A maioria das pessoas que decide desafiar os 42 quilômetros de uma maratona não entra na prova para vencê-la. Mas sim para superar um desafio. Por vezes, apenas chegar ao fim. Noutras ocasiões, é pra melhorar o tempo da prova anterior. Candidato a presidente pelo Partido Novo, o ex-executivo de banco João Amoêdo – 55 anos, casado, pai de três filhas – sabe muito bem disso. Já completou mais de dez maratonas. Agora, está na disputa de outra corrida, a eleitoral. E logo na mais importante de todas: a sucessão presidencial. Ele sabe das imensas dificuldades para vencê-la. Agora. Mas sua meta é de longo prazo: 2030.
Fundado em 2011 se autodeclarando como o primeiro partido brasileiro genuinamente liberal, o Novo disputa pela primeira vez uma eleição nacional. Não tem nem deputado nem senador. É uma sigla nanica. Por ora. Mas quer crescer e aparecer. E entrar na disputa para vencer. Mas tudo passo a passo, no seu devido tempo.
Em 2015, quando o Novo conseguiu seu registro definitivo na Justiça Eleitoral, Amoêdo deu uma entrevista ao jornal El País e fixou 2030 como o ano em que o Novo realmente pretende eleger um presidente. “A gente sempre falou que é um projeto de longo prazo”, disse, à época, quando era presidente da recém-oficializada legenda. Ele e seu partido terão três maratonas eleitorais para “treinar” e melhorar o desempenho. Mas, se a vitória vier antes, Amoêdo não vai reclamar.
Ligação de Amoêdo com o esporte é antiga: ele é maratonista e triatletla
As analogias com o esporte não são impróprias na trajetória e no pensamento de Amoêdo. Sua ligação com as corridas é de longa data. Desde os 19, 20 anos. E ele mesmo gosta de usar o esporte como exemplo para suas outras atividades. “Quatro meses depois de começar a dar minhas primeiras corridas, já fiz uma maratona, que era um negócio... 42 quilômetros... meio impensável. Mas era já um pouco dessa história de querer ter um desafio, de colocar uma meta”, disse o candidato em depoimento nas suas redes sociais.
E não parou por aí. Amoêdo também disputou seis ironman – competição de triatlo em que o atleta tem de nadar 3,8 km, pedalar 180 km e, depois disso tudo, correr uma maratona. “É uma prova de 11, 12 horas, em que você é testado na resistência o tempo todo. Acho que é um bom treinamento para essa questão de candidaturas, de prioridade, objetivos, organização”, disse Amoêdo em novembro de 2017, em entrevista à Gazeta do Povo.
Para quem não tem muito conhecimento como funcionam as provas de resistência: o competidor tem de planejar como vai correr. Não pode gastar muita energia no início, tentar liderar, mas não ter forças para chegar ao fim. Deve, portanto, saber o momento de segurar e de aumentar o ritmo. Tudo a ver com o projeto de 2030.
Visão liberal de Amoêdo tem relação com o espírito do esporte
A visão de mundo de Amoêdo também guarda semelhanças com o espírito do esporte. Liberais, como ele, defendem o livre mercado – que pode ser definido como a arena em que as empresas competem pelo consumidor (ao Estado, caberia apenas definir as regras do jogo, sem interferir indevidamente na competição). Em tese, vence a melhor e mais qualificada, como nas disputas esportivas.
O liberalismo também prega a valorização do mérito pessoal: quem se esforça, trabalha mais, tem de ter recompensa maior. Como numa maratona. Não cabe ao Estado, em nome de um ideal de promoção da igualdade entre as pessoas ou de uma suposta proteção a elas, criar embaraços para as liberdades individuais.
Aliás, Amoêdo – dono de uma fortuna de R$ 425 milhões – gosta de salientar que é sua riqueza é fruto de seu trabalho. “Comecei do zero, como trainee. Batalhei bastante e com muito foco e resiliência, construí esse patrimônio”, costuma dizer o candidato.
Na maratona da vida, Amoêdo largou na frente da maioria. Mas ele tem mérito e chegou mais longe que aqueles que tiveram as mesmas condições que ele
Nem tanto à direita, é possível argumentar que o presidenciável só chegou lá porque largou na frente na maratona da vida. Filho de um médico e de uma administradora de empresas, o carioca João Amoêdo é fruto de uma família que lhe deu condições de desenvolver seus talentos. Estudou no tradicional (e caro) Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro. Conseguiu se formar em dois cursos universitários de instituições de renome: Administração pela PUC-Rio e em Engenharia Civil pela UFRJ.
Mas, nem tanto à esquerda, há muito de mérito pessoal naquilo que Amoêdo conquistou. Ele chegou mais longe que a maioria daqueles que estavam a seu lado quando jornada dele começou, ainda que seu grupo tenha largado à frente da maioria dos demais.
Ele se dedicou aos estudos. “Eu fazia Engenharia na parte da manhã, Administração à noite e estágio durante a tarde”, disse Amoêdo na entrevista à Gazeta.
