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| Foto: JONATHAN CAMPOS/GAZETA DO POVO

Apontada como uma das medidas prioritárias para equacionar as contas públicas brasileiras, a reforma da Previdência está longe de figurar entre os temas de maior preocupação na campanha eleitoral de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Os dois finalistas da corrida ao Palácio do Planalto, além de terem dedicado apenas algumas linhas dos seus programas de governo à questão previdenciária, insistem em abordagens superficiais quando questionados sobre como vão encarar o problema.

A realidade mostrada pelos números, com um déficit crescente que pressiona as contas do governo e coloca em dúvida a sustentabilidade da Previdência, contrasta com a postura dos presidenciáveis. Mesmo setores da sociedade que contestam a proposta do governo Temer de reforma previdenciária reconhecem que é preciso resolver o problema para evitar um colapso do sistema no médio e longo prazos.

ENTREVISTA: “As propostas dos candidatos estão longe de ser um projeto de reforma da Previdência”

Dados do Ministério da Fazenda mostram que a Previdência Social registrou um déficit nominal de R$ 182,4 bilhões no ano passado, com crescimento de 21,8% em relação a 2016. Esse montante diz respeito apenas às aposentadorias dos trabalhadores dos setores privados urbano e rural e benefícios assistenciais, como acidentários. Se somado ao déficit do regime dos servidores públicos federais, de R$ 86,3 bilhões, o rombo sobe para mais de R$ 268 bilhões.

Capitalização

As propostas de Bolsonaro e Haddad são distintas. O candidato do PSL propõe a implantação do modelo de capitalização – em que os contribuintes passam a recolher para um fundo previdenciário –, mas não oferece detalhes de como será feita a mudança. O plano do candidato admite que, durante o período de transição, a medida provocaria redução dos recursos do sistema de Previdência atual, ou seja, o déficit do sistema antigo cresceria. No entanto, deixa de explicitar como será coberto o rombo. Fala apenas de um “fundo” para isso, sem mencionar a origem do dinheiro.

Durante a última semana, Bolsonaro e integrantes de sua equipe não descartaram incluir os militares na reforma da previdência, mas defenderam tratamento diferenciado. O candidato, em entrevista ao SBT no dia 16, disse que a previdência dos militares “é diferente” da dos outros, já que os militares não têm “hora extra, fundo de garantia, direito de greve e descanso remunerado”.

O general Roberto Se­­bastião Peternelli Júnior, deputado federal eleito pelo PSL, declarou que uma reforma da Previdência deve “preservar as especificidades das carreiras militares”.

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Em debates na Câmara dos Deputados sobre a proposta de reforma apresentado pelo governo Temer, Bolsonaro defendeu a exclusão dos militares das novas regras. Agora, ele e alguns auxiliares descartam o projeto de Temer.

O deputado Onyx Loren­­zoni (DEM-RS), principal articulador político do grupo e cotado para ministro-chefe da Casa Civil em caso de vitória do candidato do PSL, chamou a reforma de Temer de “porcaria” e disse que ela “não resolve nada”.

Bolsonaro, apesar de insistir que a reforma é urgente, também questiona mudanças para servidores. “O próprio servidor público já sofreu duas reformas previdenciárias. Podemos mexer, sim, mas ninguém será penalizado”, disse ao SBT.

Regime geral

Na seara de Haddad não se cogita capitalização. No programa de governo, o petista fala em equilibrar as contas do sistema com a adoção de “medidas para combater, na ponta dos gastos, privilégios previdenciários incompatíveis com a realidade da classe trabalhadora brasileira”. Traduzindo, seria limitar as altas aposentadorias do sistema público, espalhadas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário nos níveis federal, estadual e municipal.

Em entrevistas a diversos veículos de comunicação desde que chegou ao segundo turno das eleições, o candidato do PT tem insistido na proposta de implantação de um regime único de Previdência Social, em que os trabalhadores do setor público ficariam sujeitos às mesmas regras que os do setor privado.

