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Deputado João Rodrigues (PSD-SC) cumpre pena em regime semiaberto no Complexo da Papuda, em Brasília. De dia, trabalha na Câmara | Evandro Éboli/Gazeta do Povo
Deputado João Rodrigues (PSD-SC) cumpre pena em regime semiaberto no Complexo da Papuda, em Brasília. De dia, trabalha na Câmara| Foto: Evandro Éboli/Gazeta do Povo

O deputado João Rodrigues (PSD-SC) é o único parlamentar que hoje cumpre pena na cadeia. Em regime semiaberto, ele dá expediente na Câmara durante o dia e dorme no Complexo da Papuda, em Brasília. Apesar de o Congresso estar em recesso, Rodrigues pediu a seu partido que o indicasse para compor a comissão de representação de deputados e senadores que fazem plantão nesses dias. Ficam de sobreaviso para alguma emergência. Mas não há trabalho algum.

"Na prática, não fazemos nada. Eu pedi mesmo para estar aqui. Recebo vereadores, prefeitos e faço meus contatos. Não queria ficar naquele inferno (a Papuda)” – contou João Rodrigues à Gazeta do Povo, numa conversa em seu gabinete no quinto andar de um dos prédios anexos da Câmara, na tarde de terça-feira (24).

ENTREVISTA: Assista ao vídeo da entrevista com o deputado João Rodrigues

Na sua sala, no gabinete, há um painel enorme com a foto do time da Chapecoense que sofreu um acidente de avião no final de 2016. Ele já foi prefeito de Chapecó, cidade que tem a sexta maior população de Santa Catariana. Foi também locutor esportivo de rádio. 

Deputado foi condenado pelo TRF-4 por fraude e dispensa indevida de licitação

Sua história é conhecida: o deputado foi condenado a cinco anos e três meses pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), de Porto Alegre (RS), acusado de fraude e dispensa indevida de licitação quando foi prefeito interino, por um mês, de Pinhalzinho (SC). O caso aconteceu em 1999. As irregularidades se deram na aquisição de uma retroescavadeira. A unidade velha foi dada em troca da compra de uma nova e a Prefeitura pagou a diferença. O valor envolvido foi de R$ 95 mil. 

João Rodrigues jura inocência e exibe para quem o visita no gabinete o dossiê "10 documentos que comprovam a injustiça". Ele afirma não ter cometido nenhum crime e diz que a prova maior disso é que não houve o desvio de um centavo, segundo o próprio deputado. No Conselho de Ética, seus pares arquivaram seu processo por quebra de decoro, numa mobilização para votar o caso antes do recesso. 

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Rodrigues vai tentar a reeleição

O parlamentar anunciou naqueles dias que não iria mais disputar eleição e seu interesse agora era "limpar sua honra". Mas mudou de ideia. Quer tentar a reeleição e seu nome foi homologado na convenção do PSD de Santa Catarina dias atrás. Mas por que voltou atrás e vai concorrer? 

"O que mais limpa a honra de um homem público? É a opinião pública. É preciso ter convicção de sua inocência para fazer o que estou fazendo. Ser candidato mesmo estando preso. Precisa ter coragem", contou Rodrigues. 

"Não me escondo de ninguém. Falo com a imprensa pessoalmente. Não envio nota e nem digo que não estou. Isso diz alguma coisa sobre mim. Se tivesse culpa estaria me escondendo". 

Deputado está incurso na Lei da Ficha Limpa

Claro que a situação legal de Rodrigues é delicada. Ele ainda tem um recurso – um embargo de declaração – a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou sua prisão em fevereiro e depois autorizou o cumprimento em semiaberto. O argumento de sua defesa é que o crime prescreveu e que é inocente.

O deputado está incurso na Lei da Ficha Limpa porque o TRF, onde foi condenado, é uma instância colegiada. Isso basta para ser considerado "ficha suja". Se o STF não julgar seu recurso a tempo, ele vai recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

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"Vou onde for preciso. Se preciso for, serei candidato nem que tenha que fazer campanha em regime fechado, na cadeia. Sou inocente e isso está comprovado. Minha condenação foi um estupro." 

