A partir desta Quarta-Feira de Cinzas (6), quando o juiz Luiz Antonio Bonat, de 64 anos, voltar das férias para assumir a 13ª Vara Federal, de Curitiba, no lugar do ministro Sérgio Moro, a tendência é a de que a movimentação dos processos da Lava Jato mude de figura. Depois de Moro, que angariou amplo apoio para a investigação de corrupção e lavagem de dinheiro, a chefia da operação passará a um julgador com 25 anos de carreira, considerado duro nas sentenças, mas de atuação técnica moldada na máquina judicial e marcada pela discrição.
“Ele é um juiz dedicado ao Poder Judiciário, experiente na área criminal, altamente competente e muito rigoroso, no sentido de atentar para os termos da lei”, disse a juíza Vera Lúcia Feil Ponciano, titular da 6ª Vara Federal em Curitiba, especializada crimes do comércio exterior. A colega destaca a experiência criminal acumulada por Bonat ao atuar na tríplice fronteira do Brasil com Argentina e Paraguai, onde encarou a 1ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, considerada uma pedreira do Judiciário pelo tipo de enrosco criminal da região.
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De volta à capital, nos últimos tempos Bonat vinha julgando causas do direito previdenciário na 21ª Vara Federal. E servia também – pela sua condição de juiz mais antigo no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) – de curinga para ausências de superiores. Ficou no ofício de janeiro até 19 de fevereiro, mesmo já tendo sido oficializado no antigo cargo do atual ministro da Justiça. Trocando de Vara Federal, Bonat terá carga pesada de processos.
A lista de causas em andamento chega a 2.145, entre ações penais, pedidos de prisão, de habeas corpus e outros procedimentos judiciais. Como titular, ele terá de encarar cerca de 1,7 mil dessas pendengas, entre elas as da Lava Jato. Um levantamento da força-tarefa do Ministério Público Federal, atualizado em 15 de fevereiro, mostrava que o balanço era de 88 acusações criminais contra 420 pessoas, sendo que em 49 delas já houve sentenças nos crimes de corrupção, crimes contra o sistema financeiro internacional, tráfico de drogas, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Restavam, portanto, 39 processos da Lava Jato para julgamento.
Entre os figurões investigados, o novo chefe da Lava Jato terá na sua responsabilidade, por exemplo, a denúncia de desvios no Instituto Lula envolvendo o ex-presidente. O petista está preso em Curitiba, já com duas condenações – por Moro, no caso do triplex do Guarujá, e por Gabriela Hardt (que o substituiu provisoriamente), no caso do sítio de Atibaia.
O ex-governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), e o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) também estão na lista.
O primeiro juiz a condenar uma empresa
Em seu histórico de sentenças, um dos principais pontos em destaque foi uma tomada de decisão pioneira em um processo na área ambiental. O juiz foi o primeiro magistrado a usar o art. 225, parágrafo 3º, da Constituição, para responsabilizar não um CPF, mas um CNPJ – isto é, não uma pessoa, mas uma empresa. Quando atuou em Criciúma (SC), Bonat condenou, em 2002, uma empresa por crime de extração ilegal de areia em área de preservação no município de Morro da Fumaça. Houve recurso, mas o Tribunal manteve o argumento do juiz.
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“É um juiz muito atento à legalidade e que respeita muito a instituição”, observou o ex-juiz Luiz Flávio Gomes, atualmente deputado federal pelo PSB-SP. “O ponto-chave é a imparcialidade dele, porque vai decidir e lidar com políticos. Toda decisão será politizada”, acrescenta. “Mas ele está muito preparado para a Lava Jato e temos muita expectativa de que ele cumpra a legalidade”, afirmou. Para Gomes, no entanto, a atuação de Bonat pode frustrar muita gente. “Ele é oposto, por exemplo, do ministro Gilmar Mendes. Não é midiático.”
Ponderado
Desde o começo da carreira, Bonat cultiva o modo de atuação que o credenciou, diante de colegas e desembargadores, como rigoroso, mas ponderado. Em sentença sobre valor de aposentadoria, matéria na qual vinha trabalhando nos últimos anos, depois de contestado sobre valores por uma segurada, ele reviu a decisão e determinou o recálculo.
A discrição é outra característica. No dia em que foi oficialmente declarado substituto de Moro, o novo todo-poderoso da Lava Jato reuniu-se com assistentes no sexto andar do prédio da Justiça Federal, na capital paranaense, e determinou aos auxiliares silêncio sobre as atividades e avisou que não falaria com imprensa. O palanque para as manifestações e decisões deve ser unicamente o do texto dos autos. Na saída da reunião, já no corredor do Tribunal, disse ao jornal “O Estado de S. Paulo” que não pretendia se manifestar sobre qualquer ponto da tarefa.
Família
Formado na Faculdade de Direito de Curitiba em 1979, Bonat é de família curitibana de origem italiana, que migrou de Mezzano (norte da Itália) para o Rio Grande do Sul há mais de 140 anos e, depois, para o Paraná. O juiz Bonat, porém, conserva hábitos tão discretos que, segundo assessores, mesmo em tempos de comunicação digital não usa redes sociais. Com primos pelo Sul do País, é tido por parentes e amigos como uma pessoa de bom papo. Mas fica nisso. Não há fanatismos nem quando o assunto é o futebol do seu Atlético Paranaense, relata uma amiga.
Pai de dois filhos, um advogado e uma médica, Bonat convive com uma italianada festeira e de largo arco político e ideológico. Os parentes que frequentam os almoços comemorativos da centenária imigração dos Bonat para o Brasil vão de um general da reserva, Hamilton Bonat – bolsonarista convicto e propagandista da nova ordem do Planalto –, a uma prima, Yara Bonat, pesquisadora da ancestralidade dos viajantes do Trento para a América, que nas últimas eleições, segundo postagens em rede social, fez campanha para de Marina Silva (Rede) e também para candidatos do PT.
Consultados, ambos preferiram não falar nem comentar a nova tarefa do primo. A família evita falar da vida do juiz. Alguns justificam o silêncio alegando o ambiente criminal que envolve a função de Bonat, agora no centro da Operação Lava Jato.
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