Em uma parte da conversa gravada sem querer entre os delatores da JBS, entregues nesta semana à Procuradoria-Geral da República (PGR), o empresário Joesley Batista conta ao colega Ricardo Saud uma de suas maiores preocupações em relação ao acordo de colaboração premiada: contar a negociação para a esposa, a apresentadora de TV Ticiana Villas Boas.
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“Eu estou aqui pensando, rapaz, sabe o quê? A Tici [Ticiane], que é uma mulher inteligente, é diferente da Cris. Se eu tivesse com a Cris eu não ia ter problema nenhum. Mas você já imaginou a Tici, quando eu tiver que contar para ela as minhas traquinagens? Porque eu vou ter que contar. Tipo, uns dez minutos antes de sair no Jornal Nacional vou ter que chamar e falar ‘olha, amor, tenho que te contar, vai rolar um negócio aí no Jornal Nacional’...”, diz Joesley ao colega.
“Sabe aqueles amigos nossos?”, encena o executivo.
“Tudo picareta, tudo vagabundo”, completa Saud, entrando na brincadeira.
Joesley conta que bolou uma estratégia para contar para a esposa sobre a delação: fingir que quer a separação.
“Eu já tenho a história pronta. Eu vou começar no dia, de manhã cedo. Eu vou acordar dizendo assim ‘quero me separar’. Nós vamos passar o dia em crise. ‘Quero separar’. ‘Não, eu te amo’. ‘Eu quero separar, eu não te mereço’. Aí vai... ‘Eu não te mereço, eu não sou o homem certo para você’. Aí quando ela jurar que me ama e tal eu vou falar: ‘Então, hoje à noite o Willian Bonner vai dar uma notícia’...”, conta Joesley.
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A delação de Joesley e dos executivos da JBS veio à público no dia 17 de maio, quando foi divulgada a gravação que o empresário fez com o presidente da República, Michel Temer (PMDB).
Na gravação que veio à tona recentemente, Joesley mostra que não estava preocupado com a repercussão dos fatos revelados pelos executivos. “Eu já aprendi na vida que a verdade dói, mas não ofende”, diz Joesley a Saud.
“A minha aposta é o seguinte. Nego vai espernear e ficar puto, mas no final do dia todo mundo vai deitar a cabeça no travesseiro... A mesma coisa do Lúcio [Funaro], rapaz. O Lúcio está preso, por que ele nunca delatou? Sabe por quê? Porque ele sabe o que ele fez”, continua.
Ele compara sua situação com a do ex-diretor da Transpetro, Sergio Machado, que gravou conversas com uma série de políticos. “Você acha que alguém tem genuinamente raiva do Sergio Machado? Tudo que ele disse foi verdade”, disse.
A gravação tem ao todo quatro horas de duração. Durante o diálogo, Saud explica como Marcelo Miller, que atuou como braço-direito de Janot no Ministério Público e depois migrou para a carreira privada na advocacia, foi usado para garantir a aproximação com o procurador-geral da República Rodrigo Janot.
Nesta segunda-feira (4), Janot anunciou a abertura de investigação para apurar indícios de omissão de informações sobre a prática de crimes no processo de negociação do acordo de delação premiada de executivos da JBS.
Janot assinou portaria que instaura procedimento de revisão dos acordos com três dos sete executivos do grupo: Joesley Batista, um dos donos do frigorífico, Ricardo Saud e Francisco de Assis. O problema surgiu, segundo ele, após os delatores da JBS entregarem à Procuradoria-Geral da República (PGR), na semana passada, novas gravações de áudio.
A investigação pode resultar no cancelamento dos benefícios da colaboração premiada firmada, entre outros, por violação das regras da delação.