As delações de executivos da Odebrecht, tornadas públicas na semana passada, mostram que não foi só a empreiteira que organizou um setor de Operações Estruturadas para lidar com o pagamento de propina. Os depoimentos demonstram que no governo federal e no Partidos dos Trabalhadores também haveria uma estrutura hierarquizada.
Na estrutura do PT, eram respeitadas ordens dos ex-presidentes Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, segundo os delatores. Mas a negociação de valores e pagamentos era feita por membros do primeiro escalão, como os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega, com acesso à conta-corrente junto à construtora. Na sequência, entravam o marqueteiro João Santana e o tesoureiro João Vaccari Neto, na redistribuição dos recursos.
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Os executivos da alta cúpula da Odebrecht detalharam seu envolvimento direto com os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff (PT). “A relação com a ex-presidente Dilma, principalmente a partir de 2008, passou a ser primordialmente comigo e essa sim uma relação direta. A relação direta com Lula nunca foi comigo, mas com Dilma sim”, contou Marcelo Odebrecht em um dos depoimentos. A relação com Lula, por outro lado, ficava a cargo do patriarca da empresa, Emílio Odebrecht.
Além dos chefes de estado, os delatores da Odebrecht tinham relação de proximidade com interlocutores do governo, como os ex-ministros Antônio Palocci e Guido Mantega. “Entre 2008 e 2015, os meus principais interlocutores para tratar de todos os assuntos relativos que eu tratava junto ao PT no governo federal eram Palocci,depois Guido Mantega”, conta Marcelo.
O executivo contou aos investigadores que nesse período a “conta corrente” de Palocci com a empreiteira chegou a acumular R$ 300 milhões. “Desses R$ 300 milhões teve dois momentos em que houve pedidos de contrapartida específica para dois pleitos, o resto entrava em uma relação ampla onde simplesmente ia se negociando valores em função de uma agenda grande que a gente tinha com eles”, contou.
Primeiro escalão
Além de Palocci e Mantega, outros ministros do primeiro escalão do governo federal atuaram como interlocutores do partido e a Odebrecht. Um deles foi o ex-chefe de gabinete do ex-presidente Lula, Gilberto Carvalho. Segundo o executivo Alexandrino Alencar, seu contato com Lula era intermediado por Carvalho.
O ex-ministro Paulo Bernardo também é apontado como intermediador da relação entre os executivos e Lula. O contato com Paulo Bernardo tinha relação com uma linha de crédito para financiamento à exportação de bens e serviços entre Brasil e Angola.
“Nesse caso específico foi uma negociação que ocorreu em 2009 e se concretizou em 2010, de um aumento da linha de crédito. Essa linha de crédito acabou sendo fechada em R$ 1 bilhão. No meio dessa negociação, o Paulo Bernardo, que foi indicado pelo Lula para tratar desse assunto, pediu então pra mim R$ 40 milhões para que essa linha de crédito fosse para R$ 1 bilhão”, disse Marcelo.
Já Emílio diz ter tratado com o ex-ministro Jacques Wagner a aprovação de uma medida provisória que promovesse mudanças no programa de acordos de leniência, em 2015. O patriarca menciona uma reunião com o ex-ministro para tratar do assunto, junto com o executivo Claudio Melo Filho. Apesar da medida provisória ter sido editada como a Odebrecht queria, não foi convertida em lei.
Campanha
A maior parte dos valores pagos pela Odebrecht foram usados em campanhas eleitorais, segundo os delatores. Foi inclusive a contribuição para campanhas eleitorais que deu origem à conta corrente da empreiteira com Palocci, segundo Marcelo.
“Eu tinha acabado de assumir como vice-presidente da Odebrecht, estava negociando na época com o Palocci a questão do Refis da crise e aí veio o pedido de apoio a contribuições nas eleições municipais de 2008, que eu não tenho certeza qual era, mas eu sei que eram via João Santana. Então esse pedido veio para atender R$ 18 milhões. Eu disse a Palocci na época que eu não tinha interesse e não me envolvia em campanhas municipais, mas a gente acabou combinando que esse valor viria a ser descontado do valor que eu viria a acordar para a campanha de 2010. Ou seja, era um valor que para mim era campanha 2010 e ele usaria como quisesse”, disse.
“Com o Guido eu tinha R$ 50 milhões. Ele começou a usar quando ele assumiu essa interlocução depois que Palocci saiu da Casa Civil, aí ele começou a pedir esses R$ 50 milhões para João Santana, para gastos, para revista, para Haddad, para Vaccari”, contou Marcelo sobre a conta corrente administrada pelo ex-ministro Guido Mantega.
Parte dos valores destinados a campanhas eleitorais era repassada ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e outra ao marqueteiro João Santana. “Muitas vezes meus interlocutores, Guido e Palocci, pediam ‘dê um conforto a João Santana, que ele vai ter o recurso que eu já combinei com você’, então a gente dava esse conforto a ele”, conta Marcelo.
O executivo, porém, diz que a negociação nunca era feita com Vaccari ou Santana – sempre com os interlocutores do governo. “Se eles tinham alguma necessidade eles pediriam ao Guido ou a Dilma e aí vinha um pedido do Guido ou da Dilma”, diz.
Outro lado
Após a divulgação das delações da Odebrecht,quase todos os envolvidos negaram a prática de irregularidades. O Instituto Lula divulgou nota dizendo que o ex-presidente não tem relação com qualquer planilha. O advogado de Palocci e Mantega tratou os depoimentos com “ilações”. A ex-presidente tratou como “mentirosa” a menção a seu nome em negociações com Marcelo Odebrecht.
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