Para destravar concessões problemáticas de infraestrutura, principalmente as licitadas em 2012 e 2013, o governo deve regulamentar a “devolução amigável” de rodovias, aeroportos, ferrovias e portos. O mecanismo permite que concessionárias que não conseguem fazer os investimentos previstos devolvam o que compraram para que o governo procure uma nova empresa para administrar a concessão. A regulamentação desse instrumento – esperada por algumas empresas do setor, como Triunfo, CCR MSVia e VIA 040 – estava prestes a sair, mas logo depois aconteceu a greve dos caminhoneiros e o decreto, até o momento, não foi publicado.
Segundo a última entrevista coletiva dada pelo governo sobre o assunto, no início de maio, vão poder participar do programa companhias que não possuem condições financeiras para fazer os investimentos previstos em contrato. A empresa terá de provar que não pode cumprir o acordado até o fim do contrato, mas tem condições de manter os serviços essenciais até que uma nova licitação seja feita. O pedido de devolução amigável será analisado pela agência reguladora e pelo ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, que podem aceitar ou rejeitar.
O mecanismo está previsto na lei 13.448/2017 e aguarda a regulamentação do governo para poder ser utilizado pelas empresas. A Triunfo, por exemplo, queria fazer uma devolução amigável do Aeroporto de Viracopos, mas sem a regulamentação e sem o aval da Justiça recorreu ao pedido de recuperação judicial para evitar um processo de caducidade. O Aeroporto de Viracopos foi licitado em 2012, durante o governo de Dilma Rousseff, e é controlado por um consórcio formado pelas empresas Triunfo e UTC (51% de participação) e Infraero (49%). O aeroporto acumula dívidas de R$ 2,9 bilhões.
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Programa busca destravar concessões problemáticas
O programa de devolução amigável busca destravar, principalmente, as concessões feitas durante o governo de Dilma Rousseff. Essas concessões foram alvo de diversas críticas na época, pois os contratos, segundo analistas, eram mais focados na construção do que na operação, exigindo investimentos altos durante o período da concessão. Houve também uma promessa não cumprida de crédito barato subsidiado pelo BNDES e a economia brasileira ainda não havia entrado em recessão; nem a operação Lava Jato havia sido deflagrada (pegando, inclusive, empresas do setor de infraestrutura). Há, também, erros cometidos pelas próprias concessionárias durante a gestão do bem, o que agravou a crise de algumas concessões.
O especialista em infraestrutura Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, afirma que, no caso das concessões problemáticas, o regulador até pode aplicar multas pesadas, mas isso acaba gerando um imbróglio jurídico enorme. O que o governo está tentando fazer agora é antecipar o encerramento do contrato para evitar novos prejuízos e descumprimentos de investimentos. “O que a regulamentação vai fazer é reduzir a probabilidade de judicialização das concessões, dado que quando as coisas são judicializadas, leva-se anos e anos para resolver”, diz Frischtak.
Pela legislação atual, um contrato de que não vem sendo cumprido acaba sendo extinto pelo processo de caducidade, uma sanção aberta pela agência reguladora do setor. Só que esse mecanismo acaba sendo um último recurso: normalmente, as empresa, quando encontram problemas para administrar a concessão, procuram soluções de mercado, como atrair um novo comprador (caso que aconteceu com o Galeão) ou entrar em recuperação judicial. Antes disso, elas pedem revisão do contrato e suspensão de parte das dívidas.
A devolução amigável, quando for regulamentada, vai ser mais um mecanismo a ser usado pelas concessionárias para evitar a caducidade da concessão. Frischtak, porém, acredita que as empresas não devem usar o novo recurso em massa. “Não deve ter uma adoção generalizada. Se for usada, será mais para rodovia e, eventualmente, aeroporto. Porque se você está no polo privado, você sempre opta por solução de mercado, que é mais rápida, porque você sabe que se devolver vai ter uma longa discussão sobre quem devolve o que para quem. É uma briga judicial enorme”, afirma o especialista.
Pelo que estava previsto pelo governo, depois de aceito o pedido de devolução amigável, pode demorar de um ano e meio a dois anos para que a nova licitação saia. Até lá, a empresa atual terá de manter os serviços essenciais funcionando. As multas aplicadas antes da adesão ao programa continuam valendo e serão cobradas.
Pontos de dúvida do novo programa
Os principais pontos polêmicos do projeto ainda não respondidos são sobre a indenização dos investimentos feitos e não amortizados, as tarifas e passivos da concessão durante o período de transição e se haverá interessados na licitação de uma rodovia ou aeroporto devolvido, por exemplo. Os dois primeiros itens podem vir a constar na regulamentação do programa, já o terceiro depende da situação econômica.
“Em condições normais, todos essas concessões teriam interesse. Mas pode dar vazio nas relicitações se o clima continuar deteriorando. Houve nos últimos meses uma progressiva deterioração do clima de investimento. Infelizmente, isso piorou com a greve dos caminhoneiros e com a solução que o governo desenhou para acabar com a paralisação. Isso quer dizer que a percepção de risco aumentou”, explica Frischtak.
Quem está interessado na devolução amigável
Entre as concessionárias que já manifestaram um possível interesse no programa de devolução amigável, estão a CCR MSVia, que administra a BR-163, em Mato Grosso do Sul, a VIA 040, da BR-040, que liga o estado Rio de Janeiro a Brasília, e a Triunfo, que deseja devolver o corredor rodoviário formado pelas BRs 060, 153 e 242 entre Brasília e Betim (MG).
Procurado, o ministério dos Transportes não mencionou prazo para publicação do decreto com a regulamentação da lei de devolução amigável.
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