| Foto: Paulo Pinto/Agência PT

Imagine-se autor da Constituição. Como pessoa prudente, tenta prever saídas para as situações difíceis que possam se apresentar no futuro, para garantir que os direitos fundamentais de todos sejam respeitados. Assim, procura criar leis sábias para momentos de catástrofes naturais, bancarrotas de estados da federação, falências, etc. E também para circunstâncias de caos político. O que fazer se, pelo motivo que for, tanto o presidente quanto o vice eleitos não puderem mais continuar à frente da nação?

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Foi com esse espírito que legisladores de vários países, como os Estados Unidos, fizeram o exercício mental de buscar a melhor solução no caso de vacância da Presidência da República. E chegaram à seguinte resolução: se o cargo ficar vago antes da metade do mandato, fazem-se novas eleições diretas; depois desse tempo, porém, melhor eleições indiretas, o novo representante seria eleito por deputados e senadores até o próximo pleito. Norma adotada nas Constituições brasileiras de 1891, 1946 e na atual, a de 1988. Mas, por que essa decisão?

Desde o impeachment de Dilma Rousseff, surgiu no Brasil um movimento que se intitula “Frente pelas diretas já”, que ganhou forças com a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em primeira instância. A ideia é tentar mudar a Constituição, por meio de uma emenda, para a realização de eleições diretas – e não indiretas, como está previsto – caso o presidente Michel Temer seja afastado do cargo.

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O motivo oficial dessa operação, dizem, é “devolver o poder ao povo”. O objetivo não oficial, no entanto, é aproveitar a popularidade de Lula, que aparece em pesquisas de opinião com 30% da preferência da população e ainda pode ser candidato enquanto não for condenado pela Justiça em segunda instância. E o medo de que isso ocorra a qualquer momento aumenta o afã de conseguir as eleições diretas o quanto antes.

Algum problema nessa iniciativa? Em tese, não. O Brasil é uma democracia e, portanto, existe liberdade de expressão para defender mudanças. Mas, pelo menos duas questões incomodam nesse caso. A primeira delas é a falácia no discurso ao afirmar que eleições indiretas, agora, seriam um atentado contra a democracia. A segunda é usar a expressão “Diretas Já” como uma tentativa de comparar, no imaginário popular, de forma completamente equivocada, o momento atual com o fim da ditadura militar, quando vários expoentes da sociedade civil se uniram para romper com um sistema autoritário e migrar para o Estado Democrático de Direito que vivemos hoje.

Por que indiretas?

As razões pela escolha na Carta Magna de eleições indiretas, caso presidente e vice não estejam mais no cargo na segunda metade do mandato, são inúmeras – e nenhuma delas antidemocrática. Mais, as eleições indiretas nesse caso não são antidemocráticas porque estão previstas na Constituição, preferidas em debate democrático antes da crise, com a cabeça fria, frisam os especialistas. “É um procedimento excepcional para uma situação excepcional, apenas para cumprir o prazo remanescente do mandato, um prazo curto, é só um mandato tampão”, explica Fernando Jayme, diretor da Faculdade de Direito da UFMG.

O motivo inicial para preferir esse sistema seria evitar a instabilidade do país. “É como se o constituinte estivesse prevendo o seguinte: em uma situação em que o presidente e o vice-presidente não estão mais, muito excepcional, em que provavelmente a situação do país é crítica, uma eleição direta em um cenário como esse pode aprofundar essa crise”, explica Silvana Batini, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e procuradora regional da República. “É como se [o constituinte] decidisse: melhor assentar os ânimos e colocar alguém para conduzir o país para a próxima eleição; para sair da tormenta, só isso”, completa.

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Outra dificuldade levada em conta pelo constituinte seriam os custos econômicos e o desgaste que eleições diretas exigiriam nessa altura, em um final de mandato. “Quanto tempo levaríamos para ter uma eleição direta? Até o final do ano de 2017, talvez, pudéssemos ter um presidente interino, fazendo essa eleição direta, que governaria seis meses e voltaria a fazer uma campanha para uma nova eleição direta em 2018, o custo disso é muito maior do que o retorno que nós teríamos”, afirma Silvana.

Uma terceira causa para a defesa das indiretas nessas circunstâncias é evitar pressas e agitações que possam prejudicar o debate de ideias necessário para escolher o melhor rumo para o país em um momento de caos. E que possam favorecer oportunistas de plantão, sem tempo para a apresentação de candidaturas que, de fato, possam oferecer mudanças positivas.

