| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em um seminário com procuradores na manhã desta segunda-feira (30), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, voltou a chamar a portaria do governo federal que restringiu o conceito de trabalho escravo de “claro retrocesso” e sugeriu mudanças na legislação para endurecer as punições a quem emprega esse tipo de trabalho.

CARREGANDO :)

Dodge participou do seminário “Impactos da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Fazenda Brasil Verde”, realizado na Escola Superior do Ministério Público da União. No ano passado, a corte internacional condenou o Brasil por omissão e negligência no caso de trabalhadores resgatados de uma fazenda no Pará.

A sentença da corte, segundo Dodge, aponta para necessidade de reforçar a institucionalidade no país, aprimorar o marco regulatório do enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão. “É nessa acepção que entendo que a recente portaria do ministro do Trabalho [Ronaldo Nogueira], que mudou o conceito de trabalho escravo, implica em retrocesso” disse Dodge.

Publicidade

“Não podemos admitir retrocesso no conceito de trabalho escravo porque aquele conceito alcançado nessa portaria está apenas a dizer que a escravidão é uma questão de ofensa a um certo grau da liberdade humana. Ela é muito mais do que isso. A escravidão fere a dignidade humana. E aquela portaria implica em uma mudança de um conceito que está sedimentado em lei e na política pública que vem sendo praticada no país nos últimos 30 anos. É por isso ela representa um claro retrocesso nas nossas instituições.”

A portaria, que se tornou o principal motivo de embate entre Dodge, que assumiu a Procuradoria-Geral da República em 18 de setembro, e o governo de Michel Temer, que a nomeou para o cargo, foi suspensa provisoriamente na semana passada por decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal.

O texto do ministério tornou mais limitado o conceito de trabalho escravo, exigindo que haja “restrição à liberdade de locomoção da vítima” para a ação ser enquadrada no crime.

Penas mais duras

Nesta segunda, Dodge avançou em suas críticas, e disse que é preciso endurecer as penas aplicadas a quem emprega trabalho análogo à escravidão, seja no campo ou na cidade.

“Uma das críticas que faço à atual disciplina do Código Penal Brasileiro no tocante a esse crime é que a pena mínima é muito baixa. O juízes em geral aplicam a pena mínima àqueles que não são reincidentes, o que leva a uma punição que permite a conversão da pena de prisão em uma das penas alternativas – pagamento de cestas básicas, prestação de serviços à comunidade –, algo importante para a reeducação do infrator, mas que é, de todo modo, na minha opinião, desproporcional ao que ele fez a outros seres humanos. Acho que esse seria um dos aprimoramentos do nosso marco regulatório”, afirmou.

Publicidade

Segundo o artigo 149 do Código Penal, “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto” leva a uma pena de dois a oito anos de prisão, e multa.

“O que o agente deste crime faz é transformar aquela pessoa em um objeto, alguém que satisfaça seus interesses, e o seu interesse não é apenas cercear a sua liberdade, é usar aquela pessoa para una finalidade que satisfaça o interesse desse agente. Transforma aquela pessoa em um objeto à semelhança do que fazemos no exercício do direito de propriedade”, disse Dodge.