Para quem encampa a bandeira das diretas, a saída constitucional à vista é torcer para que ao menos três quintos do Congresso aprovem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece votação popular caso os cargos de presidente e vice-presidente fiquem vagos nos três primeiros anos de mandato.
O problema é o “timing”. A PEC já passou pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, mas pode demorar meses para chegar ao plenário da Casa e depois ao da Câmara – ritos que avançam ao sabor dos humores políticos.
Supomos que seja aprovada, e em tempo recorde. Ainda assim, nada garante que já valha para eventual substituição de Michel Temer.
Aqui a Constituição é clara: se eleitos para a chefia do Executivo morrerem ou forem destituídos na segunda metade do mandato, vale a eleição indireta, ou seja, um presidente escolhido pelos congressistas. Só uma PEC pode reverter essa determinação.
Mas aqui a Carga Magna não é clara: a mudança nas regras do jogo constitucional deve valer imediatamente? Especialistas divergem. O ponto de discórdia é o artigo 16 da Constituição: “A lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação”.
O professor do Instituto de Direito Público Daniel Falcão entende que as diretas não alcançariam 2017. Cita uma jurisprudência do STF. A corte decidiu que uma emenda de 2006 para restringir coligações partidárias só poderia ser posta em prática um ano depois.
Disse a então ministra do tribunal Ellen Gracie: PECs podem “servir como instrumento de abusos e casuísmos capazes de desestabilizar a normalidade ou a própria legitimidade do processo eleitoral”.
Pesquisador da FGV, Diogo Rais usa outra decisão do Supremo para defender a aplicação imediata das diretas, se a PEC for vitoriosa: em caso envolvendo dupla vacância no governo de Tocantins, o à época ministro Cezar Peluso disse não ter como “excogitar [cogitar] ofensa ao princípio de anterioridade eleitoral estabelecido no artigo 16”.
Em miúdos, segundo Rais: “Peluzo fez uma distinção. Vacância gera um processo eleitoral, mas não é o processo eleitoral em si”. A ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon tem interpretação afim: “A PEC seria capaz de romper aquilo que está no artigo 16”.
A proposta hoje no Senado derrubou relatório alternativo do senador Lindbergh Farias (PT), que dava caráter imediato à medida. Seu colega Ricardo Ferraço (PSDB) definiu o dispositivo como “flagrantemente inconstitucional”.
Para o especialista Luiz Flávio Gomes, é um “erro estratégico medonho, para quem quer diretas, gastar toda a energia em cima” dessa PEC. Melhor apostar na lei eleitoral de 2015 que prevê eleição indireta só “se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses” do fim do mandato.
Mas Gomes reconhece que a questão “não é ponto pacífico”. Para Falcão, “o texto constitucional se sobrepõe ao Código Eleitoral”. A norma é alvo de duas ações diretas de inconstitucionalidade no STF, uma delas proposta pela Procuradoria-Geral da República.
Rais lembra que o TSE decretou eleição direta ao cassar governador e vice do Amazonas, em maio. Mas apenas porque a Constituição só “é expressa na regra para Presidência, não governos estaduais”.
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