Depois de horas interrogando o empresário Emílio Odebrecht, o patriarca da empreiteira que leva seu nome, o procurador da República Sérgio Bruno Cabral Fernandes perdeu a paciência com o bom humor do delator e o tom de naturalidade como falava da corrupção impregnada no centro do poder.
Emílio comentava que, em seis anos, a conta que a Odebrecht fez para financiar campanhas eleitorais movimentou R$ 300 milhões. Os pagamentos eram negociados com os ex-ministros da Fazenda Guido Mantega e Antonio Palocci. Emílio disse que não sabia de detalhes do uso desse dinheiro, mas que desconfiava que não era destinado apenas para campanhas. Sérgio Bruno mandou ele “deixar de historinha, de conto de fada”. Disse que era “hora de jogar limpo”. O procurador acusou os dois ex-ministros de terem cometido corrupção.
“São 300 milhões que foram gastos sei lá com o que, seja com campanha, com santinho, com tempo de televisão, com marqueteiro, que podia ter sido construído escola, hospital e todo esse Brasil que o senhor sonha e quer viver. Esse dinheiro poderia estar lá. Então vamos agora deixar de historinha, de conto de fada, e falar as coisas como elas são. Está na hora da gente dizer a verdade, de como a coisa suja é feita. Não é possível um ministro da fazenda fique pedindo todo mês a um empresário. Isso não é admissível. Por mais que a gente esteja acostumado com isso, isso não é o correto e o senhor sabe disso”, disse o procurador, interrompendo o depoimento. “O Palocci e o Mantega, na qualidade de ministro, cada um em sua época, ao solicitar um valor a qualquer pessoa, cometeu o crime de corrupção. Sou obrigado a trazer o lado podre, o lado ruim”, concluiu.
LEIA MAIS: Odebrecht doou para “caixa oficial e não oficial” de FHC
No início da fala do interrogador, Emílio estava sorrindo e ao fim concordou com o discurso. Ao longo de todo o depoimento, dono da empreiteira falou de crimes sempre com leveza, como quem bate um papo com um amigo. Sérgio Bruno alertou para o fato de que não se pode disfarçar pagamento de propina como se fosse doação de campanha, para parecer um crime menor.
“Servidor público não pode pedir nada pra ninguém. Essa história de doação de campanha é uma desculpa para pedir propina em corrupção. Se um candidato quer pedir uma contribuição, ele tem que pedir, a empresa vai lá no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e registra. Pior ainda é quando é caixa dois ao longo de seis anos. Não tem campanha todo mês, todo ano. Isso é uma desculpa usada no dia a dia, mas agora é hora de jogar limpo. Não é possível que 300 milhões de reais pagos ao longo de 6 anos seja doação de campanha. Isso aqui, na nossa visão, é considerada propina, crime de corrupção. Quem fez doação de campanha não precisa estar sentado aqui como colaborador. Quem fez doação de campanha esta acobertado pela lei eleitoral. Qualquer servidor público que receba um real fora da lei é crime de corrupção”, disse o procurador.
Em seguida, Sérgio Bruno quis deixar as coisas mais claras quando o delator disse que não pagou os valores, mas autorizou que a “ajuda” fosse concedida ao PT. “Essa ajuda se chama propina, para o senhor saber. Se um guarda de trânsito parar o carro do senhor e pedir ajuda, o senhor vai achar q isso é ajuda? Ou vai achar que isso é uma propina? É correto isso?”, questionou o investigador.
Emílio então concorda que não é correto. Mas diz que costumava fazer esse tipo de pagamento para burlar a burocracia que existe no Brasil e impede o avanço das atividades econômicas. A partir desse ponto, o depoimento vira mesmo uma conversa repleta de clichês em prol da mudança no comportamento do brasileiro. O procurador pondera que não se pode usar o argumento da corrupção para justificar a corrupção. E conclama os empresários brasileiros a se unirem para se recusarem a adotar esse tipo de prática. Emílio garante que sua empresa mudou e que, agora, vai fazer uma mudança para mudar esse comportamento entre fornecedores e clientes. E diz que é preciso lutar pela reforma política. O procurador concorda: “Esse é o ponto. Se se consegue mobilizar ministro da Fazenda, presidente da República e uma penca de deputados pra aprovar uma Medida Provisória como é feito, porque não fazer essa mesma coisa pra fazer coisas legítimas, que interessam para o país?”, questiona o investigador.
Emílio, então, abre o coração e diz que algo o incomoda. Ele estava se sentindo injustiçado, porque a prática era generalizada e só ele estava enfrentando a Justiça. “Mas todos estão passando por isso”, consolou o procurador, já com a voz mais compreensiva. “Nem todos”, reclamou o empresário.
“Mas quem não está passando, ou vai chegar o momento, eu espero, ou talvez não vai ter essa oportunidade e vai sofrer as consequências disso. Como o Marcelo (Odebrecht) sofreu em parte, e não vai ser pior porque, felizmente, ele resolveu tomar essa opção que, ao meu juízo, é muito melhor. Não se trata de injustiça, o senhor tem bastante sorte de estar aqui. Porque quem não vislumbrou essa janela de oportunidade não vai estar sentado aqui. Vai estar amanhã onde o Marcelo está hoje, e por muito tempo. O senhor não se preocupe com os outros. É generalizado, e a gente está fazendo o máximo possível”, disse Sérgio Bruno.
LEIA MAIS: Odebrecht pressionou governo para editar MP da leniência, diz Emílio
O procurador concluiu dizendo que, depois das investigações da Lava Jato, Emílio vai poder atuar “num ambiente mais justo e com efetiva concorrência, onde o melhor ganhe, e não aquele que é amigo do presidente”. Mais calmo, o empreiteiro disse que ambos estavam “alinhadíssimos”. Mas que, para evitar que a burocracia impeça o crescimento do país, é preciso fazer a reforma política e administrativa. Aproveitou para dizer que o Ministério Público traz esperança para a sociedade, e que ele estava à disposição para ajudar a realizar as reformas das quais o país precisa.
Sérgio Bruno disse que o delator poderia ficar tranquilo, porque o Ministério Público estava fazendo a parte dele. E lembrou do projeto com as dez medidas contra a corrupção, enviado ao Congresso Nacional no ano passado. O procurador também reclamou com o novo confidente: disse que o projeto passou por várias comissões, mas depois foi desconfigurado.
“As dez medidas contra a corrupção é uma coisa que não cabe ao Ministério Público fazer, mas provocamos a sociedade pra fazer isso. Nós conseguimos chegar onde chegou, passar por comissões. Mas infelizmente aconteceu o que o senhor viu, deturparam toda a proposta, não é mais contra a corrupção, fizeram isso quando o país estava de luto por conta de um acidente aéreo. Daí você vê o nível de imoralidade que o nosso país vive, se valer de um acidente que comoveu o mundo para fazer isso sorrateiramente. A doença é mais grave do que a gente imagina”, comentou o procurador.
Câmara aprova regulamentação de reforma tributária e rejeita parte das mudanças do Senado
Mesmo pagando emendas, governo deve aprovar só parte do pacote fiscal – e desidratado
Como o governo Lula conta com ajuda de Arthur Lira na reta final do ano
PF busca mais indícios contra Braga Netto para implicar Bolsonaro em suposto golpe