As duas denúncias criminais apresentadas contra o presidente Michel Temer monopolizaram as atenções dos parlamentares por meses e forçaram o governo a gastar boa parte do capital político que seria utilizado para aprovas outras reformas, como a da Previdência. Esse desgaste beneficiou diretamente um grupo em especial: o funcionalismo público federal. Em dezembro próximo completa um ano da apresentação da proposta de reforma previdenciária, que até agora não foi votada.
Depois de tanto desgaste, o governo não tem mais base no Congresso para votar uma reforma completa, que atinja também os servidores, e poderá ter de optar por alterar apenas a idade mínima e o tempo de contribuição, sem alcançar o funcionalismo. Mudanças que retiram parte dos benefícios dos servidores foram anunciadas pela equipe econômica, em agosto, mas ainda não saíram do papel. Somente agora essas medidas serão enviadas ao Congresso.
O Ministério do Planejamento informou à Gazeta do Povo que as medidas de redução dos benefícios do funcionalismo estão mantidas, pois “precisam ser efetivadas para a garantia do equilíbrio fiscal”. A maioria delas deverá sem encaminhada ao Congresso como projeto de lei, que tramitará por comissões e depois será votada nos plenários da Câmara e do Senado, em um longo processo.
As minutas desses projetos estão na Casa Civil “para avaliação e encaminhamento”, apesar de o anúncio dessas medidas ter sido feito há mais de dois meses. Uma das mudanças, a reestruturação de carreiras, ainda está em construção, afirmou o Ministério do Planejamento.
A demora e o processo escolhido evidenciam a falta de empenho do governo em realizar tais mudanças. O ideal seria tratá-las por meio de Medidas Provisórias (MPs), com menor chance de serem desfiguradas pelos parlamentares. Por projetos de lei, elas ficarão mais suscetíveis a sofrerem modificações que agradem os servidores.
Entre as medidas propostas pelo governo estão aumento da contribuição previdenciária dos servidores, de 11% para 14%; postergação de reajustes em 2018; e reestruturação das carreiras, com mais degraus e piso salarial de no máximo R$ 5 mil.
Reforma enxuta e chances de servidor escapar
Representantes do governo afirmam que a reforma da Previdência será retomada em novembro, com ênfase na idade mínima de aposentadoria, de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, e na definição de um tempo de contribuição mínimo de 25 anos.
No Congresso, alterar a idade de aposentadoria dos trabalhadores brasileiros será a prioridade, ficando em segundo plano a alteração dos benefícios dos servidores públicos, apesar da disposição em contrário do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que prometeu atacar os privilégios do funcionalismo.
“Reforma da Previdência e mudanças no serviço público não podem vir juntas, e a reforma deve vir primeiro”, afirmou deputado ligado à base de Michel Temer, que não negou que as mudanças que afetam o serviço público possam ser pautadas no Congresso no próximo ano.
Mas, como 2018 é ano de eleições, dificilmente os parlamentares, que estarão buscando a reeleição, conseguirão reduzir benefícios do funcionalismo federal, empurrando essa pauta para o próximo governo.
Essa era a intenção de partes das corporações. O presidente da Câmara criticou aqueles que tentam enterrar a reforma da Previdência, citando os servidores públicos. "Temos um sistema previdenciário deficitário. As despesas crescem na ordem de R$ 50 bilhões, R$ 60 bilhões por ano. É o maior programa de transferência de renda dos pobres para os ricos, principalmente no serviço público. É preciso reformar a Previdência para acabar com privilégios. Não se pode fugir. Tem que ter coragem”, disse.
Maia afirmou ainda que a nova proposta de reforma que deverá ser encampada agora trará “apenas o fundamental”, que é a idade mínima. “A reforma do serviço público não é uma pauta contra o Brasil e o brasileiro, mas é para salvar o país", afirmou.
Demora é preocupante
A demora em realizar a reforma da Previdência e também seu enxugamento são preocupantes. Segundo relatório do banco Credit Suisse, entre a proposta enviada pelo governo em dezembro de 2016 e o que foi aprovada pela comissão especial em maio de 2017, a redução do benefício para a Previdência Social com as mudanças já seria de 45%. A economia em pagamento de benefícios com o projeto original seria de R$ 921 bilhões entre 2018 e 2027, a preços de 2016. O substitutivo aprovado na comissão especial reduziu a economia em R$ 417 bilhões.
Quando o governo federal apresentou a proposta de reforma da Previdência, em dezembro de 2016, os servidores federais começaram a fazer a conta e perceberam que a mudança proposta, em alguns casos, aumentaria em até uma década o tempo de trabalho que teriam de cumprir para se aposentarem.
Através de sindicatos e associações, eles iniciaram a mobilização contra a reforma. A divulgação dos áudios gravados por Joesley Batista com o presidente Michel Temer foi comemorada por grupos de servidores, que afirmavam que o episódio tinha “ferido de morte” as reformas de Temer.
Em maio, quando a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287 foi aprovada em comissão especial, o governo acreditava ter apoio de número suficiente de deputados para aprová-la em plenário. Agora esse capital político foi gasto para livrar Temer das duas denúncias e dificilmente o governo conseguirá esse apoio novamente.
Na apresentação da primeira denúncia pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot, a tropa do governo chegou a dizer que se tratava de uma tentativa das corporações públicas e sindicais em preservar seus benefícios. “Isso foi uma ação corporativa violenta [do Ministério Público e do Judiciário] contra um presidente da República”, afirmou à época do deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS).
Dentro dos órgãos dos Três Poderes, servidores iniciaram movimentos de resistência contra a agenda de reformas, agindo por meio de entidades sindicais para minar o governo e evitar que as reformas fossem aprovadas, em especial a da Previdência.
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