As propostas de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) para os principais assuntos que são de responsabilidade do Estado – segurança pública, educação e saúde – refletem duas visões de mundo diametralmente opostas. Essas posições radicalmente divergentes dos dois presidenciáveis também se expressam em relação a temas morais (aborto, ideologia de gênero, família) – assuntos que a cada eleição vêm ganhando mais relevância no debate público.
O Podcast Eleições, programa semanal da Gazeta do Povo que analisa a sucessão presidencial, discutiu o que os dois candidatos à Presidência propõem para essas áreas e quais são as possíveis consequências desses compromissos para o país.
Narrativas opostas dão o contexto sobre o que esperar de Bolsonaro e Haddad
Cientista político e colunista da Gazeta do Povo, Márcio Coimbra destacou no podcast que Haddad e Bolsonaro vocalizam duas visões opostas de mundo que têm implicações sobre suas propostas de governo.
A do petista é a narrativa de centro-esquerda e “progressista” que se tornou hegemônica no país desde o fim da ditadura militar (1964-1985). Essa visão de mundo se materializou na Constituição de 1988 – que, segundo ele, “ampliou o leque de direitos” e foi levada adiante tanto pelos governos do PSDB como os do PT.
Coimbra afirmou que, na área de segurança pública, por exemplo, a narrativa hegemônica pró-direitos amplos levou a um discurso de “vitimização” dos criminosos diante da repressão policial, que se expressou em leis que não conseguiram coibir o crime. Segundo ele, a esquerda brasileira conseguiu inclusive capturar para sua órbita a agenda dos direitos humanos – que originalmente era uma pauta liberal (de direita), para evitar a violência do Estado sobre o cidadão (ele lembrou que a esquerda costuma defender um Estado maior e que, portanto, tem mais propensão de “avançar” sobre os direitos do cidadão).
O cientista político disse ainda que, em áreas como a saúde e educação, a narrativa conduziu a políticas de universalização desses serviços e a um discurso de que os dois setores sempre precisam de mais recursos para funcionar. Na área dos costumes e da moral, a narrativa se expressou num progressismo que buscou ampliar os direitos de minorias e a políticas voltadas para esses grupos.
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Coimbra disse ainda que Bolsonaro, por outro lado, representa a ascensão de uma nova narrativa, de direita, conservadora e radicalmente oposta à que é hegemônica desde a redemocratização do país. Essa narrativa estava sufocada, mas representa a visão de mundo de uma parcela muito expressiva da sociedade brasileira.
Segundo o cientista político, é a partir desse contexto que se pode analisar o que esperar das políticas dos dois candidatos para segurança, saúde, educação e temas morais.
Segurança pública: mais do mesmo ou a novidade cujo sucesso depende “dos detalhes”?
O jornalista Fernando Martins, mediador do Podcast Eleições, apresentou as principais propostas de Bolsonaro e Haddad para a segurança. O candidato do PSL defende uma política de encarceramento mais rígida (fim da progressão de pena e dos saidões de detentos em datas festivas), ampliação das penas de crimes, redução da maioridade penal, liberação do porte de armas para os “cidadãos de bem”, “guerra às drogas”, excludente de ilicitude (por meio do qual policiais que matam criminosos não seriam processados).
Já Haddad é contra a liberação do porte de armas (defende que elas sejam retiradas das mãos dos criminosos pela polícia). Diz que enfrentará o encarceramento em massa, sobretudo o da juventude negra e da periferia, sobretudo por meio de políticas sociais. Promete também adotar uma política nacional de penas alternativas. E se coloca contra a política de “guerra às drogas”. O candidato do PT chegou a cogitar discutir a descriminalização das drogas, mas retirou esse ponto da última versão de seu plano de governo.
Márcio Coimbra disse entender que o plano de governo de Haddad para a segurança vai na mesma linha da abordagem para o setor que vem sendo implantada desde a Constituição de 1988 e que não produziu bons resultados.
Pedro Menezes, fundador do Instituto Mercado Popular e colunista da Gazeta do Povo, afirmou que o PT costuma dar pouca ênfase para a segurança em suas propostas. Contudo, ele disse ver um aspecto positivo na visão de segurança dos petistas: tratar do assunto com uma abordagem mais ampla do que a de repressão policial – incluindo, por exemplo, ações sociais e até mesmo intervenções urbanísticas para enfrentar o crime de oportunidade.
O jornalista da Gazeta do Povo Renan Barbosa disse acreditar que, com o Congresso mais conservador que foi eleito no início de outubro, Haddad dificilmente conseguirá implantar seu plano de governo para a segurança.
Outra discussão do podcast: Bolsonaro ou o PT – qual é a maior ameaça à democracia?
Nesse sentido, a novidade desta campanha na área de combate ao crime é o plano de Bolsonaro. Pedro Menezes afirmou que as propostas do candidato do PSL podem funcionar ou fracassar dependendo da modelagem de sua política de segurança. “O diabo mora nos detalhes [das propostas]”, disse.
