Entre uma e outra declaração polêmica na entrevista ao vivo ao Jornal Nacional, da TV Globo, o candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL) mexeu com a curiosidade dos telespectadores ao tentar mostrar um livro, após ser indagado sobre homofobia e preconceito com gays. A publicação, segundo ele, faria parte do chamado ‘kit gay’, material de cunho supostamente educacional para crianças que teria sido distribuído em escolas e bibliotecas do país durante o governo petista de Dilma Rousseff.
O deputado queria mostrar uma gravura de dentro do livro. “Você, pai, tire o filho da sala”, alertando que as imagens eram revoltantes. Antes disso, porém, as câmeras mudaram o enquadramento e passaram a mostrar o candidato de costas, enquanto os apresentadores Willian Bonner e Renata Vasconcelos explicavam a ele que nenhum dos candidatos poderia mostrar documentos ou imagens durante a entrevista.
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Mas o pouco tempo que ele empunhou a publicação foi suficiente para identificar a capa do livro Aparelho sexual e Cia – um guia inusitado para crianças descoladas, tradução do livro escrito por Zep (pseudônimo do autor suíço Philippe Chappuis) e ilustrado pela francesa Helene Bruller, lançado no Brasil em 2007 e editada pela Companhia das Letras. O livro foi publicado em mais de 10 idiomas, com 1,5 milhão de exemplares vendidos no mundo.
O livro é de educação sexual infantil. No catálogo da Companhia das Letras, é sugerido para alunos do 6º, 7º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, ou seja, para alunos de 11 a 15 anos. Imediatamente após a entrevista, Bolsonaro usou seu perfil no Twitter para exibir a página que não pôde mostrar na televisão.
Há o desenho de um garoto nu, com um buraco entre as pernas para que ali seja colocado um dedo simulando o pênis. Na página ao lado há o desenho de uma garota nua, também com um buraco entre as pernas para que ali seja colocado um dedo.
Um dos livros que ensinam sexo para crianças nas escolas que a Globo não quis mostrar! pic.twitter.com/DbwCzUhWJN
— Jair Bolsonaro 1ï¸â£7ï¸â£ (@jairbolsonaro) 29 de agosto de 2018
A briga de Bolsonaro com esse livro é antiga: em 2016, o deputado federal postou vídeos nas redes sociais em que afirma que a obra é uma “coletânea de absurdos que estimula precocemente as crianças a se interessarem por sexo. É uma porta aberta para a pedofilia”.
O presidenciável dizia que o governo Dilma teria comprado milhares de unidades do livro e as distribuído em escolas públicas. “É uma grana para os companheiros e fica pervertendo seu filho na sala de aula.”
Os vídeos, na época, causaram muita repercussão. A ponto de o Ministério da Educação se manifestar, em nota, não ter qualquer relação com o título. Já o Ministério da Cultura reconheceu ter comprado, em 2011, 28 exemplares dentro do antigo programa Livro Aberto, que não tinha relação com bibliotecas escolares. Lançado em 2004, o programa tinha como meta zerar o número de cidades sem bibliotecas.
"Ao contrário do que afirmou erroneamente o candidato à Presidência em entrevista ao Jornal Nacional na noite de 28 de agosto, ele nunca foi comprado pelo MEC, como tampouco fez parte de nenhum suposto 'kit gay'", afirmou a editora Companhia das Letras em nota. A obra está esgotada.
O conteúdo do livro
No catálogo da Companhia das Letras, o livro é sugerido para alunos do 6º, 7º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, ou seja, para alunos de 11 a 15 anos. “Aparelho Sexual e Cia.” é dividido em seis capítulos. O primeiro capítulo fala de relacionamentos. O que é estar apaixonado? O que é sair com alguém? Como é beijar? O seguinte discorre sobre a puberdade e as mudanças corporais sofridas por garotos e garotas: mudanças na voz, crescimento dos seios, surgimento de pelos, acentuação dos odores etc.
Em seguida, vem a parte do sexo. Com linguagem adaptada para a faixa etária do público-alvo, perguntas diretas e respostas claras, a obra explica o que é transar, o que é uma ereção, como funciona o orgasmo e a anatomia dos órgãos sexuais.
Sobre o que é transar, por exemplo, o livro diz: “Quando você sente atração por uma pessoa, fica a fim de se aproximar cada vez mais dela. Assim, os namorados vão unir seus corpos pelos órgãos genitais. O órgão masculino é que vai penetrar o feminino”.
O quarto capítulo aborda a maternidade e a corrida dos espermatozoides rumo ao óvulo, mesclando ciência com linguagem de tirinhas de jornal. Depois é a vez de falar sobre contracepção e higiene. Por fim, há um serviço sobre quem procurar em casos de abuso ou pedofilia.
Durante todo o livro, o personagem principal interage com o universo da sexualidade procurando gerar um efeito cômico. Ele se beija no espelho para treinar, não entende muito bem como funciona uma relação sexual e, muitas vezes, imagina as coisas da maneira mais literal possível.
Não é a primeira vez que a obra sofre dura reação no Brasil. A Promotoria do Distrito Federal já havia pedido esclarecimentos sobre o livro à Companhia das Letras em 2015. Na época, pais questionaram o conteúdo de “Aparelho Sexual e Cia.”, adotado por um colégio.
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