A desigualdade socioeconômica das regiões Norte e Nordeste em comparação com Sul e Sudeste é um problema que parece estar cristalizado no país. O índice da Firjan que mede o desenvolvimento dos municípios mostra que, nos últimos dez anos, poucas cidades das regiões Norte e Nordeste conseguiram entrar para o grupo dos mais desenvolvidos. E pior: continuam concentrando a grande maioria dos 500 municípios menos desenvolvidos do Brasil. Trata-se de um problema histórico que, mesmo após alguns avanços nos últimos anos, acabou agravado pela última recessão econômica. Sobrará para os novos governantes a missão de tentar reduzir – nem que seja um pouco – essa adversidade enraizada.
O Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), divulgado em junho com base em dados de 2016, mostra que a desigualdade socioeconômica entre as regiões do país é um problema que persiste há décadas. O Sul continua como a região mais desenvolvida, tendo 98,8% dos seus municípios classificados com desenvolvimento moderado ou alto, apenas 1,2% classificados como regular e nenhum município em baixo desenvolvimento.
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A Região Sudeste tem perfil semelhante, com 92,9% dos municípios classificados com desenvolvimento alto ou moderado e também nenhuma cidade com baixo desenvolvimento. O Centro-Oeste alcançou o “padrão Sul-Sudeste” em 2014 e, desde então, tem apresentado bons números. No último levantamento, teve 92,4% dos municípios com desenvolvimento moderado ou alto e nenhuma cidade com baixo desenvolvimento.
Norte e Nordeste concentram municípios com os piores índices de desenvolvimento
Já quando o retrato é das regiões Norte e Nordeste, o cenário é o oposto. Norte e Nordeste têm, respectivamente, 60,2% e 50,1% dos seus municípios classificados com desenvolvimento regular ou baixo e juntos respondem por 87,2% do total de municípios nessas classificações. O índice conta com quatro categorias: baixo, regular, moderado e alto. “Baixo” e “regular” são as duas piores classificações de desenvolvimento socioeconômico, segundo o levantamento.
O ranking dos municípios mais desenvolvidos do país, também presente no índice Firjan, é outro indicador que escancara o problema da desigualdade socioeconômica. Dos 500 municípios melhores colocados, 91% estão nas regiões Sudeste e Sul. A maioria é de São Paulo (40%), Rio Grande do Sul (18%) e Paraná (12%). Já o Nordeste tem apenas oito representantes na lista (sete do Ceará e um do Piauí), ou seja, 1,6% do total. O Norte conta apenas com um: Palmas, capital do Tocantins. O Centro-Oeste conseguiu aumentar sua participação nos últimos dez anos, saltando de 2,4% em 2006 para 7% em 2016.
INFOGRÁFICO: Confira os números da desigualdade entre regiões do país
Quando viramos a tabela para baixo, o predomínio é das regiões Norte e Nordeste. Entre os 500 municípios menos desenvolvidos do Brasil, 68% estão no Nordeste e 28% no Norte. Os estados da Bahia (34%), Maranhão (20%) e Pará (13%) tiveram a maior quantidade de representantes. A região Sudeste tem apenas 2,6% dos municípios na lista dos piores, o Centro-Oeste,1% e o Sul, nenhum.
As regiões Norte e Nordeste concentram 96,4% dos 500 municípios menos desenvolvidos do país. E praticamente não houve mudança numérica nos últimos dez anos (2006-2016). Em 2006, o percentual era de 96%. “O único movimento observado nessa década foi uma redução de municípios do Nordeste e aumento dos municípios da região Norte entre os menos desenvolvidos. Bahia e Piauí conseguiram retirar, respectivamente, cada um, 35 e 15 municípios desse grupo, ao passo que Amazonas (17) e Pará (14) foram os estados do Norte que mais incluíram municípios entre os 500 menores”, destaca o relatório da Firjan.
