Cem dias após a posse. É nesse período que o futuro presidente Jair Bolsonaro (PSL) deve mostrar a que veio e fazer jus ao voto de confiança depositado pelo mercado financeiro, fazendo as reformas que são necessárias. Depois disso, se não vierem as sinalizações corretas, a lua de mel com o mundo do capital pode começar a azedar.
“As ações precisam ser rápidas. O mercado não dará benefício da dúvida por mais de cem dias”, afirmou à Gazeta do Povo um gestor de fundos de investimento com grande participação em empresas de infraestrutura e estatais.
Até meados de abril Bolsonaro terá de ancorar as expectativas. Deixar claro para o cidadão e para o setor produtivo e financeiro o que pretende fazer. Cem dias ainda é um prazo curto para que grandes projetos saiam do papel. Mas é esperado que a carta de intenções do presidente esteja bem desenhada, com projetos e planos pormenorizados, permitindo que os investidores se posicionem e que bancos corrijam suas análises de risco e preço com base nessas propostas.
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Nesses três meses e pouco, será o tempo de fazer anúncios, nomear pessoas para cargos centrais e fazer trocas nas estatais e órgãos ligados ao governo, propor desafios aos setores da economia. Lançar ideias.
O primeiro gesto que o mercado estará de olho nesse prazo curto é a qualidade das nomeações para cargos importantes. Segundo o agente do mercado financeiro, uma boa sinalização será mostrar que as nomeações são de “pessoas executoras”. Nessa mesma linha, Bolsonaro precisará empoderar e apontar interlocutores gabaritados do governo para cada um dos temas centrais do governo.
“[Bolsonaro] Ele é um ótimo formulador, mas não executor. Precisa de pessoas técnicas, com pés no chão e que saibam como Brasília funciona”, disse o investidor.
Em segundo lugar, o mercado ficará atento às ações na área de previdência (caso o assunto não esteja resolvido ainda em 2018) e de privatizações. Nesse ponto, o mercado esperará ações profundas e não cosméticas. Entre elas, a privatização da Eletrobras.
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“Esperamos privatização de verdade. Por exemplo, Eletrobras. Não estatal do trem bala”, exemplificou o gestor de fundos ironizando a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), estatal responsável pelo projeto do trem bala, que nunca saiu do papel e é pequena no Orçamento Federal.
Mas entre analistas também há a percepção de que Bolsonaro não pode nem mesmo aguardar esses cem dias para mostrar serviço e que precisa agir ainda mais rápido. Ou pode começar a perder apoios antes mesmo desse curto prazo.
“Acredito que pode ser menos. Dependendo da disposição do novo governo de defender a pauta reformista, em especial a reforma da Previdência, o mercado pode mudar de posição muito rapidamente a visão que tem sobre a gestão. Esse governo ainda não tem uma cara definida. O mercado deu um voto de confiança no que ele pode se tornar”, avalia Wagner Parente, diretor da Barral M Jorge.
Entre os analistas, são apontadas as atuais divergências entre Bolsonaro e seus interlocutores principais: o economista Paulo Guedes e o deputado Onyx Lorenzoni.
Lista de metas
Outra sinalização que será vista com bons olhos e que deve ser feita por Bolsonaro antes dos cem dias é a apresentação de uma lista de metas para esse prazo. “Essas metas precisarão ser factíveis e politicamente viáveis. O caráter simbólico da medida tem forte apelo junto ao eleitorado”, afirma o cientista político André Cesar, da Hold Assessoria Legislativa, em relatório a clientes.
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Nesses cem dias, Bolsonaro e seu time devem lançar as bases estruturais para processos menores. Também será importante mostrar nessa reta inicial de governo que os grupos que fazem parte da composição política e técnica estão alinhados, sem rusgas nem disputas internas, o que deve ser construído antes da posse, no período de transição.
“Estabelecer a ordem e o comando sobre os grupos que apoiaram sua candidatura – militares, família, políticos, setor empresarial, equipe econômica. De imediato, essa unidade interna será de importância fundamental para os próximos passos do governo que tomará posse no início de 2019. Anunciar uma equipe econômica sólida e alinhada com as demandas do mercado, dos setores produtivos e da sociedade em geral. Essa equipe precisará conter nomes da academia e do próprio mercado, e poderá contar com integrantes do governo Temer”, afirma o cientista político.
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O marco de cem dias é importante para as gestões novas que chegam ao Palácio do Planalto, mesmo em casos de reeleição. Até o presidente Michel Temer, que não chegou ao cargo por meio de eleição, fez um grande balanço dos seus primeiros cem dias. E conseguiu mostrar alguns resultados considerados positivos, que ajudaram a ancorar as expectativas de mercado em um cenário de economia recessiva, após um ano de governo Dilma Rousseff patinando na economia.
Em seu balanço de cem dias, Temer apresentou a aprovação do teto de gastos, a Lei das Estatais e o corte de milhares de cargos nos ministérios. Ele também marcou pontos com o mercado ao escolher o banqueiro Ilan Goldfajn para presidir o Banco Central, o que, por si só, teve papel em ajudar a ancorar a meta de inflação – algo que Dilma Rousseff não conseguiu fazer em seu primeiro ano do segundo governo.
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