Um fundo criado com “sobras” do FGTS foi usado para financiar empresas envolvidas em escândalos de corrupção. O FI-FGTS – um fundo de investimento que aplica em infraestrutura até 80% do patrimônio líquido do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – foi destinado a empreendimentos de empresas que são citadas em operações como a Lava Jato e a Greenfield, que apura fraudes em fundos de pensão de estatais.
O patrimônio líquido do Fundo de Garantia é o dinheiro que sobra depois do pagamento dos rendimentos devidos aos trabalhadores (3% ao ano mais TR). Embora tenha sido gerado a partir da aplicação do dinheiro dos cotistas do FGTS, o patrimônio líquido pertence ao próprio Fundo, e não aos trabalhadores.
INFOGRÁFICO: Saiba como é investido o dinheiro do FI-FGTS
De acordo com o primeiro relatório trimestral de 2017, o FI-FGTS tem patrimônio líquido de R$ 34 bilhões, dos quais R$ 12,4 bilhões – 36,5% do total – foram investidos em ações ou debêntures de empresas que estão enroladas em denúncias de corrupção.
O esquema de corrupção envolvendo recursos do FI-FGTS começou a vir à tona com a delação de Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa Econômica e membro do conselho do FI-FGTS, ainda em 2016. Ele mostrou à força-tarefa da Lava Jato como a influência do estão deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e de seu operador Lúcio Funaro acabava com empréstimos e investimentos em empresas que aceitavam pagar propina. Essa delação mostrou que também havia irregularidades para o grupo J&F, o que foi confirmado com as bombásticas revelações de Joesley Batista, um dos donos da JBS, neste ano.
É por causa da suspeita de fraudes no FI-FGTS e por tentar obstruir as investigações sobre esse esquema dentro da Caixa Econômica Federal que a Polícia Federal prendeu nesta segunda-feira (3) o ex-ministro Geddel Vieira Lima, que atuou nos governos Lula e Temer. Ele foi vice-presidente da Caixa no governo Dilma Rousseff no período sob apuração da PF.
Empreiteiras
Grandes beneficiadas do esquema, as empreiteiras ainda aparecem na lista de investimentos do fundo. Odebrecht e OAS receberam R$ 3,4 bilhões, de acordo com o último relatório do fundo. Isso considerando as operações feitas diretamente para esses grupos. Há casos de empresas que não foram diretamente beneficiadas, mas estão no controle acionário das que receberam investimentos – o que aconteceu com a própria Odebrecht e a Camargo Correa, por meio da concessionária da Rodovia Presidente Dutra.
“A ideia, na essência, é você poder fomentar atividade de empresas, sustentar a atividade em época de crise, para que elas possam manter e até ampliar a força de trabalho. No entanto, acabou tendo a finalidade usada ao inverso. Financiou a corrupção. Inadvertidamente, os trabalhadores acabaram financiando indiretamente a corrupção em função do mau uso a que foi destinado esse dinheiro”, pondera Gil Castelo Branco, economista da ONG Contas Abertas.
Um dos problemas da gestão desse fundo é a transparência: há poucas informações de livre acesso sobre ele, e geralmente elas mostram um breve resumo do que já foi decidido, sem muita explicação. “Poucas pessoas se detinham na questão da transparência. Se é dinheiro do trabalhador, faz todo sentido ter um controle social dos recursos, mas sempre foi uma caixa preta. É preciso que haja transparência, ainda mais agora, em época de crise”, aponta Castelo Branco.
Para ele, guardadas as proporções, o FI-FGTS permite uma analogia com os fundos de pensão: é dinheiro do trabalhador, gerido por um grupo pequeno e com transparência diminuta. “As direções dos fundos têm representantes da empresa e dos empregados, mas são indicações políticas e muitas fizeram com que tenham sido pessimamente geridos e hoje estão quase quebrados por isso”, diz.
Castelo Branco defende uma fiscalização rigorosa para que não ocorra o mesmo com o FI-FGTS. “Espero, e isso não vale só para o FI-FGTS, que o legado saudável de todos esses escândalos – inclusive o mau uso do dinheiro – seja uma sociedade mais atenta e participativa, que cobre e fiscalize melhor a destinação desses recursos”.
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