| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom / Abr

Se recentemente a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), foi ironizada por ter se confundido e enxergado apoio ao ex-presidente Lula em manifestação popular em jogo de futebol ou em uma música do carnaval, tem gente no mercado financeiro dizendo que o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) também exagerou ao ler a salva de aplausos que recebeu em evento do mercado financeiro como um sinal de apoio dos banqueiros e operadores às suas ideias sobre a economia. 

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O deputado foi um dos palestrantes de um seminário promovido pelo banco de investimentos BTG Pactual no dia 6 de fevereiro, fechado para a imprensa e restrito a grandes nomes do mercado financeiro brasileiro, sem qualquer registro público de vídeo ou áudio. Comentário na imprensa no dia seguinte à conferência dava conta de que o deputado teria sido “a estrela” do dia, por ter sido aplaudido e ter recebido pedidos de fotos. Mas relatos de pessoas presentes ao evento colocam em questão essa interpretação, de que os aplausos representariam aval ou apoio do mundo financeiro ao militar. 

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“Mais de mil pessoas do mercado, bem como toda a mídia de São Paulo. Fui aplaudido várias vezes, em especial no final da entrevista”, disse Bolsonaro em vídeo divulgado no seu Twitter. 

Um participante do evento afirmou, em condição de anonimato, que os aplausos teriam sido “normais”. Segundo o relato, muitos dos espectadores do debate de Bolsonaro estariam até “achando graça” do jeito despachado e direto do pré-candidato à presidência da República. 

“Não acredito que seja um candidato que o mercado leve a sério”, concluiu o participante do evento, que atua no setor financeiro. 

A economista Elena Landau, que integra o Conselho Acadêmico da Fundação Indigo (ligada ao grupo político Livres) e adota posição crítica sobre as propostas de Bolsonaro, afirmou que não viu na manifestação de palmas ao deputado durante o evento um apoio às suas ideias, mas sim uma deferência a um homem público. 

“Não teve nada de aplaudido, ovacionado. Quando se convida alguém que é candidato, as pessoas batem palmas. E tinha gente de pé, a palestra estava cheia”, afirmou Elena. 

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O analista de investimentos Ricardo Schweitzer – cujo artigo publicado no começo de 2017 sobre a então distante possibilidade de uma candidatura de Bolsonaro foi utilizado por apoiadores do deputado como um libelo de apoio do mercado financeiro ao parlamentar, afirmou que o relato de uma suposta empolgação adicional nas palmas não foi unanimidade. “Colhi comentários de quem estava no evento. Teve mesmo um aplauso, mas a depender de quem relata temos uma leitura diferente se foi uma coisa mais protocolar ou mais engajada”, contou. 

Não que o mercado financeiro tenha algo contra Bolsonaro, mas ainda há muito que o deputado tem de mostrar para conseguir apoio dos banqueiros e investidores. Na avaliação de Schweitzer, nos últimos meses o mercado pelo menos deixou de ver o deputado como um cenário completamente improvável, o que veio na esteira da divulgação de pesquisas de intenção de voto com grande recall do nome do militar. 

“Lá atrás havia negação no mercado sobre a possibilidade do Jair (Bolsonaro) ser um candidato viável eleitoralmente. Não se falava no assunto, era de fato tida como cômica a possibilidade de ele ter eleitorado significativo e ter chances reais na corrida de 2018. A candidatura não é mais uma piada de bar, temos de ouvir o que esse cidadão tem a dizer, mas continuamos vivendo em um mundo cor de rosa, na qual a eleição vai ser vencida por um candidato ideal mas que não apareceu. O mercado sonha com um candidato com o arquétipo do Henrique Meirelles [ministro da Fazenda]”, avalia. 

Bolsonaro ainda não mostrou a que virá e ‘namoro’ a economista liberal ainda diz pouco 

Mas mesmo que o aplauso a palestra do deputado tenha sido de engajamento e empolgação com sua pré-candidatura, os analistas ainda cobram propostas do político. Há quem espere o voto de Bolsonaro em dois projetos fundamentais na visão do mundo financeiro para ver se presta apoio ou não ao militar: a reforma da Previdência e a privatização da Eletrobras, duas propostas que devem ser avaliadas pela Câmara dos deputados em breve. 

Elena Landau também criticou a falta de propostas concretas de Bolsonaro. “Quando ele vai falar de economia, ele diz que não entende nada e que vai ter alguém para falar por ele. Mas faço inferências pelas votações passadas e pela aliança com mundo militar, que ele vai fazer o que fez o PT, contra privatização, intervencionista. Muito difícil falar das propostas do candidato se ele não tem propostas”, disse.  “As propostas dele para a economia são irrelevantes perto das pautas de comportamento, como elogios a Brilhante Ustra. O que ele tá falando é muito sério”, disse Elena Landau. 

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Nem mesmo o alardeado “namoro” de Bolsonaro com o economista liberal Paulo Guedes (um dos quatro fundadores do Banco Pactual e PhD pela Universidade de Chicago) pode ajudá-lo a angariar apoio com o mercado. 

“Não sei exatamente o que o Paulo Guedes está propondo ao Bolsonaro. Mas não interessa o Paulo Guedes. O programa de governo do Bolsonaro que interessa. Me impressiona que pessoas do nível intelectual de Paulo Guedes e ditos liberais se proponham a trabalhar com Bolsonaro, pelas ideias dele. Os valores do Bolsonaro são horríveis”, criticou Elena. 

Em evento do banco Credit Suisse no final de janeiro, Guedes teria dito estar “conversando” com o deputado, mas que há um longo caminho a ser percorrido para transformar as ideias de Bolsonaro em um plano de governo. 

Entre analistas de bancos, não vai bastar para o deputado seguir falando de seu contato com Guedes, apesar de ajudar a mostrar que ele tem condição de trazer para seu entorno nomes de relevo. 

Se o deputado de fato criar um discurso concreto sobre seu plano para a economia, poderá vir a ser apoiado e de fato ovacionado pelo mercado financeiro. Seu perfil conservador não vai atrapalha-lo com os investidores, bolsas e banqueiros. Ricardo Schweitzer faz uma comparação irônica para explicar a moral do setor. 

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“O mercado é absolutamente amoral. Ou seja, se hoje a União Soviética dos seus piores dias estivesse emitindo títulos com rentabilidade maravilhosa, mesmo tendo presos em campos de trabalho forçado, o mercado apoiaria. O mercado não liga. É amoral”, comparou.