciário”, explica.
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Para o advogado, a forma encontrada por Dilma para permitir o saque do saldo do FGTS foi uma medida paliativa, mas necessária. “Liberar recursos o quanto antes para os atingidos por tragédias é algo desejável. É uma maneira rápida de permitir que eles tenham recursos. Claro, isso não resolve o problema e é um paliativo”, diz Guimarães. “O recebimento de valores do FGTS em nada flexibiliza o dever de indenizar das mineradoras. Esse deverá ser pago integralmente, independentemente de qualquer saque no FGTS”, completa o especialista.
Segundo Guimarães, a ex-presidente poderia ter editado uma medida provisória para que os atingidos pelo desastre pudessem acessar os recursos do FGTS, mas esse caminho seria mais complicado, pois a medida precisaria, no prazo de 90 dias, ser convertida em lei pelo Congresso Nacional.
No domingo (27), Dilma usou as redes sociais para se defender das críticas:
As "fake news"dos bolsominions continuam. Esclareço que o decreto que assinei em 2016 tinha como objetivo básico ajudar as vÃtimas da tragédia de Mariana a receber o dinheiro do FGTS. Equiparava o rompimento de barragens a desastres naturais apenas para efeito de saque do FGTS.
— Dilma Rousseff (@dilmabr) 27 de janeiro de 2019
Tratamos as vÃtimas de rompimento de barragens como vÃtimas de desastres naturais para que aquelas pudessem receber com presteza o dinheiro do FGTS. Os bolsominions parecem não saber o que é uma questão humanitária, nem sua urgência.
— Dilma Rousseff (@dilmabr) 27 de janeiro de 2019
Motivo da polêmica
A discussão sobre a tragédia ser ou não classificada como desastre natural é importante para a responsabilização da empresa envolvida no caso. “Eventos da natureza que são irresistíveis excluem a responsabilidade pelos danos. Mas para que isso aconteça é necessário que os danos sejam completamente alheios a qualquer comportamento (ação ou omissão) da empresa”, esclarece Guimarães.
O decreto assinado por Dilma em 2015, segundo ele, em nada interfere no processo judicial contra a mineradora. “Não houve qualquer definição por parte do Executivo no sentido de exonerar a mineradora (Samarco) de sua responsabilidade”, garante o advogado. “Isso não impede de alguém tentar, contudo, argumentar nesse sentido. Mas isso se faz ignorando a razão pela qual o decreto foi expedido”, completa.
Penalização
Segundo Guimarães, o desastre em Brumadinho pode render três tipos de penalização à Vale, em nível penal, administrativo e cível. “No primeiro caso se discute a prática de crime, sendo que respondem aqui a empresa e seus agentes que tenham concorrido para o resultado. Estes, inclusive, podem ir presos”, diz o advogado.
No nível administrativo, a empresa pode ser multada. Já na esfera cível, se discute a reparação dos danos aos atingidos e ao meio ambiente. “A empresa tem o dever de tentar restituir as coisas ao estado anterior”, ressalta Guimarães.
Desde sexta-feira, a Justiça determinou o bloqueio de um total de R$ 11 bilhões da Vale. O objetivo é garantir recursos para reparar os danos causados a pessoas atingidas pela tragédia em Brumadinho.
Dos R$ 11 bilhões, R$ 5 bilhões foram bloqueados a pedido do Ministério Público para danos ambientais e outros R$ 5 bilhões para atendimento às vítimas. O governo de Minas Gerais pediu – e conseguiu – o bloqueio de R$ 1 bilhão, também para atendimento às vítimas.
A Vale também recebeu duas multas. Uma de R$ 250 milhões, aplicada pelo Ibama e outra, de R$ 99 milhões, aplicada pelo governo mineiro.
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