O engenheiro Glaucos da Costamarques reafirmou, em depoimento ao juiz Sergio Moro nesta sexta-feira (15), que não recebeu nenhum aluguel do apartamento locado para o ex-presidente Lula de 2011 até 2015 e que, ainda assim, assinou recibos referentes ao pagamento. Disse ainda que acreditava ter comprado o imóvel para José Carlos Bumlai, pecuarista e amigo de Lula. E que achava que seria ressarcido pela compra posteriormente.
Costamarques é o proprietário oficial de um imóvel em São Bernardo do Campo (SP), vizinho do apartamento de Lula, que era alugado pelo ex-presidente. O Ministério Público Federal (MPF), porém, diz que Costamarques atuou como “laranja” de Lula na compra desse apartamento, que teria sido adquirido com propina da empreiteira Odebrecht.
“Eu tinha o contrato de aluguel, pagava o imposto [incidente sobre os rendimentos], tinha que declarar que recebi. Porque eles, dona Marisa [mulher de Lula, morta em fevereiro deste ano], ia declarar que pagou”, disse Costamarques a Moro.
O acerto de contas informal com Bumlai
Costamarques afirmou ainda a Moro que houve um acerto de contas informal entre ele e o pecuarista José Carlos Bumlai para o ressarcimento dos impostos pagos pelo engenehiro. Bumlai, primo de Costamarques e amigo pessoal de Lula, é acusado de ter sido um intermediário de Lula no caso. O engenheiro afirmou no depoimento que o pecuarista se comprometeu a pagar, por conta própria, os impostos do aluguel, que seriam de R$ 2,5 mil anuais.
Isso ocorreu, segundo Costamarques, quando ele reclamou com Bumlai de que não havia recebido de Lula os valores referentes aos primeiros meses de aluguel, no início de 2011. “Além de não receber o aluguel, vou pagar um imposto? Ele [Bumlai] falou: ‘Não, vou ressarcir esse imposto para você’. (...) Ele [Bumlai] falou: Glaucos, esquece o aluguel”, disse o engenheiro no depoimento.
Costamarques afirmou ainda que, até Bumlai ser preso pela Lava Jato no final de 2015, acreditava que havia comprado o apartamento para o pecuarista e que o dinheiro seria devolvido. Após o episódio, afirmou ter pensado: “Então, daqui para a frente, já que [o apartamento] está no meu nome mesmo, vou assumir: o apartamento é meu”.
Advogado de Lula comunicou em 2015 que, dali em diante, petista ia pagar o aluguel
O engenheiro também confirmou que, quando esteve internado no Hospital Sírio Libanês (SP), no final de 2015, recebeu visitas do contador João Muniz Leite. Na ocasião, disse ter assinado recibos do aluguel referentes a 2015 e “talvez algum recibo anterior que ele tenha falado que estava errado”.
Ele afirmou também que o encontro pode ter sido consequência da visita do advogado de Lula, Roberto Teixeira. Segundo Costamarques, Teixeira esteve no hospital antes do contador. “Eu estava internado e ele entrou dentro do meu quarto. Foi comunicar que, daquela data em diante, iriam pagar o aluguel.”
O nome de Teixeira não consta do registro de visitas do hospital. Segundo o engenheiro, isso é porque o advogado entrou sem se identificar. “A entrada é falha. Nem toda entrada é fiscalizada. A principal é; as outras não são.”
Contador se contradiz
O contador João Muniz Leite também prestou depoimento ao juiz Sergio Moro nesta sexta-feira (15). Ele se contradisse em relação a outro depoimento, prestado no final de setembro.
À época, Leite afirmou que recebia das mãos de Costamarques, periodicamente, os recibos referentes ao pagamento dos aluguéis, de 2011 a 2015, os quais serviam para dar lastro às declarações do Imposto de Renda. Dessa vez, contudo, o contador disse que só recebeu os recibos diretamente do engenheiro em 2015, por meio de uma pasta, após cobrá-lo pela ausência dos documentos referentes a 2014.
Como alguns recibos estavam faltando e outros não tinham a assinatura de Costamarques, Leite teria ido ao hospital regularizar a situação. “Me equivoquei nesse ponto aí”, afirmou, ao ser questionado por Moro.
O contador disse ter sido responsável pelas declarações de renda de Lula, a pedido do advogado Roberto Teixeira, de 2011 a 2015. Afirmou que o advogado repassava a documentação necessária para que fizesse a contabilidade.
Leite disse que, em 2013, os recibos não constavam da documentação. Por isso, Costamarques teria enviado um e-mail a ele, confirmando os valores recebidos a cada mês naquele ano.
Ao visitar o engenheiro no hospital, em 2015, afirmou ter colhido cerca de 15 assinaturas. Voltou a negar que todos os recibos tenham sido assinados de uma só vez. Disse que precisou preparar três ou quatro recibos que estavam faltando na pasta entregue por Costamarques.
Segundo ele, a urgência se dava porque o engenheiro não morava mais em São Paulo e que, ao sair do hospital, voltaria para Mato Grosso. O contador afirmou que não conhecia Lula, mas que tinha uma preocupação maior com o caso por se tratar de um ex-presidente e que se sentia “lisonjeado” pelo trabalho ser de sua responsabilidade.
MPF argumenta que recibos foram usados para disfarçar quem era o verdadeiro dono do apartamento
A polêmica e os questionamentos em torno dos recibos adiaram para 2018 a sentença de Moro no segundo processo que Lula responde na Lava Jato de Curitiba. Após ser cobrado publicamente por Moro em setembro, Lula apresentou um conjunto de recibos de locação assinados por Costamarques.
O Ministério Público Federal (MPF), porém, levantou suspeitas sobre essa prova e abriu um procedimento paralelo à ação penal, chamado de incidente de falsidade criminal. Em nota, o MPF afirmou que as provas demonstram “que o contrato e o recibo são papéis criados para disfarçar a real titularidade do imóvel usado pelo ex-presidente, que foi comprovadamente comprado com recursos oriundos da Odebrecht”.
Lula nega que seja dono do apartamento
A defesa de Lula nega que o ex-presidente seja o dono do apartamento e que o imóvel tenha sido adquirido com recursos da Odebrecht.
Em nota divulgada nesta sexta-feira, o advogado Cristiano Zanin, que defende Lula, afirma que os depoimentos confirmaram que os recibos são autênticos e que foram emitidos por Costamarques com declaração de quitação, “prova mais plena do recebimento dos aluguéis de acordo com a lei brasileira”.
A quitação, segundo a defesa, foi “confirmada por outros documentos existentes nos autos, como a movimentação nas contas do proprietário envolvendo valores em espécie”. “Também ficou claro mais uma vez que o apartamento não é do ex-presidente Lula e que não há qualquer valor proveniente de contratos da Petrobras relacionado ao imóvel”, diz o texto da defesa do ex-presidente.