A campanha eleitoral de 2018 pelo que se viu até agora vai falar bastante sobre capitalismo. Está fácil encontrar candidatos que abraçaram a ideia do livre mercado e de que o Brasil precisa de um choque de capitalismo – termo que apareceu nesta semana no discurso do PSDB de Geraldo Alckmin. Estão na mesma toada o deputado federal Jair Bolsonaro (assessorado por um economista de linha liberal), o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o banqueiro João Amoêdo (pré-candidato pelo Novo).
A ideia do tal choque parece facilmente defensável, ainda mais em um momento em que o país se recupera de uma recessão causada pelo que parece ser o outro lado do espectro ideológico. Só que não basta você querer vender meia dúzia de estatais para fazer a economia de mercado funcionar mais no Brasil. É preciso convencer as pessoas de que todos saem ganhando com um modelo diferente do que aquele que produziu os resultados medíocres das últimas décadas.
O que está em jogo não é uma opção entre socialismo e capitalismo, mas entre formas diferentes de capitalismo. O Brasil produziu a sua própria versão: tem grande centralização de poder decisório na União, mercado fechado, estatais ativas, mercados medianamente competitivos, regulação macarrônica e inserção internacional por meio de um par de companhias.
Como chegamos a isso? Em boa medida, por causa dos próprios capitalistas. Em outra, por causa da forma como funciona o Estado. E também porque o debate nunca encantou multidões – a preocupação em se virar apesar do Estado é a realidade da maioria das pessoas. É a típica situação em que grupos organizados conquistam suas benesses em detrimento da maioria. Os benefícios são sempre concentrados e os custos difusos.
O economista Fabio Giambiagi fez um ótimo retrato dessa contradição do capitalismo brasileiro no livro “Capitalismo: Modo de Usar”. Na época do lançamento do livro, ele deu uma entrevista à Gazeta do Povo em que explicava que o Brasil teria de lidar com esse conflito de interesses no momento em que estivesse pronto para buscar mais dinamismo, assim que saísse da crise em que se encontrava. Sua sugestão é que Neymar virasse o garoto-propaganda desse novo momento:
Eu faria uma propagando institucional mostrando o Neymar aos 18 anos e o Neymar hoje e perguntando: “Quem você acha que joga melhor? O Neymar de 2010 ou o Neymar de 2015? É o de hoje, não? E por quê? Porque o Neymar aprendeu a disputar jogos no dia a dia com os melhores jogadores do mundo. Assim, ganhou o espetáculo, ganhou ele e ganhou a Seleção brasileira. O nome disso é competição. É ela que gera progresso e faz as pessoas, as empresas e os países avançar”.
Giambiagi fala muito em competição no livro e chama a atenção para o fato de os próprios capitalistas não gostarem muito dessa palavra. Um exemplo prático e atual é a negociação da indústria automotiva por mais um plano estatal para o setor, que valeria até 2030. O setor não quer nem ouvir falar em abrir o mercado brasileiro, um dos mais protegidos do mundo – como sugere um estudo do Banco Mundial divulgado nesta semana. A indústria quer regras complexas para pagar menos impostos do que os concorrentes importados. Em um setor que está sendo transformado por carros elétricos, movidos a hidrogênio e autônomos, parece inútil traçar um plano estatal até 2030, mas foi a isso que técnicos do governo se dedicaram durante o último ano em mais de 100 reuniões com o setor.
Se os capitalistas não gostam de competição, muita gente que está no lado estatal do balcão também não gosta. Giambiagi abre seu livro contando como ficou chocado, em seu primeiro emprego em um órgão público, com a precisão com que os colegas contavam os dias que faltavam até a aposentadoria. Funcionários públicos não querem discutir a sério a sustentabilidade das contas públicas. E a maioria dos políticos também não quer abrir mão da chance de nomear aspones aqui e ali, como mostra a resistência contra a privatização da Eletrobras.
A maré pró-capitalista na campanha de 2018 é sinal de que o mundo político começa a entender que o modelo brasileiro de capitalismo funciona mal. E isso não é uma questão puramente de tamanho do Estado e de suas funções. O capitalismo alemão tem um Estado ativo, inclusive com participação em grandes empresas, que coleta mais impostos que o Estado brasileiro, mas que funciona muito melhor. Ele permite que se criem oportunidades de crescimento para suas empresas e cidadãos, ao mesmo tempo em que tenta limitar a concentração dos benefícios da geração de riqueza. Há outros modelos na prateleira, como o americano, menos intervencionista, e o sueco, ainda mais intervencionista.
O modelo brasileiro funciona mal porque concentra benefícios e dificulta a atividade de quem empreende. É o que economistas chamam de “capitalismo de compadrio”. A melhor definição para como ele funciona veio, em 2013, dos economistas Marcos Lisboa e Zeina Latiff: o Brasil é a república da meia entrada.
Se mais gente no mundo político entende que é preciso cobrar a entrada inteira, isso não significa que as mudanças virão. Até o governo Dilma Rousseff prometeu dar um choque de capitalismo no Brasil. Prometer privatizações e concessões de infraestrutura não altera a cultura político-econômica de um país. É pouco. Como lembra Giambiaggi, é preciso competição e educação. E menos planos do governo para fazer a economia andar.
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