Uma das maiores preocupações do brasileiro é com o emprego. Ou seja, se terá trabalho amanhã ou vou virar mais um na lista dos 13 milhões de desempregados do país. Por isso é importante saber o que os candidatos a presidente Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) propõem para a economia e gastos públicos. E também o que pensam sobre política externa, já que o comércio internacional é uma das formas de promover o crescimento econômico de um país.
O Podcast Eleições, programa semana da Gazeta do Povo que analisa a sucessão presidencial, discutiu e comparou as propostas de Bolsonaro e Haddad para a Previdência, impostos, geração de empregos, expansão do crédito para o consumidor e inserção do país no comércio internacional. Mediado pelo jornalista Fernando Martins, o podcast teve a participação do também jornalista Renan Barbosa e dos colunistas da Gazeta do Povo Pedro Fernando Nery (mestre em economia e especialista em mercado de trabalho e Previdência) e Pedro Menezes (fundador e editor do Instituto Mercado Popular).
Gastos públicos e impostos
Pedro Nery destacou que a contenção de gastos públicos é essencial para o Brasil por uma razão muito simples: o governo federal não tem mais dinheiro para executar todas suas atividades e, em pouco tempo, o Estado pode não ter recursos para prover serviços básicos aos cidadãos. Para este ano, o rombo nas contas federais previsto pelo governo é de R$ 159 bilhões.
Os planos de governo dos dois candidatos, nesse ponto, são bem distintos. O de Bolsonaro prevê zerar o déficit no primeiro ano de gestão para ter superávit a partir do segundo – o que implica corte de despesas. Haddad fala em revogar a Emenda Constitucional do Teto de Gastos, que impede que o governo gaste mais num ano do que a inflação do ano anterior.
Nery disse entender que o plano de Haddad, na questão dos gastos, é mais coerente do que o de Bolsonaro. O petista não promete cortar despesas, mas sim atacar a crise fiscal do país por meio do aumento de impostos – como o que incidiria sobre grandes fortunas. Segundo o colunista da Gazeta do Povo, isso não significa que o aumento de tributos proposta no plano do PT será suficiente para cobrir o rombo. Mas apenas que a proposta de Haddad tem mais coerência, pois Bolsonaro fala, de modo genérico, em cortar impostos e zerar o déficit – uma conta que não fecha.
No caso do candidato do PSL, a principal fonte de receitas novas seriam as privatizações de estatais. Mas isso demora de ser realizado. Além disso, Bolsonaro também afirma que não vai vender algumas das mais importantes: Petrobras, Eletrobras, Caixa Econômica e Banco do Brasil. Para Nery, a proposta de Bolsonaro de zerar o déficit é inexequível.
Pedro Menezes concordou e citou estudos segundo os quais o rombo das contas públicas só vai acabar, num cenário muito otimista, em 2022 – último ano da gestão do próximo presidente. Menezes disse ainda não acreditar que, diante do problema fiscal do país, Bolsonaro vai conseguir cumprir sua promessa de reduzir impostos. Para ele, esse é mais um discurso eleitoreiro do que um compromisso efetivo de gestão.
As propostas de Bolsonaro e Haddad para impostos, aliás, têm várias semelhanças.
O candidato do PSL fala em unificar tributos, fixar uma alíquota única de Imposto de Renda de 20% (hoje, as alíquotas variam de 7,5% a 27,5%) e isentar do IR quem ganha até 5 salários mínimos (cerca de R$ 5 mil). Ele nega que vá criar impostos. Seu guru econômico, Paulo Guedes, contudo, falou em recriar a CPMF – o que foi prontamente rechaçado por Bolsonaro.
Haddad também propõe a unificação de vários tributos como ICMS e PIS/Cofins num único (o IVA, Imposto sobre Valor Agregado) e promete isentar do IR quem ganha até 5 salários mínimos. Propõe taxar dividendos e grandes fortunas. Também fala em um imposto regulatório sobre exportação (para criar um fundo de estabilização cambial e minimizar a variação cambial, com o objetivo de atender aos exportadores).
