Cada vez mais confrontado pela imprensa sobre o que pensa a respeito de assuntos econômicos, o deputado federal e pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro evita se posicionar e se justifica repetindo um mantra: não precisa entender “tanto” de economia para governar o país, do mesmo modo que não tem de ser médico para gerir a saúde pública. Segundo ele, a economia será delegada a um especialista, caso seja eleito.
A verdade é que Bolsonaro está parcialmente certo e parcialmente errado. A formação teórica em economia e um amplo conhecimento da área não são necessariamente pré-requisitos para que alguém seja um bom governante. Mas ele tem de saber conceitos gerais sobre o assunto para definir suas diretrizes e tomar decisões.
Além disso, ao que tudo indica, o silêncio do deputado é menos desconhecimento sobre economia e mais estratégia eleitoral para evitar entrar em polêmicas nessa etapa de construção da candidatura.
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“Eu tenho que entender tanto de economia?”
Em entrevista ao site O Antagonista no dia 20 de outubro, Bolsonaro foi questionado várias vezes sobre suas posições sobre economia, taxa de juros, inflação. Demonstrando contrariedade com a insistência do jornalista, o deputado devolveu com uma pergunta retórica: “Eu tenho que entender tanto de economia?”. E logo depois emendou: “Por que eu não tenho que entender de medicina, já que eu vou indicar o ministro da Saúde? Entender de pecuária, já que eu vou indicar o ministro da Agricultura?”
Bolsonaro também vem afirmando que está sendo assessorado na área econômica, mas não revela por quem. E diz que a gestão econômica de uma possível presidência sob seu comando ficará a cargo do ministro da Fazenda, que será um especialista. “É igual ter um paciente na mesa [de cirurgia]: quem vai dizer [qual é] o problema é o médico; não sou eu”.
Assista ao vídeo com a entrevista em que Bolsonaro diz que não precisa entender de economia
Uma análise sobre as declarações de Bolsonaro
O cientista político Doacir Quadros, do Grupo Uninter, afirma que, de fato, o conhecimento profundo de uma área não é pré-requisito para que alguém seja um bom presidente. “Em virtude da complexidade da gestão pública, o governante não precisa dominar todas as áreas”, diz o cientista político Doacir Quadros, do Grupo Uninter. “E esse é um fenômeno não só do Brasil; ocorre em vários países.”
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Segundo Quadros, o líder político costuma se cercar de uma equipe técnica formada por especialistas para ajudá-lo na tomada de decisões. Mas é o presidente quem estabelece as linhas gerais de seu governo e tem a palavra final – e não o ministro da Fazenda, que pode ser demitido. Ou seja, se Bolsonaro se eleger, ele é quem terá de estabelecer as diretrizes econômicas. E, portanto, precisa ter conhecimentos gerais sobre o assunto, além de revelar o que pensa e o quer – até mesmo durante a campanha, antes de eventualmente ser eleito.
Além disso, a economia – o “dinheiro no bolso do eleitor” – é o principal fator que decide uma eleição presidencial. E o discurso de Bolsonaro de que não precisa entender de economia, se permanecer em 2018, vai prejudicá-lo durante a campanha, passando a imagem de que é incapaz de governar o país. “Os adversários não vão deixar isso passar batido”, afirma o cientista político.
Para Quadros, Bolsonaro sabe disso. Portanto, o discurso dele é mais uma estratégia eleitoral para evitar polêmicas nessa fase de construção da candidatura, na qual ele ainda está em busca de apoios.
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A história mostra: crescimento sem economista...
A história do Brasil mostra que o conhecimento profundo em economia não é necessariamente pré-requisito para uma boa gestão na área. Presidentes que eram economistas já produziram recessão e dirigentes do país sem essa formação acadêmica obtiveram períodos de crescimento. Mas praticamente todos deixavam claro suas diretrizes econômicas – inclusive como candidatos.
A linha econômica da ditadura militar, por exemplo, nunca foi segredo: era nacional-desenvolvimentista, estatista. O crescimento econômico do Brasil nos 21 anos do regime, quando os presidentes eram generais e não economistas, foi de expressivos 6,2% ao ano, em média. Um porém: o último governo militar, de João Figueiredo, entregou um país aos civis com sérios problemas econômicos – fruto em grande medida dos gastos públicos excessivos de governos anteriores que produziram o “milagre brasileiro”.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que é metalúrgico e nem mesmo tem diploma universitário, legou ao país um período de crescimento médio de 4,05% anuais. E seu principal ministro da Fazenda, Antonio Palocci, é médico. Lula, como candidato, também sempre deixou claro o que queria na área econômica: ora foi mais estatista (quando perdeu as eleições), ora mais pró-mercado (quando venceu).
Fernando Henrique Cardoso também não tem formação acadêmica específica em Economia. É sociólogo. Ainda assim, foi sob sua gestão como ministro da Fazenda, no governo de Itamar Franco, que foi lançado o Plano Real – que conseguiu acabar com uma hiperinflação de astronômicos 2.477% ao ano. FHC elegeu-se presidente com um discurso mais liberal do que estatista; e conseguiu um crescimento médio anual de 2,4% ao ano.
... E recessão com economistas
Os dois presidentes brasileiros que tiveram formação em Economia após a redemocratização – Fernando Collor (que também era jornalista, além de economista) e Dilma Rousseff – apresentaram desempenho econômico muito ruim.
A gestão Collor, que teve contornos liberais, apresentou como resultado uma queda média do PIB de 1,3% ao ano. A ministra da Economia de Collor era Zélia Cardoso de Mello, uma economista.
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Já o governo de Dilma, mais estatista, promoveu um crescimento médio de 1,09% anual. Contudo, deve-se frisar que, embora o país tenha crescido nos primeiros anos da administração da petista, o que resultou na média positiva, Dilma deixou a Presidência com o país em forte recessão e desemprego em alta. Outro detalhe: o ministro da Fazenda durante toda a gestão dela foi Guido Mantega, um economista de formação.
Dilma também perdeu apoio popular ao se eleger em 2014 com um discurso que implicava em aumento de investimentos sociais e de, durante seu segundo mandato, ter adotado na prática uma gestão voltada para a contenção de gastos.
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