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Coletiva de imprensa da Operação Lava Jato, em Curitiba: cena já se repetiu mais de 40 vezes em quatro anos. | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Coletiva de imprensa da Operação Lava Jato, em Curitiba: cena já se repetiu mais de 40 vezes em quatro anos.| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

A modesta operação que começou investigando a atividade de quatro núcleos de doleiros em 2014 completa quatro anos na ativa neste sábado (17) com a pretensão de induzir mudanças na política brasileira. Desde o ano da deflagração, a Lava Jato já levou à prisão importantes empresários, operadores financeiros e políticos, além de revelar um gigantesco esquema de corrupção que arrastou para a lama caciques da política brasileira de várias cores partidárias. Otimistas, os investigadores da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba – marco zero da investigação – acreditam que a operação vai deixar como legado uma renovação política nas eleições deste ano.

Integrante da força-tarefa da Lava Jato no MPF em Curitiba, o procurador Júlio Noronha diz acreditar que a principal contribuição que a operação pode dar ao país é trazer um diagnóstico capaz de induzir uma mudança na sociedade. “As eleições são fundamentais para o futuro do país, não só para o futuro da Lava Jato”, diz o procurador.

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Superintendente da Polícia Federal no Paraná, Maurício Valeixo chama a atenção para o problema da corrupção sistêmica que toma conta do Brasil. “Se você tiver uma observação mais ampla, não se limitando apenas às investigações relacionadas à Lava Jato, mas outras operações em outros estados, você verifica que tem um problema sério a ser enfrentado no Brasil com relação à corrupção”, alerta.

Os dois apostam nas eleições de 2018 como ponto inicial para se começar a resolver o problema. “Precisamos refletir muito e entender que essas operações ajudam a mostrar o tamanho do problema que o Brasil vive hoje e cabe à sociedade brasileira escolher qual o caminho que ela quer para o futuro da nação”, destaca Valeixo.

“Se há insatisfação, se há incômodo com tudo aquilo que foi demonstrado, um dos principais momentos para a gente fomentar uma mudança que a gente deseja é esse momento da eleição, o momento do voto”, aponta Noronha.

Mudança passa pela política

Um dos efeitos colaterais da Lava Jato é a descrença da sociedade na política. A operação mostrou que partidos teoricamente em lados opostos do campo ideológico se valeram do mesmo esquema de corrupção e caixa dois para financiar campanhas e se manter no poder, tanto no âmbito federal quanto nos estados.

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Mas Noronha destaca que, apesar dos problemas, a política deve ser valorizada. “A saída para esse momento que nós vivemos agora passa pela política, não há a menor dúvida”, alerta o procurador.

Um exemplo disso é a necessidade de rever a prerrogativa de foro. O chamado foro privilegiado é apontado tanto pelo representante do MPF quanto por Valeixo como um problema para o Supremo Tribunal Federal (STF), que deveria ter apenas a atribuição de ser o guardião da Constituição. Ao invés disso, a Corte também é responsável por conduzir investigações contra políticos.

Há um julgamento no próprio STF sobre o caso, mas a decisão foi adiada por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Além disso, há também uma discussão no Congresso sobre o tema. O fim, ou até mesmo a restrição do foro privilegiado de políticos, acarretaria em uma avalanche de investigações na primeira instância, onde os trâmites são mais rápidos.

“Esse modelo que nós temos hoje, você acaba até de certa forma paralisando o Supremo para cuidar de questões que poderiam estar afetas a outro tribunal”, aponta Valeixo.

Para Noronha, a solução, nesse caso, passa pela política. “O que se precisa para haver a alteração é de vontade política. E a vontade política se manifesta através dos parlamentares eleitos”, explica o procurador. “Se essa é uma mudança que a sociedade aspira, importante pensar no momento de votar se quem vai estar lá vai representar ou não essa aspiração”, alerta.

Críticas

Desde a deflagração, a Lava Jato tem sido alvo de críticas no mundo político e no mundo jurídico. Um dos principais pontos questionados é a motivação política dos investigadores. Isso porque até certo momento a investigação ficou mais concentrada em atos ilícitos praticados por integrantes do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo federal.

