Os Correios podem ser a próxima estatal na mira do governo federal a ser privatizada. A empresa já vem adotando medidas de corte de custos para tornar seus números mais atraentes ao mercado, como processos de desligamentos voluntários, e agora estuda o fechamento de agências, que resultará em demissões de funcionários. Neste ano, a empresa já não deve mais conseguir manter-se no azul e é uma bomba-relógio para o presidente Michel Temer desarmar. Mas privatizar – ou reduzir a participação do governo – não é tarefa fácil.
Neste final de semana, após vazamento de planos da empresa de fechar 513 agências e demitir milhares de funcionários em todo o país, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos admitiu que estão em estudos formas de sanear a empresa e buscar “racionalização de custos”, segundo nota, para tornar a empresa “mais ágil, competitiva e sustentável, gerando não apenas benefícios para a sociedade como também resultados para o seu acionista controlador: o Tesouro Nacional”.
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“A empresa vem realizando estudos pormenorizados de readequação de sua rede de atendimento, o que inclui não apenas a sua rede física de atendimento como também novos canais digitais e outras formas de autosserviços”, afirmou a empresa. “As conclusões alcançadas pelos estudos necessários a este projeto somente serão divulgadas após a exaustiva avaliação interna dos Correios e externa pelos órgãos competentes, processo este ainda em curso”, afirmou o presidente interino, Carlos Fortner, em nota.
O governo federal evita falar sobre o assunto e dizer a posição atual do tema. A Presidência da República encaminhou o pedido de informação para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, que inicialmente pediu para que o questionamento fosse encaminhado aos Correios, e depois respondeu que o saneamento financeiro e eficiência operacional dos Correios são importantes, mas ressaltou o “papel estratégico das operações desempenhadas pela empresa”. “Esforços nesses sentido vêm sendo empreendidos por sua atual gestão, e são acompanhados pelo órgão, que debate no âmbito governamental soluções para a empresa”, afirmou a pasta à Gazeta do Povo.
Déficit financeiro
O rombo na contabilidade dos Correios é grande e já está mapeado pelo governo. Em dezembro de 2017, a Controladoria Geral da União (CGU) publicou relatório apontando que de 2011 a 2016 a empresa teve uma piora nas suas contas, com prejuízos desde 2013. Isso corroeu o patrimônio da empresa, que caiu quase 93% no período.
Sem gerar receitas suficientes para cobrir seus gastos, a partir deste ano a empresa corre o risco de se tornar dependente do Tesouro Nacional, passando a precisar de aportes financeiros no Orçamento – ou seja, utilizando recursos que deveriam ir para outras áreas, como saúde e educação.
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Essa situação não deveria fazer sentido em um ramo de negócios que presta serviços necessários para a população e que cobra por tais serviços (em vários países o correio é privado ou parcialmente privado). Muito menos para uma empresa que detém monopólio de alguns tipos de serviço, obrigando que o consumidor pague o preço que for estipulado.
Excesso de reclamações
Se tivesse concorrência, possivelmente a empresa teria de rever seus custos, podendo baixar seus preços para atrair clientes. Segundo levantamento do site Reclame Aqui, os Correios tem uma avaliação geral de “Não Recomendação”. Nos últimos 12 meses, segundo o site, de todos que reclamaram, apenas 26,5% voltariam a fazer negócio com os Correios. A empresa recebeu 61,7 mil reclamações no período, a maioria atraso na entrega, qualidade do serviço prestado e demora na execução.
O advogado Dauro Dória, que em 2009 atuou em um dos mais importantes casos no Supremo Tribunal Federal (STF), que questionava a extensão do monopólio dos Correios, destaca que a empresa precisa se modernizar, ao invés de lutar por privilégios.
“Os Correios são ineficientes e o uso dos seus serviços está diminuindo no mundo todo. Eles precisam se reinventar. Tem de entender que eles não podem ter privilégio para tudo, tem de concorrer. Você tem uma entidade ineficiente e acostumada a ganhar dinheiro sem fazer nada [pela maior concorrência]. Se tem o monopólio, para que vou ser eficiente”, analisa o advogado.
Gastos com pessoal e ingerência política
Segundo a CGU, os principais fatores que impactaram negativamente nas contas dos Correios, levando a prejuízos seguidos, são os gastos com funcionários. O gasto com pessoal aumentou 62,61% em 2016, e o gasto com benefícios pós-emprego (aposentados, entre outros) teve um salto de 345%. Outros gastos também impactaram os resultados negativos, como a aquisição de insumos, que cresceu 180%.