Depois de formado, Amoêdo começou sua bem-sucedida carreira no mercado financeiro como trainee do Citibank, em 1985. Há, no entanto, uma boa dose de acaso no início de sua vida profissional. E esse acaso também tem um pouco a ver com as corridas que ele tanto gosta.
“Sempre pensei em trabalhar em engenharia. Fiz cálculo estrutural. Tenho tios que tinham empresa de engenharia no Nordeste, em Natal. E pensava em trabalhar lá. Mas um amigo com quem eu corria, que ia trabalhar no Citibank, me convidou para entrar no programa de trainee [do banco]. Primeiro eu era muito meio reticente; falava que não queria ir trabalhar em banco. Mas o fato é que acabei indo participar desse programa de trainee”, disse à Gazeta.
Mas é como dizem: a sorte sorri para quem está preparado. Eram 60 jovens que ingressaram no programa de trainee do Citibank. Só quatro – Amoêdo entre eles – foram selecionados para um treinamento especial do banco em Porto Rico. Ele havia chegado ao pódio em sua primeira maratona profissional.
Três anos depois, Amoêdo foi convidado para trabalhar no banco de investimentos BBA, que estava iniciando suas atividades com apenas 20 funcionários. Aos 25 anos, o jovem Amoêdo arriscou. “Achei que deveria tentar; que era uma boa aposta.” Poderia ter dado errado. Mas, como bem sabem os esportistas, quem não arrisca não costuma ir longe. Deu certo.
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Amoêdo começou como gerente. E cresceu junto com o BBA. Chegou a diretor. “Adquiri uma pequena participação [acionária] do banco. Compramos uma financeira [a Fináustria]; eu fui cuidar dela.” Sob seu comando, a financeira saiu do vermelho e começou a dar lucro. O sucesso do BBA e da Fináustria logo chamou a atenção e a cobiça de gigantes do mercado. “No final de 2002, o Itaú veio e comprou tudo.” Só a Fináustria foi vendida por três vezes o seu valor patrimonial. Um negócio da China para seus acionistas; Amoêdo entre eles. Aos 40 anos, ele havia chegado aonde poucos chegaram.
O auge da carreira de Amoêdo viria logo depois. Assumiu em 2004 a vice-presidência do Unibanco, outro dos grandes bancos brasileiros. Depois, passou pelos conselhos de administração do próprio Unibanco e do Itaú – instituições financeiras que viriam a se fundir em 2008. Ficou nessa função até 2015 – exatamente quando o Novo foi reconhecido oficialmente pela Justiça Eleitoral.
Depois de vencer na profissão, Amoêdo passou a se dedicar ao Novo. Mas, antes, teve de enfrentar um novo desafio: um câncer
A partir daí, Amoêdo passou a se dedicar quase que exclusivamente a um novo desafio: estruturar o partido para torná-lo competitivo nas eleições. A “concepção” do Novo, no entanto, surgiu bem antes. “Foi justamente quando eu estava no conselho [de administração do banco], em 2008, que veio a ideia de fazer alguma coisa para melhorar a vida das pessoas. E acabamos concluindo essa ideia de montar um partido político”, disse Amoêdo na entrevista de 2017 à Gazeta.
Era uma época em que, surfando no bom momento da gestão do então presidente Lula, a esquerda estava em alta. A ponto de muitos partidos tidos como de direita terem se aliado à gestão do PT.
Os fundadores do Novo nadavam contra a maré. Queriam criar a primeira legenda genuinamente liberal no Brasil, que não fosse seduzida pelo canto da sereia vermelha do estatismo. Que não usasse nenhum centavo de verba pública para funcionar e fazer campanha (diretriz que a legenda, de fato, vem cumprindo à risca; o Novo não utiliza recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral; sobrevive das doações de seus filiados). Uma sigla com filiados ficha-limpa e que não fizessem da política uma profissão (o estatuto partidário autoriza uma única reeleição para o mesmo cargo para seus integrantes). Que defenda a extinção dos privilégios dos políticos e da elite que orbita ao redor do Estado. Um partido que fosse realmente novo e não estivesse ligado aos velhos vícios da política brasileira – daí a escolha do nome da legenda.
Mas Amoêdo logo viria a enfrentar um grande e inesperado obstáculo. Não apenas para montar um partido. Na verdade, sua própria vida estava em jogo. Em 2009, foi diagnosticado com linfoma, tumor no sistema linfático. Tratou-se. E venceu mais esse desafio. Um ano depois, já havia voltado a sua rotina. Inclusive esportiva. E estava pronto para retomar com força o projeto de criar um partido do zero.
Novo surgiu com a pecha de partido de “banqueiros”. Amoêdo diz que prefere ser chamado de “bancário”
O Novo viria a ser fundado em 2011 por 181 brasileiros – Amoêdo entre eles. O partido gosta de destacar que, dentre seus fundadores, estão cidadãos de 35 profissões: administradores, engenheiros, advogados, médicos, economistas, empresários... Talvez esse discurso seja um antídoto contra a pecha de ser um partido de “banqueiros” – já que figurões do mercado financeiro foram fundamentais para estruturar o Novo.
