Em julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal (STF) restringiu, nesta quinta-feira (3), o alcance do foro privilegiado a parlamentares federais. Pelo entendimento firmado, só ficarão na Suprema Corte processos contra deputados e senadores relativos a crimes cometidos no exercício do cargo e que tenham relação com a função exercida. Parece simples: ações sobre crimes anteriores ao início do mandato e aqueles que não têm relação com o cargo devem descer para a primeira instância judicial. Mas será?
Os quatro ministros que se opuseram à tese majoritária – Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes – questionaram esse novo entendimento. Alertaram que a decisão dará margem a múltiplas interpretações e levantará uma série de dúvidas, já que agora caberá a cada ministro, ao analisar um processo, decidir se o caso diz respeito a crime cometido ou não em função do cargo.
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Por isso, a decisão do STF gera alguma dúvidas práticas: qual o alcance dessa decisão? Todos os processos vão para instâncias inferiores imediatamente? Os julgamentos serão mais ágeis? O Congresso pode rever essa restrição do foro? Entenda como vai se aplicar a restrição de foro por função a congressistas e o que ainda está em jogo:
1) Qual é o alcance da decisão?
O julgamento do STF tratou apenas da restrição de foro aos 81 senadores e aos 513 deputados federais. Portanto, das mais de 58 mil pessoas com direito a julgamento em instâncias superiores no país, apenas 1% delas será diretamente atingida.
Porém, há uma tendência do chamado efeito cascata, que levaria a ampliação desse alcance não só a outras instâncias federais, mas também estaduais e municipais, sendo considerados dentro das novas regras, por exemplo, ministros, governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores.
A decisão desta quinta também deixou de fora os integrantes do Judiciário com foro por prerrogativa de função – magistrados, promotores e procuradores. Levantamento da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) aponta a existência de 34.676 pessoas nessas condições.
Para estender os efeitos da medida, seria necessário um novo julgamento. Porém, já existe expectativa nesse sentido.
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2) Tudo muda de instância imediatamente?
Uma das discussões que predominaram nas sessões de quarta (2) e desta quinta foi justamente sobre a questão temporal da medida. A dúvida é, por exemplo, se fica no STF o processo de um crime cometido numa campanha eleitoral para exercer outra função, enquanto o parlamentar se encontrava no exercício do mandato no Congresso Nacional.
Um caso prático: a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) é acusada de corrupção e lavagem de dinheiro na campanha de 2010, quando já estava no Senado, mas concorria ao governo do Paraná. Trata-se de um crime cometido que não tem relação com o mandato que dá direito ao foro. Onde isso vai parar não ficou claro, e precisará ser analisado separadamente.
Como esse, há outros. Portanto, não haverá imediatismo em muitos casos, que precisarão ser analisados separadamente pelos gabinetes dos ministros que tomam conta dos respectivos processos.
3) Processos terão mais agilidade?
A agilidade das decisões do juiz Sergio Moro, responsável pelas ações da Lava Jato em Curitiba, ganhou ressonância e tem servido como embasamento para uma afirmação: a restrição do foro vai agilizar julgamentos.
Isso não é de todo verdade. É imprescindível ressaltar que há desmembramentos da Lava Jato, por exemplo, no Rio de Janeiro, com o juiz Marcelo Bretas. Ambos apostam na celeridade, mas suas varas têm o benefício de atuarem exclusivamente na operação, devido à amplitude que ela ganhou nessas localidades.
Para onde irão os casos que seguirem para instâncias inferiores? Não se sabe. Podem seguir para Curitiba, quando tratarem da Lava Jato, mas podem, mesmo nesses casos, acabarem julgadas por tribunais onde o crime foi cometido.
Na sessão desta quinta, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, destacou que quase 23% dos cargos do Judiciário estão vagos. O que justifica a demora em muitas ocasiões.
4) O Congresso pode rever a decisão do STF?
Quando há interpretações consideradas polêmicas e de fundamental importância pelos parlamentares é comum ouvir nos corredores do Congresso que o STF legislou no lugar do Legislativo.
Há diversas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tratam do foro privilegiado em tramitação tanto na Câmara, quanto no Senado. A mais famosa delas, de autoria do senador Alvaro Dias (PODE-PR), acaba com foro por prerrogativa de função para praticamente todos que hoje gozam desse benefício – mantém apenas para presidente da República e vice, e presidentes dos poderes Legislativo e Judiciário.
A PEC, já aprovada no Senado, está parada na Câmara. A justificativa dos congressistas é que, com a intervenção federal no Rio, não podem ser votadas medidas que alterem a Constituição. É um fato. Porém, muito antes disso, o acordo político para aprovar a PEC de Dias já contava com essa paralisação da análise.
Por outro lado, uma outra proposta no sentido contrário, retomando o foro para parlamentares, poderia acabar aprovada? Em se tratando de Legislativo, tudo é possível, mas o custo político de uma decisão dessas é sempre considerado.
Dessa forma, mais do que alterar a decisão judicial desta quinta, os parlamentares acabarão contando, apostam consultores legislativos, com as brechas deixadas pela decisão do Supremo.
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