Sua prisão frustrou sua pretensão de disputar o governo do estado. "Depois desse linchamento público também!". 

O parlamentar assegura ter o apoio de 50 dos 61 prefeitos do PSD do estado. Acredita, se candidato de fato for, estará entre os mais votados. 

O dia a dia do deputado-presidiário

João Rodrigues vai e volta da Papuda num carro particular, que disse pagar com os próprios recursos, e não da Câmara. Ele deixa a penitenciária às 8h e tem que estar de volta às 19h30. Sai da Câmara às 18h30. O deputado diz não ter privilégios. "Não quero privilégio, mas não é justo o que está acontecendo comigo. Não sou bandido. Não sou filho de chocadeira. Me execraram publicamente." 

Seu período no regime fechado, sem poder sair da cadeia mesmo para trabalhar, durou quatro meses e 10 dias. Esteve preso ao lado do empresário Luiz Estevão e do ex-ministro José Dirceu. Anti-petista de carteirinha, Rodrigues disse que ali, na prisão, as "diferenças ficam do lado de fora". Ele contou que aprendeu a admirar José Dirceu. "Uma pessoa inteligência, equilibrada. Uma inteligência rara. Não tem nada de radical.”

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Na Papuda, fica num espaço que tem 70 presos. Eles ficam fora da cela das 9h até as 16h, num pátio. É uma ala de vulneráveis, de presos com mais de 60 anos de idade, alguns com mais de 80. Hoje, quando chega para dormir, divide uma cela com seis pessoas, entre servidor público, ex-policiais e comerciante. 

Nesse regime semiaberto ele alterna um fim de semana na Papuda e outro com a família, no hotel onde se hospeda em Brasília quando não está na cadeia. Sai sábado de manhã e retorna às 15h de domingo. Não pode deixar o hotel e circula entre o restaurante e o quarto. Ali, recebe a visita da mulher e das duas filhas. 

O deputado faz as contas e disse que mesmo que sua condenação não seja revertida teria que cumprir apenas mais dois meses para conseguir o regime aberto. Será quando completar 10 meses e 23 dias de pena no regime semiaberto. Ele fez dois cursos, que dão 30 dias de remição e mais 30 dias por trabalho. Fez um curso de relações públicas e atendimento ao público e outro de auxiliar de pedreiro e nos mostra a apostila. "Sei tudo de construção". 

Diz que sua campanha para deputado já está pronta há tempos. "Ninguém faz campanha nos últimos 90 dias da eleição. Faz durante os quatro anos.”

 “Depois do convívio com presos, não digo mais que bandido bom é bandido morto”

A experiência da prisão está fazendo João Rodrigues mudar de postura e pensamento. Antes, era um apoiador de Jair Bolsonaro (PSL) para presidente. Agora, está refletindo e não deve apoiá-lo. 

"Muita convicção que eu tinha antes, depois de experimentar a cadeia, não tenho mais. Vivia dizendo que 'bandido bom é bandido morto' e que 'quanto pior, melhor para o preso'. Agora que conheço o sistema por dentro, não acho mais nada disso. Tem gente ali por pequeno furto, por ter cometido uma ação impensada, equivocada. Gente que não cometeu nada e que, vivendo ali, aí sim, sai um bandido. Colocar 40 pessoas num espaço onde cabem nove é desumano. Sou contra a distribuição de arma indiscriminada. Acho que o Bolsonaro tem que repensar muita coisa.”

Provocado a falar sobre o ex-presidente Lula (PT), ele diz que seu caso é bem diferente. "Não tem nenhuma delação contra mim. Já o Lula tem uma delação em cima da outra. Mas não quero julgá-lo. Quem sou eu? Não tenho moral no momento para condenar ninguém." 

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