A ex-presidente Dilma Rousseff mantém sua rotina discreta na ponte aérea entre Porto Alegre – onde ela, a filha e os netos vivem – e o Rio de Janeiro – onde mora a sua mãe. Às vésperas do julgamento que determinará o futuro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, Dilma resolveu conceder para a imprensa local, em seu apartamento na capital gaúcha, entrevistas até então represadas. Tratou também de defender enfaticamente seu antecessor e padrinho político.
Em meio a livros e CDs no seu apartamento de pouco mais de 100 metros quadrados totais no bairro Tristeza, zona sul da capital gaúcha, Dilma mantém contatos, recebe a visita dos netos e trata de fazer política sem que isso necessariamente requeira exercer algum cargo público.
Nas entrevistas e diálogos que mantém com amigos e companheiros de partido, a ex-presidente deixa claro que não gosta que a classifiquem como uma técnica que entrou na política de forma surpreendente ou acidental. Alega que no início dos anos 1970, quando era guerrilheira em Minas Gerais combatendo a ditadura, já fazia exatamente isto: política, sem cargos. Só depois, na prefeitura de Porto Alegre e no governo gaúcho, é que tornou-se uma técnica cujas eficiência e reputação a alçaram a níveis federais.
Disputar eleição é uma opção
Mas, em ano eleitoral, há uma curiosidade natural sobre quais são os seus planos. O Senado não deixa de ser uma possibilidade, mas aparentemente sua única dúvida é se que disputará eventuais pleitos por Minas Gerais, onde nasceu, ou pelo Rio Grande do Sul, terra em que escolheu viver.
O natural seria ela seguir sua trajetória gaúcha. O PT, no entanto, tem compromisso com a reeleição de Paulo Paim, que esteve próximo de deixar o partido. Em resumo: a ex-presidente optaria por Minas de olho nas questões internas do partido. A única coisa que ela descarta, para todos os interlocutores com quem conversa sobre o assunto é: está fora de cogitação seguir o exemplo do ex-presidente José Sarney e disputar o Senado por algum Estado sem peso na sua história. “Eu não sou o Sarney”, costuma dizer.
A ligação de Dilma com o Rio Grande do Sul tem relação direta com o ex-marido, o advogado gaúcho Carlos Araújo, com quem militou no período da ditadura e manteve um casamento de duas décadas. Araújo morreu em 2017. Em seu blog, a ex-presidente escreveu: “Perdi hoje um parceiro de uma vida.”
Vida pacata em Porto Alegre
Dilma tem uma vida simples em Porto Alegre. No primeiro piso do apartamento, em 70 metros quadrados, ela vive sozinha. Subindo uma escada em caracol, no segundo piso, estão os livros, os aparelhos para se exercitar quando não anda de bicicleta e a sala em que recebe seus interlocutores. Há as reuniões e as palestras, de Pelotas a universidades dos Estados Unidos, sempre com discrição.
Mas, na medida em que cresce a tensão e se aproxima o julgamento de Lula pelo TRF da 4ª Região, ela troca o perfil discreto pela exposição e pela alta voltagem política.
Ao participar do seminário “Diálogos Internacionais sobre a democracia”, promovido pelas fundações Perseu Abramo e Maurício Garbois, ligadas ao PT e ao PCdoB, Dilma rechaçou a possibilidade de os petistas terem um plano B caso Lula seja impedido de concorrer à presidência neste ano. Repetindo o que tem dito em conversas e entrevistas, ela criticou quem recomendava que renunciasse para evitar o impeachment, mas agora comparou ao caso de Lula.
“Discutir plano B é igual à discussão sobre ’renuncie, presidente’. Pediam, ’renuncie, presidente, é um gesto de grandeza’. Gesto de grandeza nada. É a tentativa de mascarar o golpe”, disse ela diante de dezenas de líderes sindicais e políticos de esquerda brasileiros e de outros países latino-americanos que participaram do evento na segunda-feira (22), em Porto Alegre.
Dilma tem dito que, independentemente do julgamento desta quarta-feira (24), Lula será aclamado como candidato a presidente pelo PT. Na sua opinião, o processo tem sido “político”, uma forma de evitar que o ex-presidente volte ao cargo. E a consequência da eventual condenação em segunda instância será a “proliferação do estado de indignação”.