Milhares de pessoas fizeram fila para se candidatar para 5 mil vagas de emprego no Rio de Janeiro, em evento no Engenhão, em maio deste ano. Desemprego é um dos efeitos da recessão .| Foto: Vitor Abdala/Agência Brasil

O Brasil pode oficialmente ter saído da última recessão no fim de 2016, mas os efeitos de uma das maiores crises da história ainda permanecem na economia. A recuperação está mais lenta do que o esperado e, se for mantido o ritmo médio de crescimento de 0,5% por trimestre, o país levará mais quase três anos para retornar ao nível pré-crise, segundos cálculos do Comitê de Datação dos Ciclos Econômicos (Codade), vinculado à Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ao que tudo indica, será a retomada mais lenta já registrada pelo país.

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A economia brasileira, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB), cresceu apenas 2,7% desde quando o país saiu da recessão – uma média de 0,5% a cada trimestre. Com isso, o país ainda precisa crescer mais 5,5% para voltar ao patamar pré-crise, ou seja, mais 11 trimestres nas estimativas do Codace, considerando que a média de crescimento registrada de 2017 até março deste ano será mantida. O comitê, especializado em datar ciclos econômicos, considera que o Brasil entrou em recessão a partir do 2.º trimestre de 2014 e que o período se estendeu até dezembro de 2016.

Se confirmada a expectativa de que o PIB só retorne ao nível pré-crise a partir de 2021, vai ser a primeira vez que o Brasil vai ter demorado tanto para superar os efeitos de uma recessão econômica. Na recessão dos anos 1980, que durou do 1.º trimestre de 1981 a março de 1983, a economia demorou sete trimestre para voltar ao normal. Na recessão da década de 1990 (3.º trimestre de 1989 ao 1.º trimestre de 1992), que também durou 11 trimestres, a recuperação se deu em seis trimestres. Os dados são do Codace.

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“Estamos há cinco trimestres [do fim da recessão que começou em 2014] e ainda estamos longe de ver o PIB retornar ao nível pré-crise”, afirma Luana Miranda, pesquisadora da área de Economia Aplicada do FGV IBRE.

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Causas da recuperação lenta: tamanho do tombo , inflação e déficit nas contas

Uma das explicações para a lenta recuperação e a consequente permanência dos efeitos da crise na economia está no tamanho do tombo. O Codace calcula que o PIB teve uma perda acumulada de 8,2% durante a recessão de 2014, uma das maiores quedas já registradas.

“Nós tivemos foi um colapso. A economia nunca tinha subido tão rápido antes e, quando caiu, foi um tombo muito forte. O investimento não desacelerou; ele parou. Isso teve um efeito sobre toda a cadeia produtiva do setor industrial, que foi zerando. Aí veio o desemprego e a queda na renda. E como você tinha um setor de serviço que dependia da renda das pessoas para se manter aquecido, despencou tudo”, explica o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves.

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O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, acrescenta outro fator para a retomada lenta: a falta de dois instrumentos clássicos para estimular o crescimento em uma saída de recessão, que são as políticas fiscal e monetária. “Quando a Dilma saiu, a economia estava há dois anos em recessão profunda. Então, mais do que nunca, você precisava da política fiscal e monetária para estimular o crescimento. Só que a taxa de inflação estava extremamente elevada naquele momento, em 12%, e a gente estava com déficit primário bastante elevado, tanto que logo na sequência tivemos que fazer a regra do teto [de gastos].”

Os economistas lembram que, nas crises passadas, as saídas foram mais rápidas porque o país se beneficiou do “boom das commodities”, que aumentou as exportações. O comércio mundial também estava favorável. Durante a crise global de 2008, o Brasil tinha uma economia interna forte com possibilidades de uso de políticas fiscais e monetárias para estímulo ao consumo. Nada disso se repetiu de 2016 para cá. Pelo contrário, piorou.

Além do tombo forte e da falta de instrumentos para sair da recessão, o país vivenciou dois grandes choques que jogaram para baixo a confiança das famílias e dos empresários, comprometendo ainda mais os investimentos e o consumo. O primeiro choque foi a divulgação das gravações do empresário Joesley Batista, do grupo J&F, que comprometiam o presidente Michel Temer – o que acabou enfraquecendo ainda mais o governo dele. Depois, a greve dos caminhoneiros em maio deste ano, que paralisou o país.

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Consequência nefasta da permanência dos efeitos da crise: desemprego

Com a crise demorando a passar, permanecem vários efeitos da recessão, em maior ou menor grau: queda da confiança das famílias e dos empresários, redução dos investimentos e do consumo e retração da atividade industrial e de outros setores da economia.

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O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) diz que, para a indústria de transformação, mesmo com o fim da recessão, os efeitos permaneceram e o setor terminou 2017 com indicadores de lucratividade, de endividamento e de cobertura de despesas financeiras abaixo dos recomendáveis para que as empresas virem a página da recente crise e voltem a investir.

Mas, entre todos os efeitos, a consequência mais sentida pela população continua sendo o alto índice de desemprego. Atualmente, há 13,7 milhões de pessoas desempregadas, segundo dados do primeiro trimestre da Pnad Contínua do IBGE. No período pré-crise, por exemplo, o número de desocupados era quase a metade (sete milhões no primeiro trimestre de 2014). Desde 2016, o país mantém uma taxa de desemprego na casa dos dois dígitos.

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Tradicionalmente, o mercado de trabalho é um dos últimos a se recuperar da crise. Mas, com a demora em o país superar a última recessão, a recuperação do emprego com carteira assinada também está se dando em ritmo mais lento do que o normal.

Sérgio Vale acredita que a recuperação do emprego ficará para depois de 2022. Já o economista Marcelo Gazzano, da consultoria ACPastore, estimou, em entrevista à Folha de S.Paulo, um cenário ainda pior. Gazzano calcula que o mercado de trabalho deve demorar dez anos para recompor a perda de três milhões de postos formais durante a crise.

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Crise fiscal e eleições podem piorar cenário adverso

Apesar de existir uma expectativa de retomada – ainda que muito mais lenta do que o ideal, a economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, alerta que não há nem mesmo garantias de que o ritmo médio de crescimento atual seja mantido nos próximos trimestres. Se o ritmo vier a cair, atrasaria ainda mais a recuperação econômica e faria com que os efeitos da crise perdurassem por mais tempo.

As preocupações da economista giram em torno de dois fatores: crise fiscal e eleições. Ela explica que o ajuste nas despesas está sendo feito na forma de cortes de investimentos, subsídios e despesas com a máquina pública, excluindo gastos com folha. Esse espaço para cortes de gastos, porém, é muito restrito e já chegou ao limite, na visão da economista.

Outro ponto que preocupa é a possibilidade de eleição de um presidente não comprometido com as reformas e o ajuste fiscal. “Não está claro se será eleito um candidato que manterá uma agenda de reformas necessárias para restaurar a solvência fiscal. O risco de não perseverar por esse caminho pode ser muito custoso em termos de crescimento e inflação”, escreve Silvia na edição de junho do Boletim Macro.

O economista Sérgio Vale resume os efeitos da crise que parecem não ter fim: “É um período longo de crise que foi criado no país e que a gente ainda vai pagar o preço ao longo dos próximos anos.”