Risco grande de frustração

Mesmo com todos esses argumentos, ainda poderia se dizer que, assim como as eleições indiretas não atentam contra a democracia, também seria democrático aprovar as eleições diretas caso fossem obedecidos os pré-requisitos previstos na lei. Para mudar a Constituição nesse ponto, seria necessário um consenso forte entre os deputados e senadores para conseguir a maioria qualificada, três quintos do Congresso, 49 senadores e 308 deputados. Sem mudança na Constituição, como defendem alguns desavisados, seria um golpe contra a democracia.

E aí a pergunta seguinte é: vale a pena fazer isso agora. Se no cenário atual, com tantas prioridades, o país deveria apostar suas fichas em parar tudo, mudar a Constituição, fazer campanha para diretas, para depois recomeçar em 2018.

“A tese [das eleições diretas] é correta, mas seria necessário que as pessoas que mantêm essa tese tivessem uma espécie de medida prudencial para ver se é viável ou não [agora para o país]”, afirma Roberto Romano, professor de Ética Política da Unicamp. Para ele, há pelo menos duas questões importantes que depõem contra uma eleição direta feita atabalhoadamente: a necessidade atual de dedicar tempo a questões mais urgentes e os grandes riscos de um eleito, com força popular, dar errado.

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“Se consegue passar a PEC [proposta de emenda constitucional] e realizar essas eleições diretas, esse eleito vai encontrar instituições deslegitimadas, em frangalhos, sem recursos inclusive técnicos, vai encontrar um Estado que não está conseguindo arrecadar impostos, e que, portanto, como não tem impostos, não tem condições de fazer políticas públicas”, avalia.

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Mais do que as “Diretas Já”, para Romano, os movimentos sociais deveriam dedicar seus esforços para conquistar o fim do foro privilegiado, a reforma política, a democratização dos partidos políticos, a regulamentação do lobby e outras medidas anticorrupção. “Nós conseguimos muitas coisas como a Lei da Responsabilidade Fiscal, a Lei da Transparência, a Lei da Ficha Limpa, uma série de normas que precisam ser ampliadas e são mais urgentes e importantes do que as ‘Diretas Já’”, afirma.

Em resposta às pessoas que alegam ser impossível qualquer avanço dessas medidas com os parlamentares do Congresso atual, o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda afirma que pior seria contar com um presidente eleito nesse momento, descolado do sistema político como um todo. “O problema dessa eleição seria a sua solteirice, ser descolada das eleições de deputados e senadores, como foi o caso da eleição do ex-presidente [Fernando] Collor, nós tivemos isso uma vez e não deu certo”, lembra.

Para ele, nunca haverá um remédio simples, sempre é preciso escolher o melhor caminho, ainda que não ideal. “Se você chegar à conclusão que os deputados que nós elegemos sempre vão tratar dos problemas apenas deles e vão se esquecer dos nossos, então não tem sentido nem votar, não tem sentido eleger deputados, não tem sentido nada”.

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Populismo e o quebra-galho

Um argumento contra as eleições diretas, que cresce principalmente entre pessoas de direita, é o de que um aventureiro com ideias populistas poderia subir ao poder caso a população, apavorada pela crise política e econômica, sucumba à tentação de votar em um “salvador da pátria”. É verdade. Mas também é real que esse risco estará presente nas eleições de outubro de 2018. Por isso, o pior não é tanto o risco de populismo, mas contentar-se com aprovar um atalho, como as eleições diretas, sem ter um projeto robusto para melhorar o país.

“As massas sempre foram manobradas, o problema não é esse”, diz Luís Alexandre Carta Winter, professor do programa de pós-graduação em Direito da PUCPR. O equívoco, para ele, é colocar a proposta das eleições diretas como se fossem resolver o problema do país. Lembrando as várias interrupções de governo ao longo da história do Brasil, ele insiste que o país precisa de uma alteração estrutural.

“Teríamos de preparar o país para uma mudança séria a partir das eleições de 2018. Prefiro o projeto de uma assembleia constituinte, apenas com poder derivado, não precisa ser originária, para enxugar os vícios da Constituição, que manteve privilégios que não eram necessários, e preservar seu espírito, sem dúvida de grande qualidade. Querer eleições diretas agora não está errado, mas é um puxadinho, um quebra-galho, não adianta nada e, enquanto isso, estamos perdendo tempo e outra oportunidade de mudar o país”, conclui.