Se for eleito presidente da República, uma das primeiras ações de Jair Bolsonaro será apresentar a proposta da carteira de trabalho verde e amarela no Congresso. A novidade está no plano de governo do candidato e prevê um novo modelo – de adesão voluntária e com foco em jovens que estão ingressando no mercado de trabalho – em que há um contrato individual que prevalece sobre a CLT, e mantém todos os direitos constitucionais.
De acordo com o deputado federal Fernando Francischini (PSL-PR), uma das lideranças do partido e nome próximo ao presidenciável, a nova carteira de trabalho é a segunda prioridade do pacote de reformas que será inicialmente proposto por Bolsonaro. O plano é começar com a reforma da Previdência e só depois avançar para essa proposta trabalhista Segundo Francischini, essa proposta seguiria um modelo americano.
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O deputado não deu mais detalhes sobre a medida e há poucas informações sobre o tema no plano de governo. O assunto é tratado no item que versa sobre economia e modernização da legislação trabalhista – vale lembrar que o governo de Michel Temer (MDB) propôs e aprovou, no ano passado, uma reforma trabalhista que flexibilizou a CLT.
O plano de governo fala da criação dessa nova carteira de trabalho, voluntária e para novos trabalhadores. “Assim, todo jovem que ingresse no mercado de trabalho poderá escolher entre um vínculo empregatício baseado na carteira de trabalho tradicional (azul) – mantendo o ordenamento jurídico atual –, ou uma carteira de trabalho verde e amarela (onde o contrato individual prevalece sobre a CLT, mantendo todos os direitos constitucionais)”, explica o documento. Não há mais nenhuma informação adicional sobre o assunto, nem se haveria uma transição para o modelo “tradicional”.
Se não há mais detalhes no plano de governo, o economista Paulo Guedes, guru da área na campanha de Bolsonaro, já deu algumas pistas sobre o que deve ser a carteira verde e amarela. Em agosto, o blog BR18, do Estadão, registrou que em conversa com representantes do mercado, Guedes mencionou a proposta como opção para aumentar as oportunidades para jovens que estão ingressando no mercado de trabalho.
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Funcionaria assim: quem optasse pelo modelo tradicional, seguiria usando a carteira de trabalho azul, com direito a todas as regras que estão em vigor atualmente. Já o novo modelo, na visão do economista, viria sem encargos trabalhistas e com maior empregabilidade.
Ainda em agosto, em entrevista à GloboNews, ele foi questionado sobre a proposta e falou sobre como ela está atrelada à questão da Previdência – seria uma opção para o sistema de capitalização, defendido pelo candidato. “Quem estiver com 16 anos, 17 anos, pode escolher. Porta da esquerda: você tem sindicato, você tem legislação trabalhista para te proteger, você tem encargos, tem uma porção de coisas. Porta da direita: você tem contas individuais, não mistura assistência com previdência, (...) não tem encargos trabalhistas e a legislação é como em qualquer lugar do mundo, se você for perturbado no trabalho você vai na Justiça e a Justiça resolve seu problema”, disse.
Na sequência, ele foi questionado se isso acabaria com o FGTS. “O fundo de investimento do FGTS sim [acaba], que onde está um bom pedaço da corrupção. O FGTS como mecanismo de acumulação do sistema antigo deixa de rodar, deixa de seguir rodando. O sistema novo não tem. O sistema novo tem um sistema novo. Essa carteira [verde a amarela] é justamente isso.”
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Antes, em junho, Paulo Guedes já havia falado brevemente sobre o assunto à Gazeta do Povo, ressaltando que a reforma da Previdência e a geração de empregos estão associadas. “Você só vai resolver o problema da Previdência fazendo a transição de um regime para o outro. E isso gera um choque de empregabilidade, criando milhões de empregos. Quem está no atual fica no atual. O liberal sempre oferece uma opção. Quem quer ficar nesse, fica nesse. Os jovens vão ter o direito de escolher se eles querem ficar no avião que está caindo ou se eles querem ir para o novo regime trabalhista e previdenciário”, explicou.
Como aplicar a proposta
Para colocar essa proposta da carteira de trabalho verde e amarela em prática, o caminho não é tão simples. A advogada Cristina Buchignani, sócia da área trabalhista do Costa Tavares Paes Advogados, diz que a proposta é tecnicamente inviável caso não seja feita uma profunda alteração na Constituição e na legislação em vigor. “Os direitos trabalhistas, como conhecemos atualmente, são irrenunciáveis pelo trabalhador”, explica.
O partido de Bolsonaro, o PSL, terá a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados, mas, caso eleito, ele vai precisar de apoio de outros partidos para conseguir aprovar as mudanças. Cristina lembra que uma mudança dessa magnitude depende da aprovação da maioria dos deputados e senadores. “A simples proposta de criação da carteira de trabalho verde e amarela não passa de uma alegoria”, diz.
A advogada Mariana Machado Pedroso, especialista em Direito e Processo do Trabalho e coordenadora da área de Direito do Trabalho e Imigração do Chenut Oliveira Santiago Advogados, lembra que a própria Lei 13.467/2017, a reforma trabalhista, já trouxe mecanismos de flexibilização mais efetivos que este. Um exemplo é que funcionários com ensino superior e que recebam salários superiores a duas vezes o teto do INSS – o equivalente a R$ 11.290 – já podem negociar acordos de trabalho diretamente com o empregador.
“Deste modo, uma vez que a maioria dos direitos trabalhistas estão inseridos na Constituição, e tendo em vista que na proposta de governo registrada no Tribunal Superior Eleitoral, o candidato Jair Bolsonaro garante manter os direitos constitucionais, o que se tem, na prática, é apenas a criação de um novo documento, sendo este, agora, de cor diferente”, diz.