A proposta de Temer para a reforma da Previdência tinha alguns exageros e lacunas. Mas as concessões que o governo e o relator da PEC 287 na Câmara têm feito a transformaram numa maçaroca, que vai se emaranhando mais e mais conforme diferentes categorias vão chiando ou promovendo quebra-quebras em Brasília.
O que não falta é asterisco na nova legislação. Há regra para homem, mulher, segurado do INSS, servidor, parlamentar, agricultor familiar, professor, policial. Haverá para as Forças Armadas. E para quem mais der uma pressionada.
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A “deforma” da Previdência está tão confusa (ainda vai piorar) que o sujeito que olhar para a regra de transição e conseguir calcular de imediato a data de sua aposentadoria deveria ter direito a um benefício especial só para si. Mas é melhor não dar ideia.
Vem nova reforma aí
Do ponto de vista das contas públicas, o impacto da reforma já está muito menor que o projetado a partir do texto original e tende a diminuir conforme a proposta “avance” no Congresso.
É claro que ao longo do tempo essa fatura será cobrada dos pagadores de impostos. Mas, como até para isso há um limite, a cada dia cresce a chance de que o próximo governo tenha de fazer novas mudanças na legislação previdenciária, para conter o aumento explosivo dos gastos com aposentadorias.
Não importa se é de esquerda, direita ou centro: a história nos mostra que, tão logo assume, o presidente da República se dá conta de que o déficit da Previdência é muito real e a cada ano avança mais sobre recursos que antes iam para outras áreas essenciais, como saúde, assistência social, educação, investimentos. FHC fez reforma, Lula também e Dilma Rousseff já anunciava a sua quando foi tragada pelo impeachment. Temer está tentando e seu sucessor provavelmente fará o mesmo.
Mais desigualdade
Mas a questão vai além da ruína das contas públicas. Na terra do quebra-quebra premiado, a reforma anunciada como “igualitária” está conseguindo a proeza de ampliar o sistema de castas da Previdência.
Em meio ao amontoado de exceções abertas – inclusive à força – por diferentes corporações, o que era para ser regra geral valerá apenas para a maioria desorganizada. Ou seja, para o trabalhador comum, aquele que não tem direito a aposentadoria especial e que não vai a Brasília protestar porque não tem estabilidade de emprego nem quer perder o seu, ainda mais quando sabe que há 13,5 milhões de brasileiros à procura de um.
É verdade que a idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres também valerá para os servidores públicos federais, após a devida transição. Mas a tendência é de que os contratados antes de 2003 mantenham direitos inacessíveis à massa, como aposentadoria equivalente ao valor do último salário e reajuste idêntico ao concedido ao pessoal da ativa.
Quanto aos servidores estaduais e municipais, houve tanto vaivém que só após aprovada a reforma (se aprovada) saberemos se estarão sob as novas regras ou não.
Aposentadorias especiais
Importantes categorias profissionais passam a ter tratamento ainda mais especial em relação aos comuns.
Policiais e professores, por exemplo, já podem se aposentar cinco anos mais cedo que a maioria da população pelas regras atuais. Eles têm lá suas razões. De toda forma, essa vantagem, que desaparecia no texto original, será mantida – e com novidades.
Para professores, a idade mínima será de 60 anos. Os policiais federais e civis e os agentes penitenciários, por sua vez, conseguiram um regime especial dentro do especial: poderão se aposentar aos 55, até dez anos antes que os profissionais não especiais e cinco anos mais cedo que professores.
É muito provável que a idade mínima de 55 anos seja estendida a policiais militares, bombeiros e Forças Armadas, que terão regras debatidas só após a eventual aprovação da PEC 287.
Há outro detalhe. O relator propôs idades mínimas diferentes para homens e mulheres na regra geral e também para agricultores familiares – no campo, as trabalhadoras poderão se aposentar aos 57 e os trabalhadores, aos 60. Mas não há diferenciação por gênero no caso de policiais e professores. Com que argumento?
Mais pobres
O que sobra é que a regra que mais prejudica os trabalhadores pobres continua em pé. O relator manteve o tempo mínimo de contribuição à Previdência em 25 anos, dez a mais do que exige a lei atual. É algo difícil de alcançar por quem passa boa parte da vida na informalidade. Pelo visto, faltou sindicato para defender os mais vulneráveis.