Com o crescimento de operações que focam em crimes do colarinho branco envolvendo políticos e empresários, como a Lava Jato, o combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas e armas está prejudicado, o que trará reflexos negativos para a segurança pública nas próximas décadas. Essa é uma das conclusões de análise realizada por agentes da Polícia Federal (PF) e especialistas da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef).
Em relatório, a entidade aponta que há sobreposição de competências entre o Departamento de Polícia Federal (DPF) e o Ministério Público, e que parte dos delegados prefere realizar “trabalho de escritório”. Como resultado, a entidade avalia que menos de 5% da droga que a PF acredita circular pelos portos de Paranaguá (PR), Santos (SP) e Navegantes (SC) é interceptada.
“No país todo e principalmente nas fronteiras, a estrutura de investigação ao tráfico de drogas e organizações criminosas recuou, minguou. Apesar de ser muito importante, a PF voltou seus investimentos quase que por completo a operações que envolvem políticos e desvios de verbas, que também são importantes, mas não se pode esquecer de manter policiais diferenciados em crimes violentos e tráfico de drogas. E mesmo entre esses, há uma ciumeira colossal quando cruzam com atribuições umas das outras”, aponta trecho do relatório produzido pelo presidente da Fenapef, Luis Boudens, e obtido pela Gazeta do Povo.
Depois de recorde, apreensões de drogas caíram
Dados da PF sobre apreensões de drogas mostram queda nos volumes a partir de 2014, ano em que foi iniciada a operação Lava Jato. Em 2013, ano de volume recorde apreendido, foram capturados 41,7 toneladas de cocaína. Em 2014, houve recuo, com 33,8 toneladas apreendidas, seguido por 27,2 toneladas em 2015. No ano passado, as apreensões voltaram a subir, mas ainda abaixo do volume recorde de 2014, com 39,3 toneladas.
A quantidade de operações realizadas cresceu entre 2014 (390 ações) e 2015 (516 ações), mas desacelerou no ano passado, com 550 operações realizadas, de acordo com dados da PF.
Relatório mundial sobre drogas produzido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2016 aponta que o Brasil estava entre os principais países de trânsito da cocaína, além da Europa, no período 2009-2014. Ao todo, 51% da droga que chega ao sul do continente africano vem do Brasil. O Brasil também é citado como importante fonte da droga vendida na Ásia.
“O maior medo hoje deveria ser, por parte das autoridades, a trégua que irá acontecer entre as facções e o futuro acordo para se unirem e montar a estrutura mafiosa como aconteceu na Itália e nos EUA nos anos 20 do século passado. A diferença atual é a brutalidade dos membros das atuais facções. O que é tratado como terrorismo pelo resto do mundo, aqui no Brasil é apenas briga pelo poder”, avalia o relatório da Fenapef.
“Maquiagem” nos números de apreensões
Na visão dos agentes, a mistura entre as atribuições do Ministério Público e da PF prejudica o combate ao crime organizado, cabendo ao MPF a realização das operações, enquanto a polícia faz apenas apreensões. No relatório, a Fenapef afirma que o Departamento de Polícia Federal “maquia e fabrica” números de apreensão, ao realizar poucas buscas e contabilizar como uma operação.
Como exemplo, ele cita parceria criada em 2009 entre o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) com a PF. A atuação não teria dado certo, na avaliação do presidente da Federação dos Agentes, “porque alguns delegados boicotaram. Outros não queriam ‘depender’ do Ministério Público”.
“É sintomático que via de regra as operações contra as facções são realizadas pelo MP. Trabalhar facções é trabalhoso e o DPF acredita não ser sua atribuição. Prefere fazer apreensões, somente em cima do tráfico sem assumir diretamente as facções, para gerar números, sem sequestrar patrimônio, dinheiro e vincular o maior número de comparsas. Ao mesmo tempo as polícias estaduais também não o fazem e então temos uma zona cinzenta de atuação”, avalia, no relatório.
Preferência pelo trabalho de escritório
A preferência pelas atividades no “conforto” do escritório também ajudam a reduzir o combate ao crime organização, na visão dos agentes. “Os delegados não querem o fardo de combater entorpecentes, que envolvem atividades policiais operacionais. Preferem investigar crimes de colarinho branco, como a Lava Jato, pois podem fazer de forma confortável de suas mesas de trabalho, analisando os papéis”, avalia a Fenapef.
Também são feitas críticas à Justiça Federal. Os agentes apontam que há problemas de competência entre as entidades, que ficaram expostas na Operação Leviatã (2011). “A Justiça Federal achava que não era competente e então o trabalho não foi à frente, o que era a vontade de um grupo na PF, que achava não ser competência da Polícia Federal a investigação. É exemplo do descaso dos dirigentes da PF com a situação atual de caos na segurança pública”, afirma Boudens.
“Os Relints (Relatórios de Inteligência) que chegam a Brasília são arquivados, demonstrando que não há interesse ou disponibilidade para combater a facção, e ainda que as unidades da Polícia Federal não se comunicam (seja por não se comunicarem diretamente, seja por que o órgão central encarregado não dá a devida importância a informações vitais para a Segurança Pública)”, sustenta.
Alternativa ao problema
Uma das formas de reverter esse fluxo, na visão dessa ala da PF , é resgatar a atuação de agentes federais investigadores que formavam grupos em grandes escritórios e Delegacias de Repressão a Entorpecentes. Nessas estruturas, seriam colocados juntos policiais experientes com especialistas em informática, telemática, redes sociais, vigilância e vigilância eletrônica. Reforços ao controle de fronteiras também são essenciais, para evitar não somente a entrada de drogas, mas também de armas e contrabando, o que alimenta financeiramente as facções criminais.