Isso acabou levando diversos petistas à prisão, como o ex-deputado federal André Vargas, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o ex-ministro José Dirceu (atualmente em prisão domiciliar), além de ter levado o ex-presidente Lula ao banco dos réus três vezes só em Curitiba.

Depois das grandes delações da Odebrecht e da JBS, porém, o número de casos envolvendo políticos de outros partidos cresceu e acabou jogando os holofotes sobre figuras como Aécio Neves (ex-presidente nacional do PSDB), e o presidente Michel Temer (PMDB), além de figuras do primeiro escalão do atual governo.

Noronha defende a investigação. Para ele, a Lava Jato é técnica e apartidária. “Esses esquemas criminosos de corrupção e lavagem de dinheiro que foram descobertos no âmbito da administração pública federal, infelizmente também se repetem em algumas situações no âmbito estadual e no âmbito municipal, independente da sigla partidária que esteja no comando”, lamenta.

Para Valeixo, está claro que a operação apura atos de corrupção, independentemente de quem os praticou. “Não interessa para a Polícia Federal se esse ato é praticado por A, B ou C. Não estou aqui em busca de A, B, ou C, estou em busca de esclarecer e fornecer ao Judiciário e Ministério Público elementos que demonstrem quem foi responsável por aquele ato de corrupção”, diz o superintendente da PF.

Atuação organizada

A Lava Jato não é a única operação em curso no Brasil que investiga a corrupção, mas é a que mais ganhou holofotes na imprensa e a que mais atraiu o interesse da sociedade. Para Valeixo e Noronha, a explicação para isso passa pela publicidade dos processos, que é praxe na Justiça Federal na região Sul do país.

“Isso facilitou a Lava Jato ser absorvida pela sociedade”, avalia Valeixo. Para ele, a deflagração de várias fases – até agora foram 49 – também contribui para que a sociedade entenda e acompanhe o que acontece.

Para Noronha, a atuação em conjunto de vários órgãos de investigação – MPF, PF, Receita Federal, Controladoria Geral da União – também explica o sucesso. “A gente enfrenta uma criminalidade organizada e muitas vezes a gente não tem o Estado atuando de forma organizada”, diz.

“Isso é muito interessante porque a gente tem basicamente dois tipos de criminalidade organizada. Você tem o crime organizado de violência e o crime organizado de astúcia, de inteligência. O nosso foco principal, os nossos investigados acabam se envolvendo mais nessa criminalidade do crime organizado de astúcia. E o que se espera do Estado também é um agir inteligente para poder combater, usando suas forças. É o que a gente procura fazer aqui”, revela o procurador.

Novos aniversários?

Uma pergunta recorrente na Lava Jato é justamente até onde vai a operação. Na Polícia Federal, apesar da força-tarefa específica para o caso ter sido desfeita em meados do ano passado, Valeixo garante que 2018 será um ano de “muito trabalho” pela frente. A Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas (Delecor), que absorveu as investigações, deve receber reforços em breve.

O aumento no efetivo já havia sido prometido pelo ex-diretor geral da PF, Fernando Segóvia e, segundo Valeixo, já foi autorizado por Brasília. A PF em Curitiba está em fase de seleção de nomes que possam ser integrados à equipe, segundo o superintendente.

No MPF, a força-tarefa continua mobilizada. “Sempre tem aquela pergunta: até onde vai a operação? Nosso desejo é ir até onde houve crime. Como a gente não sabe até onde houve, queremos seguir fazendo nosso trabalho, investigando até onde for possível”, diz Noronha.

O procurador ressalta, porém, que o trabalho é árduo e não envolve apenas a atuação dos órgãos de investigação. “É lógico que há como a gente desmantelar esses esquemas, mas não é um trabalho simples, não é um trabalho rápido e não é um trabalho de uma pessoa ou de uma instituição. É um trabalho de toda a sociedade”, diz.

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