Menezes disse que a modelagem pode interferir, por exemplo, na proposta de facilitação do porte de armas. Sobre esse assunto, ele ainda afirmou que o Instituto Mercado Popular fez um estudo que indicou que, em geral, os índices de criminalidade são um pouco maiores nos países em que o porte de armas é facilitado, mas que essa não é uma política de segurança pública “apocalíptica” (ou seja, que produz muito mais violência).
Renan Barbosa lembrou ainda que a discussão sobre porte de arma é um debate sobre o direito à legítima defesa dos cidadãos. Ou seja, de as pessoas se defenderem de criminosos que têm acesso a armamentos de forma ilegal.
Outro assunto discutido no Podcast Eleições foi se a política de Bolsonaro, mais repressiva do que a atual, não poderia provocar uma reação do crime organizado que leve a uma escalada de violência no país – como ocorreu, por exemplo, no México. Fernando Martins citou recente entrevista, ao site UOL, do cientista político norte-americano Steven Levitsky, autor do best-seller Como as Democracias Morrem. O autor disse ver esse risco. E mais: que Bolsonaro poderia usar a “guerra ao crime” para suspender liberdades individuais e caminhar em direção ao autoritarismo.
Pedro Menezes disse não ver ameaça à democracia brasileira por causa do combate ao crime. Márcio Coimbra afirmou acreditar que o modelo que tende a inspirar Bolsonaro não é o do México, mas o dos Estados Unidos e o da Colômbia – onde a repressão policial melhorou os índices de segurança.
Saúde e educação: a solução é mais dinheiro ou mais gestão?
Os planos de governo de Haddad e Bolsonaro para saúde e educação têm entre si uma grande oposição conceitual para resolver os problemas das duas áreas: o petista fala em ampliar os gastos públicos; o candidato do PSL diz que é possível fazer mais com os atuais recursos. Mas, enfim, o problema dos dois setores é falta de dinheiro ou de gestão?
Márcio Coimbra disse entender que o problema é mais de gestão do que de recursos. Para ele, o discurso de que a educação e a saúde precisam sempre de verbas crescentes atende a uma demanda sindical de servidores que se beneficiam desses aumentos de recursos e que são, em geral, eleitores da esquerda.
Pedro Menezes destacou ainda, como ponto negativo do plano de governo do PT, a defesa da ampliação do ensino superior gratuito. Segundo ele, Haddad costuma se orgulhar de ter feito isso quando era ministro da Educação de Lula; mas deveria se envergonhar. Para Menezes, o investimento maior da União nas universidades federais do que na educação básica ou em creches é uma inversão de prioridades. Nesse sentido, disse ele, é meritório o plano de Bolsonaro falar em inverter essa pirâmide de gastos e sugerir a cobrança de mensalidade nas universidades (algo admitido por assessores do candidato do PSL no caso de estudantes de famílias com renda maior).
Outra discussão do podcast: o que Bolsonaro e Haddad propõem para a economia
Renan Barbosa destacou ainda que o projeto de lei da Escola Sem Partido, que pretende impedir a doutrinação político-ideológica dentro de sala de aula, possivelmente vai avançar num governo Bolsonaro. O projeto foi proposto diante do entendimento de que professores de esquerda usam a educação para impor sua visão de mundo a crianças e adolescentes – que ainda estão construindo suas referências de vida. Barbosa disse ver com preocupação um ponto do projeto: a possibilidade de judicialização da escola – já que os professores poderão passar a ser processados se vierem a ser acusados de doutrinação. Questionado se não existe a possibilidade de que o projeto Escola Sem Partido apenas troque a ideologia da esquerda pela ideologia de direita dentro de sala de aula, Renan Barbosa disse que esse risco sempre existe.
Temas morais: o conservadorismo de Bolsonaro contra o “progressismo” de Haddad
O Podcast Eleições também discutiu o que esperar dos possíveis governos Haddad e Bolsonaro nas políticas que podem afetar os costumes e que abordam assuntos morais (tais como aborto, ideologia de gênero, valores da família).
Márcio Coimbra destacou entender que Bolsonaro representa a reação conservadora da maioria dos brasileiros em relação ao progressismo que marcou os governos do PSDB e do PT. Para ele, isso se refletirá em políticas públicas voltadas para a população como um todo e não para “nichos” (as minorias) – como tende a ocorrer num governo Haddad.
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Pedro Menezes disse duvidar, contudo, que Bolsonaro tentará tirar direitos de minorias, como de pessoas LGBT. Ainda assim, ele prevê “tempos acalorados” e grandes discussões públicas em torno de temas morais se o candidato do PSL se eleger presidente.
Renan Barbosa disse entender que um governo do PT pode caminhar para tentar implantar uma agenda contrária aos valores tradicionais da maioria dos brasileiros, como a descriminalização do aborto e a ideologia de gênero nas escolas. Segundo ele, ainda que Haddad tenha assumido compromissos no sentido contrário nessa fase final da campanha, o PT sempre defendeu temas que se chocam com esses valores.
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