Na quarta-feira (10) Curitiba será palco do primeiro embate direto entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o juiz federal Sergio Moro, responsável pela condução da Operação Lava Jato no Paraná. Moro vai interrogar Lula no processo que acusa o ex-presidente de corrupção e lavagem de dinheiro através da compra e reforma de um tríplex no Guarujá, litoral de São Paulo.
O encontro, porém, tem como pano de fundo questões que vão além do processo em que o ex-presidente é réu e Moro, o condutor das investigações. Questões ideológicas, jurídicas e políticas se misturam ao avanço da Lava Jato e se intensificaram à medida que as investigações se aproximavam de Lula.
Exemplo disso são as manifestações previstas para ocorrer no dia do interrogatório em Curitiba. O PT promete trazer milhares de pessoas em caravanas para apoiar o ex-presidente. Do outro lado, manifestantes contrários ao líder petista também já começaram a chegar à Curitiba para manifestações a favor da operação.
O encontro promete ser tenso e a Polícia Federal (PF) chegou a pedir que Moro adiasse o depoimento, previsto inicialmente para o dia 3 de maio, para ter mais tempo de preparar um esquema de segurança. O pedido foi endossado pela Secretaria de Segurança Pública do Paraná e acabou sendo aceito por Moro, mesmo com a oitiva de Lula tendo sido agendada com 60 dias de antecedência.
O ex-presidente será o último a ser ouvido no processo e a tensão não deve se concentrar apenas do lado de fora da Justiça Federal, onde grupos pró e contra Lula farão suas manifestações. Ao longo das audiências do processo – que começaram no final do ano passado – tornou-se comum o embate pesado entre os advogados de defesa do ex-presidente e o magistrado.
O processo em que Lula será ouvido é relativamente simples e o jogo parecia ganho para a defesa até o final de abril, já que várias testemunhas – inclusive de acusação – colocaram em dúvida a posse do tríplex em questão. O depoimento do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, porém, causou uma reviravolta no caso. O executivo, que tenta firmar acordo de delação premiada, confirmou a Moro que o imóvel era do ex-presidente.
Antes do depoimento de Pinheiro, a defesa de Lula tinha concedido uma coletiva de imprensa para informar que o processo envolvendo o tríplex no Guarujá que tramitava na Justiça Estadual de São Paulo havia chegado ao fim com a absolvição sumária dos réus – inclusive de Léo Pinheiro. Lula não era réu no processo, mas a decisão de São Paulo mostrava que o processo em Curitiba também podia chegar ao final sem condenação.
Dias depois do depoimento de Pinheiro, Lula falou em um evento do PT que deseja depor logo no processo para se defender de “viva voz”. “Vou prestar quantos depoimentos necessários. Mas tenho que ser tratado como os outros, mas não estou sendo. Estou sendo tratado pior que os outros. Nem vou mostrar as costas para não verem as chibatadas que levei”, disse Lula.
Guerra de comunicação
A declaração de Lula no evento do partido mostra a estratégia do ex-presidente para combater a Lava Jato. Lula aposta em uma guerra de comunicação para frear o avanço das investigações, adotando discursos de cerceamento de defesa e perseguição política. A defesa de Lula chegou a apelar para órgão internacionais, como a ONU, alegando inclusive violação dos direitos humanos.
“Ele vai tentar criar um palanque de todo jeito”, diz o cientista político da PUC-PR Mario Sergio Lepre. “Ao criar a lógica da perseguição você está desqualificando as instituições do país, e isso é péssimo”, alerta. Para o especialista, falta no Brasil uma consciência de República em casos como esse. “Não interessa quem você é, interessa que a lei tem que ser cumprida”, diz.
O discurso da perseguição política da Lava Jato contra o PT, porém, perdeu força a partir das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) de soltar importantes presos da operação, como o ex-ministro José Dirceu (PT) e o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo pessoal de Lula. “Esse discurso não se sustenta pela própria prisão do [ex-deputado] Eduardo Cunha (PMDB), por exemplo”, reforça Lepre.
Mas decisão do Supremo não prejudica somente a tese de perseguição política de Lula. Por outro lado, também abre precedente para que outros políticos presos em caráter preventivo sejam soltos nas próximas semanas. A própria soltura de Dirceu representou um revés para a força-tarefa, que apresentou horas antes uma nova denúncia contra o ex-ministro.
A batalha também é travada no âmbito judicial. A defesa do ex-presidente, ao arrolar as testemunhas de defesa de outro processo, envolvendo a compra de um terreno pela Odebrecht para a construção de uma nova sede do Instituto Lula, chegou a selecionar 87 nomes para serem ouvidos por Moro.
Apesar de protestar por causa do exagero, o juiz aceitou ouvir as testemunhas, mas determinou que Lula estivesse presente em todas as audiências – decisão que foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) na última quinta-feira (4).
O discurso de perseguição e tratamento diferenciado dado pela Lava Jato acaba dando força ao discurso de pré-campanha do ex-presidente. Em uma série de entrevistas realizadas em rádios no Nordeste analisadas pela Gazeta do Povo, o petista já fala como candidato ao fazer propostas, relembrar conquistas feitas durante seus anos de governo e criticar os rumos da gestão Michel Temer (PMDB). Lula já afirmou que “se for necessário” e “se o PT precisar”, será candidato à Presidência em 2018.
