| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Em 2013, o deputado federal Jair Bolsonaro, então no PP-RJ, apresentou um projeto de lei na Câmara que propunha desarmar todos os fiscais do Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) em ações de campo. A proposta foi vista dentro dos órgãos ambientais como uma retaliação ao fato do agora presidenciável ter sido multado pelo Ibama por pesca irregular em Angra dos Reis (RJ), um ano e meio antes.

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Em janeiro de 2012, Bolsonaro foi autuado em R$ 10 mil por fiscais ambientais que o flagraram pescando numa estação ecológica protegida por lei. O processo administrativo resultou em uma investigação preliminar na Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília. Em outubro de 2013, o então procurador-geral, Rodrigo Gurgel, apresentou denúncia contra o parlamentar – o caso depois foi arquivado pelo STF.

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O projeto de lei de Bolsonaro tocava num ponto sensível da atividade de campo dos fiscais do Ibama, instituto federal vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Como eles sofrem risco ao fiscalizar áreas perigosas, distantes de centros urbanos e insalubres no interior do país, Bolsonaro propôs impedir a posse e uso de quaisquer armas de fogo pelos servidores públicos “no exercício de ações fiscalizatórias ambientais” (leia abaixo).

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Ele queria revogar o artigo de uma lei de 1967, um decreto presidencial e uma portaria do Ibama de 2009 que autorizavam armamento para os servidores. Na prática, o projeto deixaria os fiscais expostos à violência de garimpeiros, madeireiros e caçadores de animais silvestres. Quando os fiscais chegam a uma região onde são cometidos crimes ambientais, logo se tornam focos de tensão e ameaças.

Em 2006, por exemplo, em Roraima uma equipe do Ibama sofreu uma emboscada de caçadores de tartarugas. Eles assassinaram a tiros o guia da equipe do Ibama. Há um ano, em Humaitá (AM), a população atacou e incendiou veículos e prédios do Ibama após uma ação de fiscalização.

Bolsonaro escreveu em seu projeto de lei que os fiscais poderiam “exercer seus ofícios com apoio de órgãos de segurança estaduais e federais, quando a situação assim o exigir”.

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A proposta, se aprovada, causaria o retardamento ou mesmo o cancelamento das fiscalizações, pois as forças policiais nos estados muitas vezes são contrárias à repressão de crimes ambientais pela sua ligação com os moradores da região.

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O projeto tramitou na Câmara – em 2014, foi debatido na Comissão de Segurança Pública. Mas Bolsonaro resolveu retirar o projeto de lei da pauta do Congresso, o que foi oficializado em 2015. Ele argumentou que a retirada da proposta “visa ao atendimento das demandas da sociedade nos dias atuais, em que o aumento da criminalidade e da sensação de impunidade induz a uma realidade em que determinadas categorias profissionais, cujas atividades laborais ofereçam consideráveis níveis de risco, tenham a possibilidade da utilização da arma de fogo para defesa e garantia de sua integridade física”.

Em discurso após o primeiro turno, Bolsonaro voltou a prometer o fim da “indústria de multas” emitidas pelo Ibama e o ICMBio: “Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil. Vamos tirar o Estado do cangote de quem produz”.

A promessa tem sido vista como um aceno ao agronegócio, além de atrair grileiros, garimpeiros e madeireiros. Agentes ambientais, no entanto, atribuem os repetidos ataques aos dois órgãos à multa aplicada em Bolsonaro.

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Como foi o flagrante

Em 25 de janeiro de 2012, às 10h50, segundo os autos, vestindo uma camiseta comprida e uma sunga branca, Bolsonaro foi flagrado por agentes do Ibama pescando sobre um bote inflável na ilha de Samambaia, dentro da Estação Ecológica (Esec) de Tamoios, categoria de área protegida que não permite a presença humana, na região de Angra dos Reis (RJ).

Ao ser abordado, Bolsonaro, segundo relatos de quem participou da operação, alegou ter uma carta de autorização da ex-ministra da Pesca Ideli Salvatti (PT), que havia ocupado o cargo no primeiro semestre de 2011, início do primeiro governo Dilma Rousseff (PT).

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Sem conseguir convencer os agentes, o capitão reformado ligou de seu celular para o sucessor de Ideli na pasta, o também petista Luiz Sérgio, ex-prefeito de Angra e hoje deputado federal. Mas ele disse que nada podia fazer nada e o orientou a deixar o local, sempre de acordo com relatos.

Apesar de reconhecido, Bolsonaro se recusou a mostrar os seus documentos pessoais e orientou seus acompanhantes a fazerem o mesmo. Um eles era Edenilson, apontado por moradores da região como seu caseiro e marido de Walderice Santos da Conceição, a Wal do Açaí, acusada de ser uma funcionária fantasma lotada no gabinete do deputado.

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Finalmente, antes de sair da Esec, unidade administrada pelo ICMBio, mas sujeita a fiscalização do Ibama, Bolsonaro teria, aos gritos, chamado os agentes de petistas e prometido voltar ao local no dia seguinte, o que não ocorreu. Mais tarde, os agentes do Ibama descobriram que a carta de Salvatti era, na verdade, um requerimento do próprio Bolsonaro ao Ministério da Pesca perguntando sobre locais abertos à pesca na região de Angra.

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Apesar de ter sido fotografado no local do crime ambiental e da presença de seis agentes, Bolsonaro recorreu da multa sob o argumento de que não era ele a pessoa presente no local da multa.

Em defesa protocolada no Ibama em 22 de março, Bolsonaro afirmou que estava decolando do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, na hora da autuação. “Não se pode acreditar que alguém que estivesse no local descrito na autuação às 11h pudesse se deslocar em tão pouco tempo para o local de embarque, considerando ainda a antecedência exiqida pelas companhias aéreas”, escreveu o deputado.

Mas o argumento se baseou na data do auto de infração, 6 de março, e não no dia da ocorrência, de janeiro. A demora na emissão ocorreu porque Bolsonaro não quis mostrar os documentos, dificultando a aplicação da multa.

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Procurada pela reportagem sobre a acusação de Bolsonaro a respeito de uma “indústria de multas”, a presidente do Ibama, Suely Araújo, disse que o órgão realiza cerca de 1.400 operações de fiscalização por ano, previstas no Plano Anual de Proteção Ambiental.

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“Essas operações têm assegurado a proteção da Amazônia e de outros biomas e combatido a degradação ambiental causada por atividades ilícitas nos últimos 30 anos. [...] Os fiscais aplicam as multas em atendimento à legislação em vigor, cumprindo sua missão institucional e muitas vezes colocando em risco a própria vida. Além disso, os autuados têm amplo direito de defesa no âmbito do processo administrativo próprio.”

Suely disse ainda que os recursos das multas pagas “não se destinam ao Ibama” e “na verdade, poucos pagam”. A média histórica de pagamento é de aproximadamente 5% do valor total das multas aplicadas.

Fusão deve gerar conflitos

Os choques entre Bolsonaro e o Ibama antecipam uma batalha na área ambiental. O candidato já prometeu que irá fundir o Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura o que, para especialistas, representa um conflito evidente de interesses.

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Nessa configuração, o ministro da Agricultura teria amplos poderes sobre o setor do governo justamente encarregado de fiscalizar a ação de agricultores, descompensando o sistema de freios e contrapesos da administração pública.

Procurada, a assessoria de imprensa de Bolsonaro não respondeu a um pedido de contato.