A empresa também foi vítima de uso político. Segundo a CGU, de 2011 a 2013 (anos da gestão da presidente Dilma Rousseff), os Correios repassaram ao Tesouro Nacional R$ 2,97 bilhões a título de “dividendos e juros sobre capital próprio”, para engordar as contas públicas mesmo em 2013, quando a empresa registrou prejuízo.
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De outro lado, a “Receita Líquida de Vendas e dos Serviços” subiu apenas 6,34% em 2016, bem abaixo do que o aumento médio anual do “Custo dos Produtos Vendidos e dos Serviços Prestados”, de aproximadamente 11,34%. Ou seja, a despesa subiu mais que a receita, corroendo patrimônio da empresa.
Dificuldades para privatizar
Mesmo dentro do governo, a visão é de que é muito difícil que o governo consiga privatizar os Correios este ano. Até mesmo o fechamento de agências não-lucrativas e demissão de funcionários pode ser algo impossível em 2018, com eleições pela frente. Um caso muito mais urgente e já com andamento avançado, a privatização da Eletrobras é um processo que coloca em questão a capacidade do governo de conseguir que a base no Congresso apoie o projeto.
Uma operação para privatizar ou tornar misto o capital dos Correios deve sofrer grande oposição no Congresso, mesmo entre aliados de Temer, preocupados com as eleições de outubro. Além disso, uma mudança no monopólio postal de diversos serviços prestados pelos Correios dependeria de alterações legais, que teriam de ser aprovadas pelos parlamentares, algo considerado improvável até mesmo dentro do Ministério das Comunicações.
No ano passado, o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chegou a aventar possibilidades para resgatar a empresa, como uma abertura de capital na Bolsa de Valores ou uma privatização. Mas nenhum passo foi dado pelo governo para iniciar um processo de desestatização dos Correios. A publicação de um decreto colocando os Correios na lista do Programa Nacional de Desestatização (PND) permitiria a realização de estudos econômicos para ver as opções e valores que poderiam ser revertidos, e isso nunca aconteceu.
Em setembro de 2017, Meirelles disse que privatizações dos serviços de correios ocorreram em outros países, com sucesso. Ele afirmou que cada vez mais empresas privadas fazem parte do mercado de encomendas pelo mundo, inclusive empresas internacionais.
Bons exemplos pelo mundo
Pelo mundo, a saída do governo do controle de empresas de correios não é uma tarefa fácil, com defensores de que a atividade tem grande papel social, com atuação em localidades que não seriam atendidas por empresas privadas por falta de interesse comercial. Em 2013, os Correios de Portugal (CTT) começaram um processo de privatização, vendendo na bolsa de valores ações da empresa. O processo demorou um ano para ser concluído, com as vendas de ações sendo feitas em três operações até diluir completamente a parcela estatal.
Outro exemplo é o do serviço alemão de correios. O Deutsche Post foi privatizado em 2000, mas o governo alemão detém ações da empresa. No Reino Unido, o Royal Mail é uma empresa publica limitada, após alterações nas leis em 2011, e o governo local ainda mantém ações da empresa. Nos Estados Unidos, o serviço postal é prestado por um braço governamental independente, inclusive financeiramente, mas público.
O debate sobre a abertura do mercado de encomendas e serviços postais no Brasil já é questionado há mais de uma década. Em 2009, a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição ingressou no STF pedindo que as empresas transportadoras privadas pudessem entregar encomendas, ressaltando que isso já ocorria na prática, apesar de uma lei tipificar como crime a prestação desses serviços por empresas privadas, com previsão de pena de detenção e multa.
Na época, o STF definiu que o crime só ocorreria se fosse transportado item de distribuição exclusiva dos Correios, que são cartas, cartão-postal e de correspondência agrupada, e delimitou quais produtos e serviços de fato se enquadravam no monopólio.
Dauro Dórea, advogado responsável pela defesa das empresas distribuidoras, relembra que o atual ministro do STF Luís Roberto Barroso foi contratado por sua banca para fazer a sustentação oral. O caso resultou em ganho favorável às empresas, apesar de tentativas dos Correios de aumentar a gama de serviços com monopólio. O caso teria sido um “divisor de águas”, na visão de Dórea, por permitir que seja considerado correspondência e consequente monopólio postal apenas cartas com conteúdo sigiloso entre as partes, eliminando previsão de crime para outros casos.
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