Causas da desigualdade regional
As causas da desigualdade regional socioeconômica são históricas. Há problemas crônicos nas áreas de educação, saúde, infraestrutura básica, segurança e acesso a oportunidades (isso sem entrar no tema corrupção). Obstáculos que outras regiões também enfrentam, mas que são maiores no Norte e Nordeste, que continuam muito distante do que a Firjan chamada de padrão “Sul-Sudeste” de desenvolvimento.
Norte e Nordeste sofrem com a baixa escolaridade da população, principalmente nas áreas de sertão. Em 2016, o número médio de anos de estudo dos brasileiros de 25 anos ou mais foi de 8 , segundo o IBGE. Nordeste e Norte ficaram abaixo da média nacional, com 6,7 anos e 7,4 anos respectivamente.
A maior taxa de analfabetos está no Nordeste. A região tem 14,8% dos 11,8 milhões de brasileiros que não sabem ler e escrever, percentual quase quatro vezes maior do que as taxas do Sudeste (3,8%) e do Sul (3,6%). Já na região Norte, a taxa foi de 8,5%. A meta do Plano Nacional de Educação (PNE), que previa a redução do indicador de analfabetismo para 6,5%, só foi alcançada pelas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, segundo os últimos dados do IBGE.
O índice Firjan de desenvolvimento na área de educação mostra, ainda, que Norte e Nordeste são responsáveis por 98,7% dos municípios do país com níveis mais baixos de desenvolvimento. O índice analisa dados de 2016 sobre acesso à educação infantil, abandono do ensino fundamental, distorção idade-série no ensino, média de horas-aula diárias e formação dos docentes.
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O acesso à saúde de qualidade é outro grande problema crônico. O índice Firjan que mede o desenvolvimento dos municípios na área releva que a região Norte tem 32,3% das cidades com nota regular ou baixa. No Pará, esse percentual chegou a 53,8% (77 dos 143 municípios analisados). Na Região Nordeste, 24,4% dos municípios ficaram nessa situação, com destaque para Maranhão (54,8%) e Bahia (51,8%), onde mais da metade de seus municípios apresentaram níveis baixos de desenvolvimento em saúde. O indicador analisou dados de 2016 sobre atendimento pré-natal, óbitos infantis e internação sensível à atenção.
Há, ainda, a falta de infraestrutura básica, o que dificulta a atração de investimento e mão de obra qualificada. Segundo o último dado do IBGE, Norte e Nordeste permanecem abaixo da média nacional em abastecimento de água, esgoto sanitário e coleta de lixo.
Outro empecilho é a renda. A população do Norte e Nordeste teve em 2017 os menores rendimentos médios mensais per capita, sendo, respectivamente, de R$ 1.541 e R$ 1.429, enquanto a média brasileira é de R$ 2.112. O índice Gini, que mede a disparidade de renda entre os habitantes, é também mais alto no Norte e no Nordeste.
Crise de 2014 piorou e dificultou o combate à desigualdade
Mesmo com tantos números ruins, os dados vinham melhorando nas últimas décadas – mesmo que ainda insuficientes para diminuir a desigualdade entre regiões. Só que a recessão econômica de 2014 interrompeu esse ciclo de melhora das condições sociais.
“Você tem uma tendência de regiões mais pobres crescerem mais fortes que regiões mais ricas. É o que chamamos de processo de convergência. Isso começou a acontecer a partir do início da primeira década deste século, mas essa tendência foi, pelo menos, parada mais recentemente por causa da crise [econômica]”, explica o diretor da FGV Social Marcelo Neri. “De um lado essas regiões [Norte e Nordeste] são mais dependentes de transferências publicas. [E essa transferência de recursos] certamente foi contida pelo aumento da crise fiscal”, completa.
A Firjan destaca, no relatório, que a crise fez com que o desenvolvimento dos municípios brasileiros regredisse três anos no tempo. Só em relação ao mercado de trabalho formal, a recessão custou mais de uma década de desenvolvimento. “O país levou sete anos para incluir 103 municípios no grupo dos que possuem desenvolvimento alto ou moderado na vertente Emprego e Renda, contudo, em apenas três anos a crise conseguiu retirar 936 municípios dessa categoria.”