Da fundação ao registro definitivo no TSE, era preciso cumprir uma série de exigências legais. A mais difícil: conseguir um abaixo-assinado com a adesão de cidadãos não filiados a outras siglas que representem pelo menos 0,5% dos votos válidos na eleição anterior para a Câmara dos Deputados distribuídos em pelo menos um terço dos estados. É um caminhão de assinaturas: centenas de milhares – o Novo, no caso, obteve 502 mil adesões para receber o carimbo de “ok” do TSE. Para coletá-las, era preciso gente. E isso custa dinheiro.
Essa verba veio em grande parte de profissionais de bancos. Reportagem de 2016 do jornal Valor Econômico mostrou que Amoêdo foi o principal financiador do partido na empreitada de criar a sigla. O presidenciável tirou R$ 4,5 milhões do próprio bolso para pagar os R$ 5 milhões que estruturaram o Novo.
Outros doadores também têm ligação com os bancos: Pedro Moreira Salles (presidente do conselho da holding Itaú Unibanco); Eduardo Mazzilli de Vassimon (vice-presidente do Itaú); Jayme Garfinkel (acionista da Porto Seguro, seguradora que tem o Itaú como sócio); Fernão Bracher (fundador do BBA); Fábio Barbosa (ex-presidente do Santander) – só para ficar em alguns deles.
OPINIÃO: Por que detestamos candidatos ricos?
Apesar da importância dos bancos em sua vida profissional e na criação do Novo, Amoêdo não esconde o desconforto em ser chamado de “banqueiro”. “Nunca me considerei banqueiro. (...) Sempre me considerava bancário. Achava muita presunção, tendo uma participação pequena no banco, sendo um executivo que podia ser mandado embora a qualquer momento, me considerar banqueiro”, disse à Gazeta.
Ainda assim, bem ao estilo liberal de valorização do mérito pessoal e do empreendedorismo, Amoêdo critica a “demonização” dos banqueiros. “Eu entendo que, na verdade, não devemos medir as intenções [das pessoas], o seu caráter e o que eles pretendem fazer pela profissão [delas]. (...) Existem pessoas sérias e bem-intencionadas em qualquer atividade. (...) Acho que essa é uma imagem que a gente tem de quebrar no Brasil: que se uma pessoa foi bem-sucedida – um empresário, um banqueiro –, é alguém do mal. (...) Acho que é o contrário: pessoas que tiveram sucesso, que criaram riqueza, que empregaram [trabalhadores] e que agora querem ir para a política, têm de ser incentivadas.”
Nome mais popular do Novo, Bernardinho foi cotado mas não quis concorrer. Candidatura ficou com Amoêdo
Até estas eleições, as propostas do Novo conseguiram incentivar exatos 19.023 brasileiros a entrarem na política. Esse é o atual número de filiados ao partido, segundo o TSE. Dentre eles, o nome mais conhecido é de um esportista (sempre o esporte) que chegou a ser cotado para concorrer à Presidência: Bernardinho, ex-técnico da seleção brasileira de vôlei. Mas Bernardinho não quis disputar o Planalto (ensaiou concorrer ao governo do Rio, mas também desistiu).
Sem um nome mais famoso para entrar na corrida eleitoral, coube a Amoêdo assumir a candidatura a presidente pelo Novo. Para se fazer conhecido, começou praticamente do zero. Dadas as condições (pouco tempo de televisão e veto à participação nos debates), até que não vem fazendo feio. Em pouco tempo, saiu do anonimato para ser o candidato do coração de uma multidão de eleitores. Suas redes sociais são um exemplo disso: quase 2,5 milhões de seguidores no Facebook e 180 mil no Twitter. Chegou a 4% na pesquisa BTG/FSB divulgada em 17 de setembro. Ele ficou tecnicamente empato com dois figurões da política: Marina Silva (Rede, 5%) e Geraldo Alckmin (PSDB, 6%).
Mas ainda é insuficiente para Amoêdo chegar à frente nessa corrida. Talvez até pudesse ir mais longe se tivesse as mesmas condições que os demais candidatos, muitos dos quais em campanha velada há alguns anos. O presidenciável do Novo até mesmo tentou igualar algumas condições; promoveu uma campanha para poder participar dos debates na TV, já que a lei eleitoral permite que as emissoras não convidem candidatos de partido sem representação no Congresso. Não deu certo.
Ao menos nessa maratona, ele largou atrás.
Metodologia da pesquisa BTG/FSB
A pesquisa BTG/FSB foi realizada entre 15 e 16 de setembro de 2018 com 2.000 entrevistados em todo o Brasil, por telefone. O levantamento, realizado pelo Instituo FSB, foi contratado pelo Banco BTG Pactual. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos porcentuais para mais ou para menos. O grau de confiança, de 95%. A pesquisa foi registrada no TSE com o protocolo BR-06478/2018.
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