Pedro Menezes acredita que a proposta de ambos os candidatos que mais tem chance de avançar é a unificação de tributos, pois ela encontra um certo consenso nas mais variadas correntes políticas do país – e mudanças tributárias têm de ser aprovadas pelo Congresso.
Os participantes do Podcast Eleições destacaram ainda a dificuldade de ambos os candidatos colocarem em prática a promessa de isentar IR quem ganha até 5 salários mínimos. Seria uma perda anual de R$ 60 bilhões para o governo, segundo cálculos do Ministério da Fazenda.
Reforma da Previdência
Os dois presidenciáveis admitem que irão fazer uma reforma da Previdência. Mas falam de forma muito genérica sobre seus planos para conter o rombo nas contas públicas por causa das aposentadorias – que já consome mais da metade do orçamento federal e, segundo projeções, em breve chegará a 70%, 80%.
Bolsonaro propõe trocar o atual modelo de repartição (por meio do qual os trabalhadores da ativa financiam os pagamentos dos aposentados) pelo sistema de capitalização (no qual cada trabalhador vai contribuir para sua própria aposentadoria, numa conta pessoal). A proposta de Haddad é de unificar as previdências do setor público num primeiro momento para reformar todo o sistema numa segunda etapa.
Para Pedro Menezes, o discurso dos dois presidenciáveis de não expor em detalhes o que pretendem fazer com as aposentadorias é calculado para evitar prejuízos eleitorais, já que esse é um assunto impopular. Tanto ele quanto Pedro Nery concordam que, seja quem for o eleito, é provável que a reforma que o futuro presidente venha a apresentar seja parecida com a proposta por Michel Temer – que estabelece idade mínima para a aposentadoria.
Análise: Bolsonaro e Haddad se unem por reforma da Previdência meia sola só para o funcionalismo
Renan Barbosa afirmou ainda que é uma incógnita qual será a posição do novo Congresso, que toma posse em fevereiro do ano que vem, sobre a reforma da Previdência. Segundo ele, ao que tudo indica, Bolsonaro terá um Parlamento mais alinhado com suas ideias – o que poderia lhe favorecer na aprovação de sua proposta.
Mas Barbosa destacou que, em contrapartida, a esquerda historicamente tem mais sucesso em aprovar reformas no sistema de aposentadorias porque tem mais interlocução com os sindicatos que rotineiramente se opõem a esse tipo a esse tipo de medida. Isso poderia ser, em tese, uma vantagem para Haddad.
Criação de postos de trabalho e legislação trabalhista
Bolsonaro e Haddad têm propostas opostas em relação à legislação trabalhista: o candidato do PSL fala em flexibilizá-la para criar postos de trabalho; o petista promete revogar a reforma trabalhista que, no entendimento do PT, acabou com direitos dos trabalhadores.
A principal proposta de Bolsonaro é a criação da carteira de trabalho verde e amarela, por meio da qual jovens seriam contratadas num regime sem os encargos previstos na carteira de trabalho tradicional (a azul), mas com os direitos assegurados na Constituição.
Pedro Nery diz que, embora a proposta de Bolsonaro seja genérica, ao menos colocou no debate público a criação de empregos para os jovens – a parcela da população que mais é afetada pela falta de trabalho. Pedro Menezes disse que o problema da proposta é justamente que ela não traz detalhes. E exatamente por causa disso é difícil saber se a ideia é boa ou ruim.
Menezes ainda afirmou que os maiores problemas do país para criar empregos são a burocracia e a incerteza jurídica. E é por isso que ele critica a proposta de Haddad de revogar a reforma trabalhista, que iria criar um clima de grande incerteza no mercado, mostrando que as regras não têm estabilidade no país.
