“Só o homem perdoa, só uma sociedade superior qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade é capaz de perdoar. Porque só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que os seus inimigos é capaz de sobreviver.”
Foi assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) negou, em 2010, revisar a Lei de Anistia, que perdoou crimes políticos durante a ditadura militar (1964-1985). A afirmação do ex-presidente da Corte Cezar Peluso resume o posicionamento adotado pela maioria dos ministros à época.
Essa posição prevalece entre os atuais integrantes do STF sobre os pedidos de retomada do assunto – o que torna improvável que o tema seja retomado, mesmo após a revelação de documentos da CIA que mostram que a Presidência da República, durante a ditadura, estava diretamente ligada às ações clandestinas de tortura e morte de adversários políticos.
Medo de tumultos seria a principal razão de não retomar a revisão da Lei de Anistia
Decorridos quase 40 anos desde a sua entrada em vigor, a Lei 6.683/79 (Lei de Anistia) ainda gera polêmica quanto ao seu alcance. Há oito anos, julgando ação apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o placar para não rediscutir a constitucionalidade da legislação foi de 7 a 2.
A atual presidente do STF, Cármen Lúcia, foi uma das que apoiou a tese vencedora. E não há previsão de que ela vá desarquivar as duas ações em tramitação na Corte que podem levar a uma nova análise do assunto.
“Não só ela, mas nenhum outro presidente deve encarar esse assunto”, afirmou um advogado familiarizado com o caso e que costuma frequentar os corredores do STF. Segundo ele, mesmo as novidades recentemente reveladas sobre mortes no período do regime militar, não são suficientes para fazer o Supremo atuar nesse momento.
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A avaliação geral é que retomar uma discussão sobre anistia pode desencadear tumultos na população, num momento em que o Congresso e o Poder Executivo estão com a credibilidade abalada. Também não há perspectiva de que o próximo presidente do Supremo, Dias Toffoli, que assume em setembro, desengavete o caso.
Defensores da revisão afirmam que novos fatos justificam a retomada do julgamento da lei
A Lei da Anistia voltou ao centro das atenções após a revelação de documento secreto da agência norte-americana de inteligência, a CIA, que liga o general Ernesto Geisel a execuções ocorridas durante o período da ditadura. O militar presidiu o Brasil entre 1974 e 1979.
A divulgação gerou um efeito cascata e uma série de declarações questionando e exigindo uma nova atuação do STF na revisão ou reinterpretação da legislação. Quem pede essa reanálise afirma que crimes de tortura e assassinato são de “lesa-humanidade” e, por isso, imprescritíveis e não sujeitos à anistia.
A Comissão Nacional da Verdade está engajada nessa discussão, assim como o Instituto Vladimir Herzog. O diretor-executivo da entidade, Rogério Sottili, destaca que há novos fatos que justificam a necessidade de retomar o caso.
“Os documentos vieram à tona comprovam o envolvimento direto do presidente Ernesto Geisel nas torturas e mortes ocorridas na época. Não era uma política individual, fatos isolados que aconteciam nos porões da ditadura, como se dizia. A ordem vinha do Palácio do Planalto, portanto, são crimes de estado”, afirmou o diretor do Instituto Vladimir Herzog.
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Sottili conta que a entidade solicitou audiências com todos os ministros do Supremo – ainda sem previsão de quando podem ocorrer. Segundo ele, neste mês representantes do instituto esperam se reunir com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que já defendeu a retomada do assunto no STF.
Além das novidades reveladas recentemente, argumenta-se que a composição do STF mudou desde 2010, quando os ministros negaram rediscutir a anistia.
Deixaram a Corte os ministros Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie, que votaram pela constitucionalidade da lei. O ministro Ayres Britto, que votou pela inconstitucionalidade, também saiu do tribunal. O ministro Joaquim Barbosa não participou do julgamento. O ministro Dias Toffoli estava impedido. Desde então, chegaram ao tribunal os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Edson Fachin, Rosa Weber e Alexandre de Moraes.
O que dizem os documentos da CIA
O memorando revelado é de 11 de abril de 1974. Foi elaborado pelo diretor da CIA, William Egan Colby, endereçado ao então secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger. Há nesse documento o relato de um encontro entre Geisel, o futuro presidente João Batista Figueiredo (então chefe do Serviço Nacional de Informações, SNI) e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, ambos no Centro de Inteligência do Exército (CIE).
Conforme o documento, o general Milton Tavares afirmou que não se poderia ignorar a "ameaça terrorista e subversiva", que os métodos "extralegais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos" e que, no ano anterior, 1973, 104 pessoas "nesta categoria" tinham sido sumariamente executadas pelo Centro de Inteligência do Exército.
Ainda segundo o memorando, o general Geisel, então presidente, "disse ao general Figueiredo que a política deve continuar, mas deve-se tomar muito cuidado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados".
Todas as execuções deveriam ser aprovadas pelo general João Baptista Figueiredo, que ocupou a Presidência de 1979 a 1985, após a saída de Geisel. Partes do documento continuam em sigilo.
Exército e Ministério da Defesa dizem que documentos brasileiros foram queimados
O Comando do Exército e o Ministério da Defesa afirmaram que documentos sigilosos que eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados foram destruídos, conforme legislação vigente à época.
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