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“É o justo, não ter privilégio para ninguém, ter um regime só, para todos os trabalhadores, independentemente de ser do setor público ou privado”, tem dito, sem detalhar a forma de como isso será feito.

O presidenciável petista rejeita a proposta apresentada por Temer e qualquer modelo de privatização. “Já temos a previdência privada, em que qualquer um pode optar”, diz. Ele propõe retirar o trabalhador rural da discussão sobre a mudança da idade mínima para se aposentar, assim como quem ganha baixos salários. Afirma também que fará as mudanças gradualmente, começando pela equação da Previdência dos estados e municípios. Em seguida atacaria a questão dos servidores públicos e, por fim, consolidaria o regime geral.

Prós e contras

Na avaliação geral de quem estuda a questão da Previdência no Brasil, as propostas dos dois candidatos são pouco claras e insuficientes para resolver o problema. Embora muitos defendam o sistema de capitalização, há quem critique a proposta e defenda o modelo de repartição, como é feito atualmente, mas com ajustes.

“Quando você olha para a Previdência, nota-se que a primeira necessidade é o equilíbrio de contas. Significa que aquele valor que cada indivíduo cria como contribuição para custos de manutenção e evolução da administração da previdência, mais o fluxo de saídas (recebimentos que o contribuinte há de ter quando se aposenta) deve corresponder ao valor total das contribuições desse mesmo contribuinte. O modelo do Bolsonaro admite esta equação e tende a criar um equilíbrio aparente. Desse ponto de vista ele ganha um ponto, mas quanto propõe excluir do sistema de equidade os militares, corpo de bombeiros e polícias, ele perde um ponto”, diz o economista Istvan Kasznar, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV/RJ) e especialista em contas públicas. Quanto à proposta de Haddad, Kasznar considera “letra morta” e diz que o presidenciável está entrando numa seara que ele não domina, que são estados e municípios.

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Sidnei Machado, professor de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Uni­­versidade Federal do Paraná (UFPR), defende o sistema de repartição e aponta falhas no regime de capitalização. “A questão da reforma é uma questão de escolher modelos. Tem modelo da previdência pública, que é geral, tem modelo privado e tem forma mista, de combinação. O modelo brasileiro, da Constituição de 1988, é muito inteligente, garante a previdência pública, como base, e permite a complementar como facultativa. Quem quiser fazer uma previdência privada está livre para fazer. As propostas do Bolsonaro são um modelo que já se experimentou, como, por exemplo, no Chile, e não deu certo. Lá não deu certo porque quem não tem emprego estável, quando chega ao final da vida laborativa, não tem ainda acumulado o suficiente para ter direito a uma aposentadoria suficiente para se manter”, argumenta.

Renato Follador, um dos idealizadores da Paranaprevidência, considera “pobres” as propostas de Haddad e Bolsonaro. “O maior problema é o déficit e qualquer uma das propostas vai agravar o rombo”, avalia. Para Follador, a solução está em um sistema que estabeleça idade mínima para todos, com exceção dos militares, fator previdenciário para medir tempo de serviço e previdência privada complementar fechada para servidores que quiserem benefícios acima do teto do INSS.

AS PROPOSTAS: O que o programa de Haddad diz sobre Previdência

“Promover o equilíbrio e justiça previdenciária. Nosso compromisso primordial para assegurar a sustentabilidade econômica do sistema previdenciário é manter sua integração, como definida na Constituição Federal, com a Seguridade Social. Rejeitamos os postulados das reformas neoliberais da Previdência Social, em que a garantia dos direitos das futuras gerações é apresentada como um interesse oposto aos direitos da classe trabalhadora e do povo mais pobre no momento presente. Já mostramos que é possível o equilíbrio das contas da Previdência a partir da retomada da criação de empregos, da formalização de todas as atividades econômicas e da ampliação da capacidade de arrecadação, assim como do combate à sonegação. Esse caminho será novamente buscado, ao mesmo tempo em que serão adotadas medidas para combater, na ponta dos gastos, privilégios previdenciários incompatíveis com a realidade da classe trabalhadora brasileira. Ademais, o governo buscará a convergência entre os regimes próprios da União, dos Estados, do DF e dos Municípios com o regime geral.”

