O decreto assinado pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão (PRTB), causou polêmica por alterar as regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI) nesta quinta-feira (25). Entidades como a Transparência Internacional criticaram as mudanças, alegando que a medida pode significar um retrocesso na publicidade de atos do governo. Contudo, na prática o decreto restringe quem pode classificar informações como “ultrassecretas”.
Informações classificadas como ultrassecretas ficam em segredo pelo prazo de 25 anos, renováveis por mais 25. A LAI estabelece alguns critérios para colocar informações públicas sob sigilo, como informações que possam colocar em risco a defesa e a soberania nacionais; a vida, a saúde e a segurança da população; que ofereçam elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do país, entre outros critérios.
Quem pode classificar uma informação como ultrassecreta?
A LAI estabelece que a competência para classificar uma informação como “ultrassecreta” é do presidente e do vice-presidente da República, de ministros de estado e de autoridades com a mesma prerrogativa, além de comandantes das Forças Armadas e de chefes de missões diplomáticas e consulares permanentes no exterior.
A lei já previa que essas autoridades poderiam delegar essa competência a outros agentes públicos. O texto, porém, não especificava a quem poderia ser delegado esse poder. A lei diz apenas que a competência “poderá ser delegada pela autoridade responsável a agente público, inclusive em missão no exterior, vedada a subdelegação”.
ENTENDA: O que diz o decreto de Mourão?
O documento assinado por Mourão nesta quinta-feira (24) altera outro decreto, de 2012, que define regras para a aplicação da LAI, que vedava a delegação de competência para classificação nos graus de sigilo ultrassecreto e secreto.
“Eu diria que o decreto anterior violava a própria legislação. O decreto não pode contrariar a disposição da lei. Pode especificar, regulamentar a lei, mas não pode contrariar”, explica o advogado Fernando Vernalha, sócio do VGP Advogados.
O decreto de Mourão permite essa delegação, como previsto na LAI, mas especifica quem pode receber a competência de colocar informações sob sigilo. A função pode ser delegada a “ocupantes de cargos em comissão do Grupo-DAS de nível 101.6 ou superior, ou de hierarquia equivalente, e para os dirigentes máximos de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista”. Esses agentes públicos, por sua vez, não podem delegar a outra pessoa a tarefa.
“A LAI já tem uma previsão expressa admitindo a possibilidade de delegação da competência reservada àquelas autoridades. A própria LAI já permite a delegação dessa competência para agentes públicos. Esse decreto, na verdade, regulamenta o dispositivo da lei e específica alguns agentes, inclusive de cargos comissionados, que podem ser delegatários dessa competência”, esclarece Vernalha.
O decreto de Mourão não alterou o artigo da LAI que estabelece que os ministros de estado precisam ratificar, no prazo de 30 dias, a classificação de uma informação como ultrassecreta. Em última análise, portanto, apenas o presidente e o vice-presidente da República, e os ministros de estado têm a palavra final sobre o sigilo de atos do governo.
“O decreto jamais poderia ter modificado a lei. Continua vigente essa restrição, a necessidade de ratificação quando feita por essas autoridades específicas”, lembra o advogado.
Repercussão
O decreto de Mourão causou reação de entidades que militam pela transparência na administração pública. Entidades como a Transparência Internacional e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo criticaram o decreto, temendo retrocessos na publicidade de atos do governo.
Já o procurador da República Helio Telho defendeu o decreto de Mourão nas redes sociais. O procurador lembrou que o decreto não delegou automaticamente os poderes para classificar informações sigilosas. “A delegação terá que ser feita por ato específico, formal, da autoridade com poder de conceder a delegação”, lembrou o procurador.
Para Vernalha, é preciso observar se haverá cautela na aplicação do decreto. “É muito uma questão de como essa via da delegação vai ser usada na prática”, explica. “Não existe motivo para pânico porque essa previsão no decreto é uma repetição do já consta na lei”, completa o advogado.
Mourão também se manifestou sobre o assunto no Palácio do Planalto. “Ultrassecreto não é o funcionário de nível mais baixo, só o ministro é que pode dar a classificação, o funcionário de nível mais baixo não vai colocar de ultrassecreto”, afirmou.
“Aqui no Brasil são raríssimas as coisas que são ultrassecretas – planos militares, alguns documentos do Itamaraty, alguns acordos firmados, muito pouca coisa”, completou.
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