Saiba mais: Artigo de Pedro Nery detalha sua análise sobre a carteira verde e amarela
Juros mais baixos para o consumidor
Bolsonaro e Haddad têm propostas muito distintas para baixar os juros e, assim, expandir o crédito para o consumidor – fator que estimula o crescimento da economia.
O candidato do PSL diz que o dinheiro arrecadado com a venda de estatais será usado para pagar parte da dívida pública. Com a dívida pública menor, a taxa de juros Selic naturalmente vai cair, pois o risco para emprestar dinheiro ao governo se reduz. E isso faria com que os juros ao consumidor também caíssem.
Já Fernando Haddad diz que irá promover uma reforma bancária em que cobrará impostos progressivos dos bancos que não baixarem os juros.
Pedro Nery afirmou que a proposta de Bolsonaro de reduzir a dívida pública é positiva. Ele ainda disse que a ampliação da competição entre os bancos também ajudaria a reduzir os juros para o consumidor – o que poderia ser feito por Bolsonaro vendendo a Caixa ou o Banco do Brasil a uma instituição de fora (o candidato do PSL, contudo, já descartou vender esses dois bancos).
Nery também criticou a reforma bancária de Haddad. Segundo ele, nenhuma experiência internacional semelhante a essa teve sucesso.
Política de controle de inflação
Bolsonaro se compromete, em seu plano de governo, com a manutenção do tripé macroeconômico vigente: câmbio flexível, meta de inflação e meta fiscal. E propõem dar independência do Banco Central (o que não ocorre atualmente do ponto de vista formal). Haddad fala em ter um Banco Central com mandato “dual”, ou seja, com o compromisso com taxa de inflação e de emprego simultaneamente.
Pedro Menezes disse ver com receio a proposta do Banco Central “dual” do PT. Segundo ele, em todo o mundo os bancos centrais já se preocupam com a inflação e o desemprego conjuntamente para sua tomada de decisão. Mas, quando o plano de governo de Haddad coloca isso como uma novidade, pode estar sinalizando que vai valorizar mais o aumento dos níveis de emprego do que com a taxa de inflação – o que seria ruim para o país. Essa percepção é reforçada porque o PT costuma ser crítico ao tripé macroeconômico – uma política que é comprovadamente eficaz. (Após a gravação do podcast, no dia 17 de outubro, tornou-se pública a informação de que Haddad protocolou um novo plano de governo em que se compromete de forma mais incisiva no controle da inflação e autonomia do Banco Central).
Outra discussão do podcast: Bolsonaro ou o PT – qual é a maior ameça à democracia?
Relações exteriores e comércio internacional
Bolsonaro fala em acabar com a ideologia esquerdista nas relações internacionais. Seu plano de governo afirma que o Brasil deixará de “louvar ditaduras assassinas e desprezar ou mesmo atacar democracias importantes como EUA, Israel e Itália”. Em compensação, ele tem uma posição muito crítica em relação à China (vai vetar, por exemplo, a venda de estatais para empresas chinesas). Já o plano de governo de Fernando Haddad fala em priorizar as relações Sul-Sul, sobretudo com os países da América Latina e África, numa reedição da diplomacia dos governos de Lula e Dilma Rousseff.
Pedro Menezes e Pedro Nery disseram que ver como positiva a proposta de Bolsonaro, que sinaliza na direção de uma maior abertura comercial ao deixar a ideologia política de lado – o que, contudo, não parece ter sido abandonado pelo plano de Haddad.
Renan Barbosa afirmou que a proposta de Bolsonaro indica uma ruptura com a política internacional do Brasil que, desde a década de 1960, é caracterizada pelo não alinhamento automático principalmente com os EUA, numa tentativa de criar uma “terceira via” nas relações internacionais. Segundo Barbosa, a ideia que norteia o Itamaraty desde então é de que, como o Brasil não é uma potência militar, tem de se juntar a outras nações médias e pequenas para contrabalancear o poder das superpotências no cenário internacional.
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