Enquanto a maior parte dos programas de governo dos presidenciáveis fala pouco ou nada sobre o setor energético, Jair Bolsonaro (PSL) dedicou cinco páginas de seu plano para o setor. Na área de gás natural, o detalhamento da proposta traz ainda um assunto polêmico: a permissão da exploração do gás não convencional, o folhelho (popularmente conhecido como Gás de Xisto), ainda incipiente no Brasil e combatida pelos movimentos ambientalistas.
Além de propor o “incentivo à exploração não convencional” explicitamente em seu programa de governo, Bolsonaro destaca que tal atividade poderá ser “praticada por pequenos produtores”. A exploração dos recursos não convencionais ainda não é praticada no Brasil, nem mesmo pelas grandes empresas petroleiras, e há controvérsia sobre o impacto ambiental causado pela técnica de extração desse combustível.
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Segundo o Zoneamento Nacional de Recursos de Óleo e Gás (Ciclo 2015-2017), publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), há no Brasil a ocorrência de gás de folhelho nas bacias do Amazonas, Parnaíba, Paraná, Recôncavo e Solimões. Em outras bacias também já foram identificados outros tipos de gás e óleo não convencional, como o oriundo do Betume.
A proposta de Bolsonaro para o setor de gás natural foram elogiadas por técnicos do governo e do setor privado procurados pela Gazeta do Povo, sob condição de anomimato. Os principais pontos da proposta estão alinhados com o programa Gás para Crescer, lançado pelo Ministério de Minas e Energia em 2016, que tem como principais objetivos preparar o setor para maior abertura de mercado, com mais competição; dar independência entre os agentes e separar as áreas de exploração, transporte, comercialização; e criar regras claras entre cada um desses segmentos, inclusive atingindo as barreiras estaduais. Mas a exploração do gás não convencional ficou de fora do Gás para Crescer, ao menos de forma direta.
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O gás natural vem ganhando mais espaço na matriz energética brasileira. Segundo o Plano Nacional de Energia 2050, produzido pela EPE, a produção de gás no pré-sal e as reservas de gás não convencional vem impulsionando o uso do combustível, principalmente pela indústria. Estima-se que o consumo final energético desta fonte na indústria aumente de cerca de 30 milhões de m³ por dia (2013) para 105 milhões de m³ por dia em 2050, com crescimento médio de 3,4% ao ano. Com isso, a participação do gás natural no consumo final energético industrial passará de 11,1% para 16,9% até 2050.
Governo federal já tentou pesquisar gás não convencional e foi combatido
Há pouco conhecimento sobre essas reservas, pelos entreves de se pesquisar a presença desses recursos, com dificuldade na obtenção de licenciamentos ambientais. O tema é delicado, pois a exploração desse tipo de recurso energético ainda é associada por parte da população como de alto risco ambiental. Essa visão surgiu depois da rápida expansão da oferta do gás de xisto nos Estados Unidos, tornando-se um forte impulsionador da retomada econômica do país, que enfrentava uma crise no começo do governo de Barack Obama.
Desde 2013, quando o governo brasileiro, ainda sob a gestão Dilma Rousseff, tentou iniciar uma pesquisa do potencial do gás não convencional, o assunto virou questão proibida, interditado judicialmente após ação de grupos ambientais.
Ao preparar a 12ª rodada de licitação de exploração e produção de campos de petróleo e gás natural, o governo federal tentou expandir o conhecimento geológico sobre o gás não convencional no país, abrindo as portas para a produção. Foi colocado no edital daquele certame que as empresas que arrematassem campos para produzir petróleo e gás deveriam realizar estudos sísmicos e perfurações em camadas mais profundas, além de onde encontrariam petróleo e gás, como forma de iniciar o mapeamento dos recursos não convencionais.
A movimentação desagradou os ambientalistas, que contestaram na justiça a previsão de realização desses estudos, e a previsão da realização de pesquisas para o gás folhelho teve de retirada dos contratos. O pedido do Ministério Público Federal que levou à proibição justificava que a técnica usada para retirar o gás de sua rocha originadora tinha “potenciais riscos ao meio ambiente, à saúde humana e à atividade econômica regional” e que dependida da realização de Estudos de Impacto Ambiental prévios.
Por que o gás não convencional cresceu no mundo?
Avanços tecnológicos permitiram às petroleiras conseguir retirar do fundo da terra esse gás natural não convencional, que se concentra nas camadas mais profundas, muitas vezes abaixo dos lençóis de água. Para chegar até essas camadas, são usadas técnicas ainda novas, com a injeção de grandes quantidades de água com produtos químicos nas camadas rochosas do subsolo, onde o gás é gerado. Essa água sob pressão fratura a rocha (processo chamado de Fracking) e libera o gás. A movimentação da rocha potencialmente pode causar vazamentos de gás e da água com lubrificantes em outras camadas do terreno, como no lençol freático.
Com a nova técnica e a possibilidade de alcançar esses reservatórios de gás gerou uma grande oferta de combustível nos Estados Unidos no começo da década passada, o que baixou os preços da energia e ajudou a impulsionar a economia, permitindo uma retomada nos empregos. Mas a novidade causou atenção e temor e grupos ambientais se posicionaram contra a extração do gás não convencional por meio do fracking. Entre as ações desses grupos estava a veiculação de vídeos alarmistas, como os que mostravam chama de fogo saindo das torneiras de água em residências próximas aos campos de exploração do gás não convencional.
O gás não convencional tem ganhado cada vez maior participação na matriz energética mundial, também impulsionada pela expansão da oferta do gás não convencional. A publicação Annual Energy Outlook 2018, feita pela agência de administração de informação energética norte-americana, avalia que a produção de gás natural do país chegará a quase 39% da produção total de energia em 2050. “A produção de gás de folhelho e outros tipos de recursos não convencional têm projeção de continuar a crescer devido às grandes quantidades de recursos associados (ao petróleo e gás natural convencional)”, afirma o órgão.
O desenvolvimento contínuo dos recursos de gás folhelho e outros tipos não convencionais suportará o crescimento líquido da produção das plantas de gás natural nos Estados Unidos, que atinge 5 milhões de barris por dia em 2023, um aumento de quase 35% perante o nível de 2017, segundo o órgão americano. Mas mesmo por lá ainda há poucos dados históricos sobre a produção desses recursos, ainda muito recente. Também é notório o rápido desenvolvimento de tecnologias de extração de recursos não convencionais, que pode aumentar a produtividade desses campos, o que torna mais difícil, segundo a agência, traçar perspectivas para o desenvolvimento futuro dessa fonte energética.
Onde há evidência de gás não convencional no Brasil:
Bacia do Amazonas (extensão de 391.403 km²)
Bacia do Paraná (extensão de 749.987 km²) - Essa é a região com maior ocorrência desse recurso no Brasil. Os blocos nessa área arrematados na 12ª Rodada de Licitações continuam com seus contratos de concessão suspensos por decisão judicial.
Bacia do Parnaíba (extensão de 468.923 km²)
Bacia do Recôncavo (extensão de 9.730 km²)
Bacia de Solimões (extensão de 295.229 km²)
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