“No que diz respeito ao discurso político, ele é expert nisso. Mesmo que os fatos o contrariem, a narrativa dele vai ser no sentido de construir algo no sentido de que ele é o grande libertador do Brasil”, analisa Lepre. “Ele praticamente construiu sua vida política em cima de um populismo”, lembra o cientista político.
Lula corre risco de ficar inelegível?
O cenário para as eleições em 2018 ainda é nebuloso e pode sofrer diversas alterações, principalmente em função dos desdobramentos da Operação Lava Jato, que pode bagunçar ainda mais o campo político nos próximos meses. “Todos os envolvidos na Lava Jato estão mal politicamente, com exceção do Lula”, observa o cientista político.
Outro fator que deve ser levado em conta é a possibilidade de Lula acabar ficando inelegível para a disputa. A Lei Ficha Limpa determina que o candidato só é inelegível após uma condenação em segunda instância, por decisão colegiada – no caso da Lava Jato, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Um levantamento realizado pela Gazeta do Povo no início de abril mostrou que o TRF4 levava em média 13 meses para analisar as sentenças de Moro.
Se for realmente condenado por Moro em junho - nessa projeção, com rapidez e “passando na frente” de outros processos que aguardam sentença - e a média de tempo para condenação na 8ª Turma do TRF4 prevalecer, em julho do ano que vem, período em que começam as convenções partidárias, Lula já estaria inelegível e não poderia concorrer. O registro das candidaturas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ocorre até o dia 15 de agosto.
Depois de mais um julgamento pela turma do TRF4, ainda em abril, a média saltou para 16 meses. Nesse caso, Lula só ficaria inelegível depois das eleições, entre outubro e novembro de 2018. Nessa situação, poderia assumir o mandato mesmo com a confirmação de uma eventual sentença.
O julgamento no TRF4, porém, pode não seguir a média. Para se ter uma ideia, o caso que foi a julgamento mais rápido em segunda instância demorou apenas sete meses entre a sentença de Moro e a confirmação da pena pela 8ª Turma. O caso mais longo, porém, levou 21 meses.
Se Lula for eleito, o que acontece com a Lava Jato?
Se conseguir driblar a ilegibilidade e concorrer à Presidência da República no ano que vem, Lula pode ter chances de se eleger. O petista tem aparecido com vantagem na maioria das pesquisas de intenção de votos para 2018 realizadas no país. Na última, divulgada pelo Datafolha na última terça-feira (2), Lula lidera todos os cenários para o primeiro turno e nas simulações de segundo turno só é alcançado por Marina Silva (Rede) e Sergio Moro, com quem empataria em uma disputa direta.
Lepre, porém, afirma que o cenário não é tão favorável quanto parece ao ex-presidente. “É uma vantagem aparente, porque a campanha é muito complicada e em um segundo turno a rejeição dele é muito alta”, alerta o cientista político.
Depois da divulgação dos acordos e depoimentos de executivos da Odebrecht começaram a circular em Brasília boatos sobre tentativas de livrar os políticos envolvidos nas acusações. Chegou-se a falar, inclusive, em um “acordão” entre políticos do alto escalão para amenizar os efeitos políticos da Lava Jato.
Um passo importante nesse sentido foi a aprovação no Senado, recentemente, do projeto de lei de abuso de autoridade – duramente criticado pelos investigadores da Lava Jato. O projeto criminaliza, por exemplo, o uso de conduções coercitivas – recurso bastante utilizado na operação.
Caso assuma a Presidência da República, os processos contra Lula seriam paralisados, já que ele só poderia responder por atos referentes ao mandato presidencial. O petista, assim, escaparia da mão pesada de Moro. O grande temor, porém, é a consequência para as investigações como um todo caso o ex-presidente volte ao cargo no futuro.
Para Lepre, um eventual governo Lula ainda é uma incógnita, mas poderia ter consequências “tenebrosas”. “O Lula de 2002 foi o Lula da Carta aos Brasileiros. Em 2018 é algo que não se sabe aquilo que viria de um governo Lula”, explica.
O cientista político alerta para um possível desmonte da Lava Jato nesse cenário. “Um presidente eleito popularmente tem uma força significativa. Você pode, como presidente, articular e com o tempo ir destruindo esse mecanismo que a sociedade foi construindo e que faz com que você tenha um modelo institucionalizado de demandas políticas”, alerta Lepre. “É um processo muito demorado, mas hoje olhando para o Lula eu tenho muito receio, porque ele tem essa lógica antirrepublicana”, completa.
Por outro lado, a Lava Jato conta com amplo apoio popular e parece saber usar esse ingrediente a seu favor. Manifestações a favor da operação já foram realizadas em diversas ocasiões, sempre com público significativo nas ruas. Outro ponto a favor da operação é o projeto de lei aprovado pelos senadores recentemente, que acaba com a prerrogativa de foro para políticos – incluindo ministros. De acordo com o projeto, a prerrogativa de foro seria mantida apenas para presidente da República e presidentes da Câmara e do Senado.
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