AS PROPOSTAS: O que o programa de Bolsonaro diz sobre Previdência

“Há de se considerar aqui a necessidade de distinguir o modelo de previdência tradicional, por repartição, do modelo de capitalização, que se pretende introduzir paulatinamente no país. E reformas serão necessárias tanto para aperfeiçoar o modelo atual como para introduzir um novo modelo. A grande novidade será a introdução de um sistema com contas individuais de capitalização. Novos participantes terão a possibilidade de optar entre os sistemas novo e velho. E aqueles que optarem pela capitalização merecerão o benefício da redução dos encargos trabalhistas. Obviamente, a transição de um regime para o outro gera um problema de insuficiência de recursos na medida em que os aposentados deixam de contar com a contribuição dos optantes pela capitalização. Para isto será criado um fundo para reforçar o financiamento da previdência e compensar a redução de contribuições previdenciárias no sistema antigo.”

Paulo Tafner, um dos principais estudiosos de Previdência do país: “O que os candidatos apresentam até o momento são intenções, e nenhuma das duas propostas vai resolver o problema”.

Gelson Bampi/Fiep

ENTREVISTA: “As propostas dos candidatos estão longe de ser um projeto de reforma da Previdência”

Um dos principais estudiosos da questão previdenciária no país, o pesquisador Paulo Tafner – economista, doutor em Ciência Política e professor da Universidade Candido Mendes – diz que o que Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) apresentaram até agora não pode ser considerado um projeto de reforma da Previdência. “O que os candidatos apresentaram até o momento são intenções, e nenhuma das duas propostas vai resolver o problema”, afirma.

Autor de várias obras sobre o tema, como “Demografia: uma ameaça invisível – o dilema previdenciário que o Brasil se recusa a encarar” e “Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas”, Tafner liderou uma equipe de técnicos e especialistas na formulação do que ele classifica como “um programa amplo de reforma da Previdência”. O estudo, que teve coordenação do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga (governo de FHC) e será divulgado nos próximos dias, teve participação também de Leonardo Rolim, Marcelo Pessoa, Sergio Guimarães, Miguel Foguel, Rogério Nagamine e Pedro Nery, colunista da Gazeta do Povo .

Tafner diz que o trabalho ficará à disposição do próximo presidente e demonstra um fio de esperança de que a proposta venha a ser adotada pelo eleito.

Pergunta: As propostas de Haddad e Bolsonaro resolvem o problema da Previdência no país?

Resposta: Os candidatos têm falado coisas genéricas. Em sã consciência, alguém pode ser contra combater privilégio, proposto pelo Haddad? É claro que não. Em sã consciência, alguém pode ser contra criar um sistema de capitalização, proposto pelo Bolsonaro? Também é claro que não. O problema é como fazer, onde vão atacar os privilégios. Quando se fala em privilégios, a quais pessoas está se referindo, a que grupos? Isso precisa ser explicitado. No caso da capitalização, é preciso ver como se suporta o custo da transição. É um problema que, se for tentar resolver da forma como estão falando, é impagável. As propostas apresentadas até aqui por Bolsonaro e Haddad têm mais intenções do que projetos. Estão longe de ser um projeto de reforma da Previdência. Como candidato, eles estão em campanha, buscando votos, precisam ser eleitos.

Em linhas gerais, quais são os principais pontos da proposta que vocês vão apresentar ao eleito?