A analista de Estudos Econômicos do Sistema Firjan Anna Carolina Gaspar afirma que a crise atingiu quase que “igualmente” todas as regiões do país. Mas, como o Norte e Nordeste já estão historicamente defasados, a crise acentuou a disparidade e o desafio para reduzir o ‘gap’ para o Sul-Sudeste.
Desafios para os novos governos
Apesar dos inúmeros problemas, ainda é possível reduzir a desigualdade socioeconômica do Norte e Nordeste para o restante do país. Isso vai depender tanto de políticas públicas nacionais e regionais, quanto de novos investimentos e da gestão eficiente dos recursos repassados. Um desafio e tanto para o momento de crise fiscal.
Por isso, destaca a Firjan, um primeiro passo é fazer o ajuste fiscal. “O equilíbrio fiscal é importante não só para o reestabelecimento do equilíbrio macroeconômico, como também para a manutenção dos recursos que são direcionados para as políticas públicas municipais. Ou seja, a aprovação das reformas previdenciária e tributária é condição necessária para recuperação do desenvolvimento dos municípios”, afirma a Firjan em relatório.
Além da resolução da crise fiscal, a Firjan destaca a necessidade de capacitação dos gestores municipais para usos dos recursos, principalmente nas regiões menos desenvolvidas. “A principal barreira para o desenvolvimento dos municípios é a gestão mais eficiente dos recursos. Dessa forma, acelerar o desenvolvimento no interior do país passa por uma política ampla de capacitação e aprimoramento dos gestores públicos, sobretudo nas regiões menos desenvolvidas.”
Neri cita ainda que é necessária a adoção de políticas públicas horizontais voltadas para os mais pobres que, consequentemente, estão concentrados nas regiões Norte e Nordeste. Ele diz que políticas regionais têm falhado e cita como um bom exemplo de política horizontal o Bolsa Família.
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Outra solução seria encontrar uma vocação regional ou municipal e explorar isso economicamente. “Os governos podem fazer políticas públicas voltadas para a atração de novas empresas e mão de obra qualificada para suas as regiões”, diz Ana Carolina. Isso, porém, lembra a analista da Firjan, depende também de melhoria das condições de infraestrutura para que novas empresas e pessoas se interessem pelas localidades.
Para a Confederação Nacional dos Municípios (CMN), há a necessidade de o governo federal reduzir defasagem no repasse de recursos. A entidade luta pela aprovação de um projeto de lei que determina o reajuste anual, com base na inflação, de programas como o de merenda, transporte escolar, compra de medicamentos e saúde da família, como forma compensar os efeitos da alta no custeio desses serviços que, segundo a CNM, “estariam prejudicando a realização do atendimento à população pelos municípios”.
Exemplos provam que é possível
A boa notícia é que, com planejamento de longo prazo, é possível mudar as realidades das regiões Norte e Nordeste. O Centro-Oeste, por exemplo, conseguiu alcançar em 2014 o padrão “Sul-Sudeste” de qualidade medido pelo IFDM porque apostou na sua vocação para o agronegócio para conseguir gerar riqueza para a região.
Já o Ceará e o município de Sobral (CE) são dois exemplos que vêm do próprio Nordeste. “O Ceará tem a melhor situação de finanças públicas do país, enquanto o Rio Grande do Sul encontra-se no extremo oposto. Lá no Ceará observei um tratamento especial para questão turística, que pode ser uma vantagem competitiva da região. Eles, por exemplo, estão criando um hub regional de aviação que diminui o tempo de voos internacionais. Essa é uma ação que pode impulsionar o turismo”, diz Neri.
O diretor da FGV Social completa: “Sobral tem uma boa gestão pública e achou na educação uma vocação. E educação é uma commodity muito valiosa que serve a muitos objetivos sociais”.
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