Estamos ultimando os detalhes, para ter uma proposta completa. É um projeto ambicioso, mas também é um projeto simples e ao mesmo tempo amplo. Os principais pontos contemplam os ataques aos privilégios e a criação de um sistema gradual de capitalização. Todo o projeto foi desenhado a partir de duas hipóteses dos princípios fundamentais, quais são: não podemos aumentar impostos para pagar a Previdência e não se pode perder um real de arrecadação. A partir desses dois princípios construímos a proposta, incorporando as virtudes do sistema de repartição, que tem virtudes, mas tem defeitos – procuramos aproveitar as virtudes e eliminar os defeitos – em composição com as virtudes do sistema de capitalização, sem trazer os seus defeitos, que também existem.

A proposta descarta totalmente o projeto de reforma apresentado pelo governo Temer?

Nosso estudo contempla também pontos do projeto que o governo Temer apresentou ao Congresso, como a idade mínima. Mas tem regra gradual.

Com essas medidas, o déficit da Previdência seria resolvido?

Nosso trabalho prevê redução progressiva de déficit e tem estimativa de quanto será economizado ao longo do tempo. A PEC 287 (proposta de reforma de Temer), na sua versão original, estimou que iria deixar de gastar 800 bilhões em dez anos, depois foi desidratada e esse valor caiu. Como nossa proposta é muito mais abrangente – não exclui militares, não excluiu servidores, entra todos os servidores públicos, incorpora as Forças Armadas –, então o impacto é muito maior em dez anos.

O economista Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda caso Bolsonaro venha a se eleger, admitiu avaliar a proposta do grupo que o senhor liderou para a reforma da Previdência. O senhor está contribuindo com o plano de governo do candidato do PSL?

Não estou colaborando com o programa de nenhum candidato. Não tive contato nem falei com nenhum candidato, como também não tive contato com assessorias deles. Nós somos um grupo independente, não somos ligados a nenhuma candidatura. Militamos na área de previdência há muitos anos, reunimos um grupo para elaborar uma proposta abrangente, moderna, que ataque todas as questões da Previdência e ofereça ao Brasil uma possibilidade, seja quem for o presidente eleito. Esse foi o princípio que nos norteou desde março deste ano, quando ainda não estava definido o quadro de candidatos, não se sabia quais seriam realmente os candidatos.

Qualquer um dos candidatos poderia aproveitar o trabalho?

Está tudo pronto e vamos apresentar nos próximos dias. Se o próximo presidente quiser ele não terá trabalho, basta só encaminhar para o Congresso Nacional. Até exposição de motivos tem.

Estudo prevê economia de R$ 130 bi ao ano

A íntegra da proposta elaborada pelo grupo sob a liderança do pesquisador Paulo Tafner, com a coordenação do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, ainda não é conhecida, mas informações divulgadas por participantes do estudo dão conta que a previsão é de uma economia de R$ 130 bilhões ao ano, totalizando R$ 1,3 trilhão ao longo de dez anos.

A ideia central seria desenhar um novo sistema previdenciário, híbrido, com repartição e capitalização, para os nascidos a partir de 2014. Esse novo sistema começaria a funcionar em 2020 e seria “povoado” apenas em 2030. Com isso, não haveria custo de transição para o novo modelo. A proposta incluiria ainda renda mínima para os idosos, equivalente a 0,7 salário mínimo.

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O conjunto abrangeria uma proposta de emenda constitucional (PEC) e quatro projetos de lei complementar (um para o regime geral, outro para os servidores civis, um terceiro para as Forças Armada e um quarto para policiais militares e bombeiros).

Em artigo publicado no site do Instituto Millenium, o ex-ministro da Fazendo Maílson da Nóbrega (governo José Sarney) resumiu a proposta em cinco pontos:

1) desconstitucionaliza a Previdência, permitindo que sua modernização seja feita por lei ordinária, como em todo o mundo;

2) corrige distorções existentes;

3) prepara a equalização das regras díspares atuais;

4) faz uma transição curta, porém palatável e justa;

e 5) implanta um sistema que combina as virtudes dos dois regimes (repartição simples e capitalização), garante uma renda mínima para todos os idosos do país, mantém o regime de repartição com equilíbrio financeiro e atuarial e cria o regime de capitalização com possibilidade de uso do FGTS.

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